Política

“Com dinheiro na carteira, não se apanha de homens”

Publicado em 23/03/2011, às 18h04   Daniel Pinto


FacebookTwitterWhatsApp


A aplicabilidade da Lei Maria da Penha foi discutida, nesta quarta-feira (23), em sessão especial na Câmara Municipal de Salvador. A iniciativa foi da vereadora Tia Eron (DEM), mas teve aval da Mesa Diretora e dos demais vereadores da Casa. A grande convidada do evento foi a corregedora geral do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a ministra baiana Eliana Calmon Alves.

A solenidade foi conduzida por Tia Eron, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara, que antes de passar a palavra a ministra fez algumas considerações. “A Lei Maria da Penha foi, sem dúvida alguma, um grande avanço. Entretanto, não podemos deixar que a ela seja esfacelada. Não se pode abrandar a pena de homens que jogaram ácido em suas companheiras ou que agrediram suas mulheres com facões. Precisamos de amparo legal, mas não podemos aceitar que um agressor contumaz seja contemplado com a conversão da pena em cestas básicas”, disse a democrata.


Na mesa estavam presentes a sub-chefe da Casa Civil da prefeitura, Lisiane Guimarães, a Superintendente de Políticas para as Mulheres de Salvador, Ariane Carla, além das demais integrantes da bancada feminina do poder Legislativo municipal, as vereadoras Vânia Galvão (PT), Olívia Santana (PCdoB), Marta Rodrigues (PT), Aladilce Souza (PCdoB) e Andréa Mendonça (DEM).

A corregedora geral do CNJ fez uma longa explanação sobre o tema. Antes de abordar o mérito da lei em discussão, Eliana Calmon avaliou como a questão foi incorporada a agenda pública brasileira. “Hoje, temos a real dimensão da importância da ideia de gênero como uma política do estado. Historicamente, grupos fragilizados - aí incluem negros, mulheres, minorias sexuais e religiosas – não tinham acesso aos direitos garantidos constitucionalmente. Se todos fossem efetivamente iguais perante à lei, não eram necessários os direitos da 3ª geração”.


Em seguida, a ministra fez um retrospecto histórico da luta por direitos iguais entre os sexos e destacou a deficiência de dados seguros que dêem subsídios à políticas para as mulheres. “Todos sabem que os direitos não são conquistados se não por lutas. No caso específico vamos destacar o movimento feminino no início do século XX e as ONGs de defesa da mulher no final da década de 1980. Até os anos 90, não tínhamos nenhum dado estatístico confiável da violência contra a mulher. Não sabíamos a faixa etária delas, onde moravam e nem como eram tratadas. Tínhamos apenas informações genéricas do IBGE. Além disso, com um Código Penal retrogrado, os processos contra os agressores caminhavam lentamente para a prescrição”, observou.


Não deixe que a morte os separe - Só então Eliana Calmon começou a falar, de fato, sobre a Lei Maria da Penha. “Quando falamos desta lei, não falamos de mulheres como nós, vereadoras, juízas, magistradas... Falamos de mulheres que não têm acesso à direitos básicos, mulheres sem acesso à informação e que na grande maioria das vezes não possuem independência financeira. Essas são as mulheres mais vulneráveis e que até então estavam sem nenhum amparo legal. Porque quando se tem dinheiro na carteira, não se apanha de homens. A Lei Maria da Penha é, sobretudo, um sistema protetivo para a família brasileira".


Neste momento, ela destacou os pontos positivos e negativos da lei, que está em vigor desde 7 de agosto de 2006. “Os maiores avanços são a imposição do inquérito policial, a implicação da prisão em flagrante e da prisão preventiva, além da impossibilidade da mulher retirar a queixa. Isso era muito comum. Depois de trazer à trona a violência, ela era coagida a retirar a reclamação. Mas, agora isso só pode ser feito com autorização judicial. Entretanto, os maiores problemas são que o poder Judiciário ainda é muito lento: temos apenas 43 juizados especiais e três estados (Sergipe, Paraíba e Rondônia) não possuem essa estrutura. Ainda é deficiente a sistematização dos dados. Junte-se a isso o império da cultura machista e o silêncio das vítimas. Ainda temos o entendimento do Supremo de que o Ministério Público só pode levar a ação à Justiça, mesmo em casos de grande gravidade, se houver o consentimento da vítima. Isso é um retrocesso, é um retorno aos tempos da surra. Em 2010, mais de dois milhões de mulheres foram espancadas no Brasil. Não podemos nos calar diante disso”.


Por fim, a ministra Eliana Calmon deixou uma mensagem de esperança e otimismo. “É importante ressaltar que não queremos levar os homens agressores ao cadafalso. Pedimos que eles nos respeitem e vivam cm civilidade. Mas, em caso de reincidência, que haja a prisão. O sistema carcerário brasileiro é de 3º mundo, uma chaga nacional, mas não é por isso que vamos facilitar as coisas (...) É preciso acabar com a história de que em briga de marido e mulher ninguém mete a colher. Não deixe que a morte os separe. Não se cale! Estou certa de que esse quadro será revertido. Sou uma cidadã brasileira que acredita na força do trabalho do movimento feminista”.

Fotos: Gilberto Júnior/Bocão News

Classificação Indicativa: Livre

FacebookTwitterWhatsApp