Política

Médico e CEO do Sírio-Libanês descreve cenário de guerra e defende restrições mais rígidas

Ricardo Matsukawa Divulgação
Chapchap afirmou, na live, que no Sírio, um dos melhores hospitais do Brasil, o número de hospitalizações atual supera em muito o pico anterior, de julho  |   Bnews - Divulgação Ricardo Matsukawa Divulgação

Publicado em 11/03/2021, às 10h40   Redação BNews


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O médico Paulo Chapchap, CEO do Hospital Sírio-Libanês, descreveu em uma live fechada para clientes do Private Banking do banco Itaú um cenário de guerra no Brasil devido à pandemia de covid-19 e defendeu a adoção imediata de medidas mais restritivas, sob pena de que, se não forem adotadas, a situação se agrave ainda mais. O evento, realizado no fim da tarde da última quarta-feira (9), era restrito, mas o relato integral vazou e passou a circular em grupos de WhatsApp. A colunista de O Globo, Vera Magalhães, entrevistou Chapchap e confirmou a veracidade do relato.  

Chapchap afirmou, na live, que no Sírio, um dos melhores hospitais do Brasil, o número de hospitalizações atual supera em muito o pico anterior, de julho. Haveria neste momento 215 pessoas internadas no hospital com covid-19, contra 135 do pior momento de julho. Foram canceladas todas as cirurgias eletivas e o hospital está recusando pedidos de transferência e internação porque não tem como atender.

"Portugal teve um pico de 18 mil pacientes infectados por dia, o que é muito pior do que o Brasil ajustado pela população. Mas tomaram as medidas e contiveram a pandemia. Medidas muito duras por seis semanas. Sabemos como lidar, mas não estamos fazendo. Não demos importância às vacinas, e agora ficamos para trás na vacinação. Temos sobra de capacidade logística e capacidade de aplicação, mas não há vacinas disponíveis agora para acelerar", afirmou o médico.

O médico e Ceo admitiu que a variante brasileira P1 já é predominante no Brasil hoje e tem uma das mutações detectadas no Reino Unido, mas apresenta outras. "É mais infectante, talvez isso explique o aumento de contágios. Mas as vacinas parecem ser eficazes contra ela. Saiu um trabalho indicando que a cepa inglesa é duas vezes mais letal. Ainda não sabemos da P1", afirmou.

Ele lamentou o fato de não ter sido adotada uma contenção da movimentação das pessoas pelo país quando a variante P1 foi detectada em Manaus. "Quando transferimos pessoas de Manaus pelo Brasil quando ela apareceu, não a contivemos no Amazonas. As pessoas viajaram em avião de carreira para ter assistência em outros locais, acelerando seu espraiamento pelo país."

"Estamos vendo jovens morrendo, simplesmente pelo fato de que há muito mais jovens contaminados", sinalizou Chapchap.

Prevenção

O médico defendeu que a medida individual mais importante a ser adotada por todas é o uso de máscara em todos os momentos em que se estiver com pessoas que não moram com você. "Essa é a medida única mais importante, diminui muito, quase a zero, a possibilidade de contágio. Eu estou nos hospitais todos os dias, mas uso máscara e não fui infectado. Convivo com meus pais, com mais de 90 anos. Uso máscara e os vejo em ambientes arejados. Não como na mesma mesa que eles e mantenho uma distância segura."

Chapchap reforçou aos clientes do Itaú que a covid-19 deixa "sequelas em todos os órgãos do organismo, embora as mais importantes sejam no pulmão". "Há sequelas cognitivas, pessoas perdem olfato e paladar. Coágulos podem gerar isquemia. A doença é grave, pode acometer todos os órgãos."

Ele alertou também para o fato de que tratamentos e medicamentos que não têm efeito comprovado geram efeitos colaterais. "Tenho paciente que precisa de transplante de fígado por ter usado de ivermectina. Está comprovado que cloroquina não tem efeito. Fujam dos médicos que preconizam isso. Remédios que ajudam não são antivirais, mas anticoagulantes e corticóides, mas no momento certo", asseverou.

O uso de invermectina e de cloroquina e a adoção em casos leves, ou até como tratamento precoce da doença, foi preconizado inúmeras vezes por Jair Bolsonaro, pelo ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. O governo federal chegou a comprar grandes quantidades de cloroquina e hidroxicloroquina, a mudar o protocolo de atendimento no SUS para prever o tratamento com esses medicamentos nos primeiros estágios da doença e a colocar o Exército para produzi-los.

"Se continuarmos fazendo o que fazemos vai piorar. Estamos perto do esgotamento do sistema de saúde. Se isso acontecer, casos de média gravidade podem levar a óbito. Podemos chegar nessa situação, seria catastrófico", reconheceu o diretor-geral do Sírio. "Se não restringirmos mais o contato entre as pessoas sem máscara em ambientes pouco ventilados, vai haver a catástrofe."

Avaliação

O médico classificou como crítica a ida a "restaurantes, bares e festas". "Restaurante é crítico porque as pessoas tiram a máscara para comer."

Chapchap defendeu que, com vacinas com eficácia na faixa de 50%, como a coronavac, a imunidade de rebanho só será atingida com 100% da população vacinável de fato imunizada. Disse ainda que a "imunidade natural", de quem já teve a doença, é mais fraca que aquela obtida a partir da vacina. "A reinfecção pode acontecer, na grande maioria dos casos por novas variantes. É fundamental se vacinar quando for possível .
As duas vacinas disponíveis conferem imunidade contra a P1, mas não sabemos ainda o grau de imunidade", afirmou.

O médico disse ainda que "a recomendação é tomar qualquer vacina assim que estiver disponível". "Tudo indica que será necessário tomar outras vacinas, assim como fazemos coma gripe."

Sobre quais medidas restritivas seriam eficazes, o diretor do Sírio defendeu que ir à praia ou ao parque, desde que não haja aglomeração, trazem risco baixo. 

Questionado sobre se seria necessário adotar lockdown, disse que não. "Não seria necessário fazer todo mundo ficar em casa. Por segurança, minha recomendação seria permitir as pessoas saírem com máscara. Praia e parques abertos. Eu fecharia restaurantes e bares e proibiria eventos sociais. Faria essas medidas por duas a três semanas. O governo deveria transferir recursos para bares e restaurantes para evitar que quebrem. O Brasil não fechou direito, e por isso teve que ficar fechado tempo demais", declarou.

Ele fez críticas indiretas a Jair Bolsonaro, sem citá-lo pelo nome. "Nossa liderança passa mensagens dúbias, isso faz com que as pessoas não adotem as medidas necessárias. Quando o presidente diz que não precisa usar máscara, muita gente segue. É sempre melhor seguir quem preconiza medidas que exigem menos sacrifício", afirmou.

Para Chapchao, é "um absurdo manter os templos funcionando". É o que tem feito, por exemplo, o governador de São Paulo, João Doria Jr., que ele também não citou nominalmente.  

"Eu preconizava deixar escola aberta, mas com uso de máscara. Mas agora tem que fechar, a situação é crítica", defendeu.

Sobre a iminência de colapso no sistema de saúde, voltou a dar exemplos do dia-a-a-dia do Sírio que evidenciam a gravidade. "Tenho 36 pacientes que pediram transferência para o Sírio e não estou atendendo. Hoje de manhã não tinha nenhuma vaga em UTI. Estamos convertendo o maior número possível de leitos, mas o sistema não aguenta um tsunami. Em nenhum lugar do mundo. Não quero ser alarmista, mas estamos perto de um colapso. Está na hora aprofundarmos as medidas. Tem que ter medidas fortes por duas a três semanas. É melhor fazer medidas duras por pouco tempo."

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