Política

Pauta de costumes de Bolsonaro perde espaço e empaca no Congresso

Antonio Cruz/ Agência Brasil
Maia diz que economia será prioridade, e não há prazo para propostas saírem do papel   |   Bnews - Divulgação Antonio Cruz/ Agência Brasil

Publicado em 10/09/2019, às 08h11   Folhapress


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A expectativa criada após a vitória de Jair Bolsonaro (PSL) de que a chamada "pauta de costumes" chegaria com força no Congresso não se confirmou até agora e não deve sair do papel tão cedo.

A análise dos dez temas que estão no topo da lista de bandeiras ideológicas do presidente da República mostra, inclusive, o contrário: projetos como o da chamada Escola sem Partido e os que endurecem as proibições ao aborto, que fervilharam na legislatura passada, estão adormecidos nestes oito meses de novo governo federal.

A Folha conversou com aliados de Bolsonaro e líderes de partidos de centro e da oposição. O diagnóstico é similar. Para eles, não há chance de o pacote de projetos conservadores caminhar de forma relevante em 2019. "A prioridade é a pauta econômica e vai ser por um bom tempo até pela crise que o Brasil vive até hoje", afirma o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

"Não temos problema em pautar matérias de interesse da bancada evangélica ou da esquerda, mas isso tudo é uma construção [de apoio político]. Há uma prioridade, uma agenda muito extensa, que é a agenda econômica, de redução da desigualdade, redução de pobreza e abertura comercial no Brasil", completa Maia.

Segundo congressistas, nos anos seguintes (em 2020 há eleições municipais no segundo semestre) pode haver avanço de um ou outro tema, desde que haja uma melhora dos indicadores econômicos e um abrandamento de pontos considerados excessivamente radicais.

Até agora, há quatro fatores que explicam o fenômeno de um governo acentuadamente conservador não ter conseguido emplacar quase nenhuma de suas pautas na lista de prioridades do Congresso.

O principal é o consenso na maior parte do meio político de que a economia está em tal situação de precariedade que é imprescindível focar as reformas da Previdência (já chancelada pela Câmara e hoje no Senado) e tributária, além de outras propostas com o intuito de retomada do emprego e do crescimento.

O presidente da Câmara quer acrescentar a esse pacote econômico projetos para redução da desigualdade e combate à pobreza.

O segundo ponto de entrave à pauta de costumes é o fato de o presidente da Câmara e o seu colega de partido Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente do Senado, terem defendido posições mais ao centro.

O deputado, inclusive, recebeu apoio de parte da esquerda à sua reeleição para o comando da Câmara, em fevereiro, mediante compromisso de não dar prioridade às propostas mais radicais do pacote conservador.

"Certamente a pauta de costumes não será a prioridade. Isso não significa que a gente não possa em um ponto aqui e outro ali atender um pleito de uma bancada ou de outra para votar uma matéria", afirma Maia, que reconhece as demandas da bancada evangélica, que o apoiou na eleição ao comando da Casa.

Por fim, contribuem para esse cenário as deficiências da articulação política do Planalto, que não formou base majoritária no Congresso, e a posição da cúpula do Judiciário em defesa das minorias.

Sete meses após a vitória de Bolsonaro, um político com extenso currículo de declarações homofóbicas, o STF (Supremo Tribunal Federal) aprovou, por exemplo, a criminalização da homofobia, igualando-a ao crime de racismo.

Alguns dos principais projetos da pauta de costumes está na educação. O da Escola sem Partido dormita na Câmara em uma comissão especial desde que Bolsonaro assumiu. Em 2018, o tema inflamou embates entre direita e esquerda.

O projeto tem como pressuposto a existência de uma ideologização à esquerda patrocinada por professores nas salas de aula.

O texto, que sofre acirrada oposição no meio acadêmico, estabelece, entre outros pontos, a afixação de cartazes nas escolas com "deveres dos professores", tais como respeitar o direito dos pais de definir a adequada educação religiosa e moral de seus filhos.

Ainda nessa área, está na estaca zero a tramitação do projeto de ensino domiciliar, enviado por Bolsonaro à Câmara em abril. A proposta contraria o modelo brasileiro de ensino formal nas escolas, com obrigatoriedade de matrícula.

Um tema que também teve forte presença na legislatura passada foi a tentativa de endurecer as regras do aborto, hoje permitido nos casos de feto anencéfalo, gravidez decorrente de estupro ou que cause risco à vida da mulher.

Projetos para estabelecer na legislação que o direito à vida ocorre "desde a concepção" chegaram a ser desarquivados, mas nenhum deles avançou.

Em reação à homofobia, a bancada religiosa estuda aprovar uma legislação menos rigorosa que a definida pelo STF, mas ainda não houve consenso.

Relator da proposta de redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, o senador Marcelo Castro (MDB-PI) está há sete meses para apresentar seu parecer na Comissão de Constituição e Justiça.

"Estou analisando a conveniência e a oportunidade para apresentá-lo. O Senado está muito envolvido com as reformas da Previdência, tributária, com a indicação do Eduardo Bolsonaro para a Embaixada de Washington [ainda não formalizada pelo presidente], então é um clima de muita tensão. E redução é uma matéria muito complexa, que gera conflito e posições apaixonadas de lado a lado."

Um dos líderes da bancada evangélica –que conta com 203 dos 594 congressistas–, o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) afirma que a pauta de costumes virá à tona em algum momento.

"Tem outras prioridades agora. As mudanças tributárias são importantes para a bancada evangélica. A hora que a gente achar que é conveniente vamos pedir pra pautar", afirma.

Outro expoente da bancada, Gilberto Nascimento (PSC-SP) corrobora o discurso. "É claro que estamos com uma pauta pesada, falta espaço. Mas como evangélicos, defensores da família, para nós isso é cláusula pétrea". Sobre o melhor momento, afirma: "Não sei, não dá pra prever, o país está muito conturbado."

O colega Pastor Eurico (Patriota-PE) é mais enfático: "Quando passar essa fase aí, nossas questões virão à tona. Vamos lutar, não podemos abandonar nossas bandeiras".

Um dos líderes do Republicanos (ex-PRB, sigla vinculada à Igreja Universal do Reino de Deus), Celso Russomanno (SP), que não é evangélico, ressalta que a pauta de costumes não é defendida só pelos evangélicos, mas por uma forte bancada conservadora. "Em algum momento acho que virá à tona, mas não dá pra prever quando."

Exceção à regra neste momento, a questão das armas está sendo analisada pelo Congresso, até porque se impôs em meio ao acordo que barrou os decretos de Bolsonaro que flexibilizavam a posse e porte de armas.

O Congresso já aprovou a permissão de posse para todo o perímetro de uma propriedade rural. Nas próximas semanas a Câmara deve tratar do porte. A tendência é a de que amenize as propostas elaboradas pelo governo.

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