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Quem é o prefeito? Texto sobre linha sucessória em Salvador tem "salada jurídica"

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Publicação rendeu pano para manga e abriu diversos debates jurídicos, expondo conflitos no texto que trata da linha sucessória da cidade  |   Bnews - Divulgação BNews

Publicado em 09/11/2018, às 17h30   Henrique Brinco


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O BNews publicou em primeira mão, nessa quinta-feira (8), uma nota questionando se Salvador estaria "sem prefeito", já que ACM Neto embarcou para uma viagem as Estados Unidos - assim como o vice Bruno Reis e o presidente da Câmara Municipal Leo Prates (o primeiro foi para Londres e o segundo, para a Disney). A publicação rendeu pano para manga, repercutiu entre os políticos e abriu debates jurídicos que expõem os conflitos no texto que trata da linha sucessória da cidade. 
Antes de qualquer coisa, é preciso deixar claro: a Secretaria de Comunicação do Município informa que o prefeito está em missão oficial no exterior e que ficará fora dentro do período permitido pela legislação. Ou seja, permanece despachando de longe e continua no cargo de prefeito. Para que houvesse os sucessores assumissem a cadeira, ele teria que fazer a transferência do cargo.
No entanto, surgiu uma dúvida curiosa: caso Neto, Reis e Prates ficassem impedidos de tocar a cidade, quem assumiria o Palácio Thomé de Souza?
O que diz a lei
O Supremo Tribunal Federal entende que cabe à Lei Orgânica Municipal disciplinar o assunto. E é justamente esse texto que não deixa claro qual é a linha sucessória em Salvador. Uma emenda no Artigo 53 do capítulo que trata do Poder Executivo, afirma que "vagando-se o cargo de Prefeito, ou impedido o titular deste cargo, este será exercido até o final do impedimento eleitoral do Vice-Prefeito, sucessivamente, pelo Presidente da Câmara ou pelo Vereador mais antigo em exercício de mandato".
A expressão "mais antigo em exercício de mandato" levanta dúvida se o critério seria de vereador com maior mandato ou o mais velho (em idade, no caso). Se fosse aplicado o critério de vereador com mais mandatos, o sucessor atualmente seria o vereador Odiosvaldo Vigas (PDT). Se fosse usado o critério de vereador mais idoso, o prefeito em exercício seria o decano Edvaldo Brito (PSD).
Entretanto, o Artigo 37 do Regimento Interno da Câmara, que trata sobre os vice-presidentes, deixa claro que os edis que substituem o Presidente têm plenos poderes: "Os Vice-Presidentes substituirão, sucessivamente, o Presidente em suas faltas, ausências, impedimentos ou licença, ficando, nas últimas duas hipóteses, investidos na plenitude das respectivas funções, e, na mesma ordem, suceder-lhe-ão, no caso de vaga". Neste caso, se fosse aplicado esse critério, o prefeito em exercício seria Kiki Bispo (PTB), atual 1º vice-presidente eleito do legislativo municipal.
O que os especialistas dizem
Diante da "salada jurídica", o BNews ouviu juristas e especialistas no assunto para entender como funciona a linha sucessória em Salvador. "A regra para Presidente da República e para Governador do Estado da Bahia é a seguinte:
 dupla vacância nos 2 primeiros anos de mandato, é nova eleição. Dupla vacância nos 2 últimos anos de mandato: eleição no Congresso Nacional. O Presidente da Câmara ou 1º Vice-presidente (na ausência do Presidente) só assume interinamente", explica o jurista e advogado eleitoral José Amando.
Indagado se o 1º vice-presidente da Câmara Municipal de Salvador assumiria o mandato em caso de vacância dos três primeiros na linha sucessória, Amando afirma que essa é a tese mais coerente. "Se ele estiver no exercício da Presidência da Câmara, sim. Mas é estranha a situação. Parece que eles [a prefeitura] não tinham interesse em tornar publica a situação [as viagens de Neto, Reis e Prates]. O Prefeito não deixou o cargo. Continuará despachando à distância".
Questionado sobre o ponto da  Lei Orgânica Municipal que trata sobre o critério de "vereador mais antigo em exercício", Amando explica: "Suponho que seja o vereador que tenha mais mandatos. Caso contrário, teriam utilizado a expressão de maior idade".
Já Kiki Bispo tem outro entendimento. "Entendo que ao chamar o Presidente da Câmara para o exercício do cargo do poder executivo tem que ser respeitada a linha sucessória [dos vice-presidentes], conforme atribuições previstas no regimento interno e depois o vereador mais velho, que é Odiosvaldo Vigas", analisa. "É por isso que a Lei Orgânica está sendo reformulada que tem uns pontos que não são claros", completa o edil. 
Procurada pelo BNews, a assessoria de imprensa da Câmara Municipal de Salvador, por outro lado, informou que o texto "deixa claro" que o vereador decano (Edvaldo Brito) assumiria o Palácio Thomé de Souza em caso de vacância dos três primeiros na linha sucessória.
Durante a apuração, diversas fontes sugeriram que a reportagem entrasse em contato com o autor do texto atual da LOM: justamente o decano Edvaldo Brito.
Com a palavra, o autor
Em contato com o BNews, Edvaldo esclarece que o critério a ser usado é o de vereador com maior mandato. E que o texto não deixa dúvidas: "O regimento fala em outros locais sobre o vereador mais idoso. E para distinguir, na hipótese do mais idoso ou mais antigo, usamos a expressão 'mais antigo em exercício de mandato', o que significa que precisa ser o vereador mais antigo dentro da casa. Por enquanto, é o vereador Odiosvaldo Vigas que tem um mandato a mais que o vereador Alfredo Mangueira".
"Tudo isso veio quando o prefeito João Henrique viajou em plena época da campanha eleitoral, em 2012, e eu que era o vice-prefeito. Não poderia assumir porque estava candidato a vereador. E Pedro Godinho, que era o Presidente, também não poderia assumir porque também era candidato. Ficou o impasse e nós tivemos que construir essa tese que está hoje no regimento. Se o primeiro mais antigo não puder, vai o segundo, o terceiro e assim sucessivamente", esclarece.
A conclusão
Diante de tanta confusão e levando em consideração o entendimento do próprio autor do texto da LOM, chega-se à conclusão de que caso Neto, Reis e Prates fossem impedidos de tocar a Prefeitura, o prefeito em exercício seria Odiosvaldo Vigas (o vereador com maior mandato). Mas, claro, tudo isso em tese já que Neto continua despachando diretamente dos Estados Unidos e voltará antes do prazo legal. Pela lei, a cidade só ficaria "sem prefeito" se o democrata ficasse fora por mais de 15 dias.

Classificação Indicativa: Livre

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