Política

Drama das vítimas do chumbo em Santo Amaro: “Políticos brincam perversamente”

Roberto Viana / Bocão News
Tragédia só aumenta. Mais de 900 pessoas já morreram por conta da contaminação  |   Bnews - Divulgação Roberto Viana / Bocão News
Adelia Felix

por Adelia Felix

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Publicado em 14/10/2013, às 12h45 - Atualizado em 15/10/2013, às 00h00


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O tempo não foi aliado para as mais de 900 pessoas que morreram por causa da contaminação por chumbo na cidade de Santo Amaro, no Recôncavo Baiano. Depois de mais de três décadas, ainda há vítimas que sofrem após contato direto ou indireto com o resíduo produzido pela Plumbum Mineração e Metalurgia Ltda, antiga Companhia Brasileira de Chumbo (COBRAC), já desativada.
No dia 28 de fevereiro deste ano, a pedido do Ministério Público Federal na Bahia (MPF-BA), a Justiça Federal determinou que a União e a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) promovessem a implantação de um Centro de Referência para tratamento de pacientes vítimas de contaminação no prazo de seis meses, com intuito de reparar os danos sofridos. No entendimento do MPF, a União e a Funasa são corresponsáveis pelos danos, já que foram omissas em relação aos problemas de saúde que acometeram 80% dos habitantes de Santo Amaro, principalmente os ex-trabalhadores da mineradora.
A Justiça determinou também que os agentes públicos comprovassem em 30 dias, a adoção de medidas iniciais para a construção do centro, entre elas alocação de recursos, instalação de estrutura de atendimento emergencial e confecção de projetos. No entanto, o prazo determinado pelo MPF-BA já findou e a construção do centro ainda não foi feita, muito menos o levantamento.
Ao Bocão News, o presidente da presidente da Associação das Vítimas da Contaminação por Chumbo, Cádmio, Mercúrio e Outros Elementos (Avicca), Adailson Pereira Moura, disse que o problema da contaminação nunca foi tratado como deveria.
"Se você me perguntar, o que foi feito por essas vítimas, desde o fechamento da fábrica, eu digo que não foi feito nada. Estão nascendo agora crianças contaminadas por chumbo. E eu pergunto: há quantos anos o município recebe verbas federais para cuidar desse povo? Não foram poucos milhões. Foram milhões e mais milhões que já vieram para essa cidade. Esse grave problema do chumbo é usado de uma forma muito perversa. Se eu te levar à casa de uma pessoa contaminada por chumbo, você não vai ver gente, mas um trapo humano", dispara.
Ainda em conversa, Pelé do Chumbo, como também é conhecido, critica o fato de todos os prefeitos da cidade não prestarem assistência a essas vitimas e a lentidão da Justiça. Ele detalha que desde 1993, ano em que a mineradora encerrou suas atividades na cidade baiana, foram abertos 1.600 processos indenizatórios por danos morais e materiais contra a companhia. Grande parte dos 1.600 processos ficou 13 anos à espera de julgamento, emperrada pelo Judiciário local, na época a cargo da juíza Maria do Carmo Tomasi. Somente após resolução do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou que as ações de caráter trabalhista fossem julgadas pela Justiça do Trabalho, é que os processos avançaram.
"Políticos brincam perversamente. Se você for procurar a Secretaria de Saúde você não vai encontrar nenhum número, mas eu levantei os dados. Foram 987 mortes, em todas as faixas etárias. Crianças estão nascendo contaminadas. Trabalhadores acionaram à Justiça que deveria trazer um alento, mas a mesma quer que as próprias pessoas reúnam provas e comprovem que estão contaminadas. E assim, foram retidos 1.500 processos. Muitas pessoas foram induzidas a fazer acordo de R$2.200. É doloroso você pegar um pobre e dizer ‘ou você recebe esses R$ 500 ou não recebe nada’. É pior que jogar na lata do lixo o que essa juíza fez".
Por meio de uma manobra jurídica, a Plumbum passou a registrar as comunicações de acidentes de trabalho pelo seu atual CNPJ, registrado em São Paulo. Entretanto, a Justiça entende que essas comunicações são de competência da Justiça Trabalhista do estado onde ocorreram os acidentes: a Bahia. Como os processos estão sendo registrados por São Paulo e os sistemas dos Tribunais Regionais não são integrados, as informações dos trabalhadores não cruzam, formando um imbróglio burocrático que apenas atrapalha e atrasa o julgamento.
"Os idosos são as principais vítimas porque trabalharam na fábrica. A empresa perversamente desligava os filtros da fábrica, e toda a cidade que estava dormindo aspirava esse pó preto, o cádmio. Isso era emanado para população de 22 horas às 6 horas. Quando você acordava, você encontrava os carros, as casas, tudo com esse pó preto. Na maioria das casas há concentração desse pó nos telhados. Eu tenho documentos que dizem que era para ter muro na fábrica e você viu que não tem. O governo foi omisso e está sendo até hoje porque não fiscaliza. Se alguém for lá, achar o cianeto, e jogar no rio, vai ser igual ao césio em Goiânia. Fiz denúncia ao Inema e eles disseram que não podem fazer nada".
Ainda segundo Pelé do Chumbo, os metais pesados farão futuras vítimas. "Todos os trabalhadores da Embasa e da prefeitura de Santo Amaro estão contaminados por chumbo porque a cidade tem escória e eles manuseiam isso sem nenhuma segurança. Já fiz diversas denúncias ao Ministério Público e a Secretaria Estadual do Meio Ambiente. Impedir eu não posso. Mas eu digo, nós temos as vítimas da Cobrac e as vítimas da prefeitura e da Embasa. Quem deveria está fiscalizando não está”.
Enquanto isso, ex-trabalhadores como Aloísio Texeira, 73 anos, que atuou por oito anos como refinador na Cobrac sofre com o descaso. "Eles alegavam que eu não tinha nada, mesmo depois da perícia. Eu refinava chumbo com máscara fuleira e depois de ver o estado que eu fiquei dizem que eu não tenho nada. Olhe os meus braços, eles não sobem. As minhas pernas doem, e para fechar as mãos é um trabalho danado. Têm vezes que eu tento levantar da cama e não consigo. O pior de tudo é a Justiça alegar que eu não tenho nada", lamenta.

A mesma situação vive Silvestre dos Santos Oliviera, 73 anos, que trabalhou por 19 anos na empresa estrangeira. Com dificuldades para enxergar e falar com nossa reportagem, ele conta como começou seu drama. “Um dia eu estava trabalhando e começou a descer sangue pelo nariz. Fui para vários hospitais e hoje estou nessa situação. Sinto muitas dores nas pernas, não consigo ficar em pé. É um sofrimento grande que a gente vive aqui. Quando fico em um estado terrível vou para Santa Casa, eles me dão uma injeção, mas volto para casa e continua  o sofrimento".


Em conversa com o Bocão News, o prefeito da cidade, Ricardo Machado (PT) disse que o a situação não passa despercebida. "O Ministério da Saúde finalmente conseguiu destravar uma série de coisas para ajudar o município. Nós vamos implantar aqui o Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST), que vai acompanhar essas vítimas da contaminação que já é uma coisa de 40 anos. Vamos ampliar os atendimentos e equipar a Santa Casa de Misericórdia com recursos que já estão garantidos. Estamos implantando seis novos Postos de Saúde da Família e também estamos inaugurando uma policlínica. Tudo isso porque houve uma discussão lá atrás, com o Ministério da Saúde, a Secretaria da Saúde do Estado (Sesab) e a Secretaria Municipal da Saúde, para poder compensar o município que por todas essas décadas nada foi feito. Estou muito esperançoso e acredito que esse ano as coisas se definam".

- Na próxima quinta-feira (17) acontece um audiência pública para discutir a situação dessas vítimas no plenário da Assembleia Legislativa (Alba). O debate na AL-BA foi proposto pelo deputado estadual Mário Negromonte Júnior (PP).

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