Política

Entenda o projeto do “Built to Suit”, que será votado pela Câmara de Salvador nesta quarta

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A tramitação do projeto até aqui é marcada por acusações da oposição de que, uma vez sancionada, a lei favoreceria o setor privado em detrimento do interesse público  |   Bnews - Divulgação Arquivo/BNews

Publicado em 05/06/2019, às 06h00   Marcos Maia


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A Câmara Municipal de Salvador (CMS) vota nesta quarta-feira (5) o projeto de lei nº 63, que disciplina o aluguel de imóveis por parte da prefeitura. Se sancionado, o projeto apelidado de "Built to Suit" – do inglês “construído para servir” - permitirá a locação de imóveis sem necessidade de licitação por até 30 anos, incluindo eventuais prorrogações.

Contudo, esta medida será válida quando o espaço for considerado "estratégico para o desenvolvimento da cidade". Assim, a prefeitura terá de apresentar justificavas “fundamentadas” para escolha, demonstrando as necessidades de instalação e de localização.

A tramitação do projeto até aqui é marcada por acusações da oposição de que, uma vez sancionada, a lei favoreceria o setor privado em detrimento do interesse público. Por outro lado, membros do governo teceram críticas públicas a pelo menos umas das sete emendas propostas, sob a alegação de que a prestação de serviços sociais no município seria prejudicada pelas mudanças.

Entre os critérios estabelecidos pelo texto - e que terão de ser observados caso o texto seja sancionado - estão a avaliação prévia do imóvel pelo município, com o objetivo de fixar o preço da locação. Os valores deverão considerar os preços praticados no mercado. Também será avaliada a compatibilidade entre as necessidades da prefeitura e as características do espaço escolhido.

"A decisão pela locação sob medida deverá ser baseada em estudos técnicos, pareceres e documentos comprobatórios que justifiquem tal opção contratual, incluindo a necessidade de se demonstrar que a utilização da locação sob medida mostra-se mais favorável economicamente do que a realização de reforma ou readequação em imóvel próprio ou alugado sob a forma convencional", determina o quinto artigo do texto encaminhado pelo executivo municipal no início deste ano.

O modelo “Built to Suit” é disciplinado no país e definido como uma "locação não residencial de imóvel urbano na qual o locador procede à previa aquisição, construção ou substancial reforma para atender às necessidades do locatário, de acordo com as diretrizes e especificidades". 

Executivo

Na última terça-feira (28), durante a inauguração da Unidade de Acolhimento Institucional (UAI) nos Barris, o prefeito ACM Neto (DEM) defendeu que o projeto ajudará a dinamizar a economia da cidade, sobretudo as regiões do centro histórico e do comércio.

"Vamos permitir que o privado, que o empresário, que o profissional liberal, que tem algum imóvel possa investir, adequar, modernizar esse imóvel. Depois, esse imóvel poderá ser utilizado pelo poder público através de aluguéis mais alongados, sem que a prefeitura tenha a necessidade de fazer um investimento inicial para comprar imóveis”, explicou.

Na ocasião, o prefeito acrescentou que o projeto permitirá que o município arque com o ônus financeiro de determinados investimentos por meio de uma estratégia semelhante à lógica das parcerias público-privadas. Defendeu a importância do município se desfazer de ativos e revertê-los em equipamentos de maior relevância para a cidade.

"Eu gosto de destacar que hoje dos dois maiores equipamentos do município - que são Hospital Municipal e o Centro de Convenções - foram, ou estão sendo construídos, inteiramente com recursos oriundos da alienação de terrenos”, ilustrou.

Em mensagem encaminhada ao presidente da Câmara Municipal de Salvador, Geraldo Júnior, em fevereiro deste ano, ACM Neto citou a desnecessidade de dispêndio imediato de recursos para aquisição e reforma de imóveis como uma das vantagens do modelo “Buit to Suit”.

De acordo com essa lógica, sem a necessidade de destinar ativos para este objetivo, a administração pública fica livre para direcionar os recursos para prestação de serviços à população. O valor da locação não poderá exceder, ao mês, 1% (um por cento) do valor de mercado do bem locado.

O projeto também define que a contratação de locações será obrigatoriamente precedida de licitação em duas ocasiões: quando as intervenções recaírem sobre bem público municipal, ou quando contemplar a prestação de serviços de gestão e manutenção predial - inclusive de equipamentos relativos ao imóvel locado. Neste segundo caso, terão de ser observados se os valores praticados são compatíveis àqueles praticados pelo mercado.

Emenda

Encaminhada a Comissão de Constituição e Justiça e Redação Final, o vereador Alexandre Aleluia (DEM), presidente da delegação, foi designado relator do projeto de lei e votou favorável à aprovação. Contudo, o democrata apontou a necessidade de propor sete emendas ao texto original. Destas, ao menos uma é alvo de críticas públicas de membros do governo. 

De acordo com o voto do relator, em 10 de abril deste ano, a segunda emenda modifica o artigo terceiro, fixando que a administração pública só poderá realizar a dispensa de licitação para locação de imóveis que tenham sido edificados até 1950 e que estejam situados no bairro do Comércio. Em sua justificativa, Aleluia afirma que o dispositivo busca estabelecer critérios mais rígidos para a dispensa de licitação, e garantir que o município priorize a recuperação e ocupação dos imóveis antigos e "em estado de ruína".

O edil também argumenta que a proposta permite direcionar a aplicação de recursos para imóveis mais antigos e representativos da arquitetura colonial da área do Comércio, "garantindo assim a função social do contrato público". Nesse contexto, o ano de 1950 fixado como uma espécie de marco por ser considerado o ano limite da mudança da arquitetura colonial para modernista no Estado.

Anteriormente, o titular da Secretaria Municipal de Promoção Social e Combate à Pobreza (Sempre), o deputado estadual licenciado Léo Prates demonstrou preocupação quanto à proposta. Para ele, ambas poderiam inviabilizar a execução de programas ligados à área de assistência social no município

Em entrevista ao BNews, o líder do governo na Câmara, Paulo Magalhães (PV), também demonstrou discordância com a emenda. "Vamos trabalhar, até pelo poder de convencimento, para que a gente possa de alguma forma mudar e que a cidade saia ganhando com esse projeto tão importante", disse no último dia 28 de maio. 

Oposição 

Ainda na Comissão de Constituição e Justiça e Redação Final, a vereadora Aladilce Souza (PCdoB) votou pela rejeição total do projeto, divergindo não apenas do relator, mas também dos demais colegas de colegiado. Os demais membros da comissão, os vereadores Suíca (PT), Duda Sanches (DEM), Alfredo Mangueira (MDB), Lorena Brandão (PSC) e Marcelle Moraes (sem partido) haviam referendado o voto de Aleluia. 

No voto em separado, a parlamentar argumentou que a proposta não atendia aos requisitos exigidos pelo Tribunal de Contas da União, afirmou que o texto não previa o dever de a administração pública demonstrar uma série de pontos por meio de estudos técnicos, pareceres e documentos comprobatórios a serem juntados em um processo de licitação. 

Desta maneira, na avaliação de Aladilce, o projeto não possui "mecanismos de controle que afastam o risco de desvio de finalidade". Em sua avaliação, nem mesmo as emendas propostas pelo relator afastariam eventuais desvios de finalidade que poderiam ocorrer. 

Após a tramitação, o texto seguiu para análise da Comissão de Finanças, Orçamento e Fiscalização. O relator Joceval Rodrigues (PPS) votou a favor do projeto, sendo seguido pelos parlamentares Cézar Leite (PSDB), Isnard Araújo (PHS), Kiki Bispo (PTB) e Sabá (PV). 

Os edis Marta Rodrigues (PT) e Sidninho (Podemos), líder da oposição na Câmara, não seguiram o entendimento do relator. Em voto separado pela reprovação, Marta defendeu que o projeto vai de encontro a Lei de Responsabilidade Fiscal, e que o modo de produção do espaço do município proposto pelo texto "não está previsto no Plano Plurianual e nas demais lei orçamentárias".

Ela concluiu que embora exista viabilidade dos contratos na modalidade "Built to Suit" na administração pública, o projeto em questão apontava para uma concepção contrária aos princípios constitucionais de "legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência". "Os critérios propostos no projeto de lei atendem às regras da liberdade de mercado, que favorecem o setor privado em detrimento do interesse público", acusou.

Neste mesmo sentido, no último dia 28 de maio, o vereador José Trindade (sem partido) apresentou um projeto de lei ironizando o “Built to Suit” ao sugerir que Salvador e Miami se tornassem cidades irmãs. No texto, o vereador sugere que a proposta é de interesse do empresariado brasileiro radicado em Miami. "Tem-se notícia de especial interesse por parte de um grande empresário brasileiro radicado em Miami em participar dos negócios pactuados de acordo com o novo modelo proposto, assim como de que tal interesse é retribuído pelo governo municipal atual", alegou na justificativa do seu projeto de lei.

Classificação Indicativa: Livre

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