Coronavírus

Bolsonaro não pode ser líder de facção na crise da pandemia, diz governador do ES

Agência Brasil
Renato Casagrande (PSB) diz que presidente atrapalha e 'só sabe enfrentar a crise criando outra crise'  |   Bnews - Divulgação Agência Brasil

Publicado em 01/04/2020, às 06h32   Folhapress


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Governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), 59, diz que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não pode ser líder de "facção política" e que precisa coordenar as ações de combate ao novo coronavírus para todos os brasileiros, e não apenas a seus seguidores.

Ele critica o discurso de Bolsonaro contra as medidas de isolamento tomadas por governadores e diz que isso atrapalha o trabalho dos gestores. "Isso aumenta o debate político e gera uma conflagração no enfrentamento [à pandemia] que não era para existir", diz.

Casagrande afirma ainda que é um "falso dilema" a ideia de que é preciso equilibrar medidas para fomentar a economia e conter a propagação do vírus.

"Na medida em que você incentiva a atividade econômica sem um preparo para o retorno da atividade econômica, sem respeitar o tempo de barreira desse vírus, você pode estar, no futuro muito próximo, pagando uma conta com vidas."

A entrevista foi concedida na sexta-feira (27) e atualizada com novas perguntas nesta segunda (30).

O governo federal divulgou vídeos na semana passada com uma campanha de que o Brasil não pode parar, e o presidente tem incentivado carreatas que pedem a reabertura dos comércios. De que maneira isso atrapalha as suas medidas de isolamento social no estado? Como o sr. está lidando com esses movimentos? Os movimentos são respeitados por nós. De maneira prática, atrapalha porque há mais pessoas nas ruas e uma pressão para abrir o comércio. E naturalmente um ou outro pode ser que abra, desrespeitando a decisão do estado.

Então isso atrapalha. Isso aumenta um debate político e gera uma conflagração no enfrentamento à doença que não era para existir. O presidente Bolsonaro tem de aprender a construir consensos em uma hora de crise. Ele só sabe enfrentar a crise criando outra crise.

O presidente tem estimulado a população a romper o isolamento. O sr. vai ceder a essa pressão? E no caso de comércios eventualmente reabertos, o sr. vai impor a força do estado para fechá-los? Nós não podemos pagar para ver. Na medida em que você incentiva a atividade econômica sem um preparo para o retorno da atividade econômica, sem respeitar o tempo de barreira desse vírus, do contágio, você pode estar, no futuro muito próximo, pagando uma conta com vidas.

Você pode estar caminhando em direção a perdas de vidas no Brasil com esse tipo de atitude, como aconteceu em outros países. A Itália é um exemplo. Hoje as autoridades reconhecem o erro.

Eu não vou colocar a polícia para ser violenta contra nenhum empreendedor capixaba. Mas cada empreendedor tem de ter responsabilidade com aquilo que está fazendo.

O sr. fechou escolas, comércios com exceção de restaurantes até as 16h e serviços essenciais até o dia 4 de abril. Qual o objetivo de estabelecer essas medidas agora? São três objetivos. O primeiro é o trabalho de educação, de consciência, para que as pessoas saibam que a gente vai ter de mudar o comportamento. A educação evita a disseminação e a transmissão do vírus.

Segundo: nós estamos, nesse tempo, estudando como o vírus está se comportando no estado. Em quais regiões ele está disseminando mais. Isso permitirá que em algumas regiões nós sejamos mais flexíveis.

Terceira medida é que nesse tempo, de 14 a 21 dias, a gente está contendo o tempo, barrando a disseminação do vírus para preparar leitos de UTI [unidade de terapia intensiva] e de enfermaria para suportar a onda de contágio que pode vir.

Enquanto colocava essas medidas em prática, investiu em leitos ou respiradores? Fora os leitos de UTI que temos hoje, estamos em uma programação para abrir 300 novos leitos de UTI para tratamento de coronavírus.

Não temos respiradores para todos ainda. Por isso é importante a gente barrar a velocidade da doença para que não haja de uma vez só a chegada de gente pressionando por leitos de UTI. Nosso objetivo é salvar vidas.

Faltam kits de testes no estado? A gente tem de ampliar o número de testes, nosso laboratório se preparou para isso, mas está faltando kit.

O presidente disse que os governos dos estados vão ter de pagar indenização ao trabalhador por causa das paralisações. Quem tem de pagar é o governo federal. Ele que tem a capacidade de emitir título, de aumentar déficit, o governo federal tem o poder de fazer essa indenização ao setor produtivo.

O Bolsonaro está falando para os seus seguidores, ele não está falando para a população brasileira.
Bolsonaro não tem sido um líder do Brasil, ele tem sido um líder dos seus seguidores. É diferente dessa função nobre que tem que exercer um presidente da República.

O sr. acha que ele tenta repassar aos governadores a responsabilidade por algo que deveria ser compartilhado com o governo federal? Lógico que ele está tentando fazer isso. O nosso apelo, o que eu pedi a ele e continuo pedindo, é o trabalho conjunto, uma coordenação nacional.

A questão do vírus tem efeito na economia, na saúde, na assistência social. Então é importante que as pessoas compreendam que temos de ter um governo federal e um presidente que coordene as nossas ações, que lidere as nossas ações, não que seja um líder de uma facção política.

Ele tem de ser o líder do Brasil em uma hora como essa, trabalhar com a gente. Não dá para fazer toda hora uma luta, uma guerra, uma conflagração.

O presidente escolheu a economia em detrimento da vida? Não é questão de ele ter escolhido isso ou aquilo. Este é um falso dilema. Você não tem de fazer uma escolha.

É lógico que a primeira escolha é sempre pela vida. Duvido que alguém vai escolher a economia pela vida se a sua família ou você estiver em perigo. Esse é um debate falso.

O que é verdadeiro é que todos nós deveríamos estar envolvidos em um esforço único e você tem um presidente que acaba trabalhando para dividir a população.

O diálogo com o governo se dá no âmbito dos ministros? Têm dialogado a contento? Estamos dialogando com o [Luiz Henrique] Mandetta [Saúde] , com o Tarcísio [de Freitas, da Infraestrutura], o Paulo Guedes [Economia]. Estamos conseguindo manter diálogo. Mínimo, mas estamos conseguindo manter o diálogo.

O sr. acha que o Mandetta adaptou seu discurso? Eu acho que ele adaptou o discurso, mas acho bom que ele fique. Ele tem conduzido bem [as medidas de enfrentamento], mas fez adaptação do discurso para não ficar com orientação diferente do presidente, até porque ele tinha dado toda a orientação para nós governadores do jeito que a gente tinha que se comportar.

Voltando ao presidente, o sr. falou que as medidas são irresponsáveis, na medida em que ele incita a população. Não são as medidas, são as atitudes e o discurso. Agora, as medidas na área que ajuda os estados não são suficientes, mas são boas. Ele precisa complementar.

Mas as atitudes e a postura política dele criam uma dificuldade para que a gente possa ter sucesso nas medidas de contenção do contágio do vírus.

Na medida em que ele cria dificuldade, essas medidas podem ser questionados na Justiça? Há algum crime? Não sei avaliar.

Se o presidente editar um decreto sustando as medidas dos estados, o sr. vai à Justiça? [Pergunta feita nesta segunda-feira (30)]. Não. Achamos que ele tem assumir responsabilidades.

Vocês, governadores, conversaram com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), na semana passada. Na falta do Executivo, o diálogo com o Legislativo precisa ser reforçado? Na ausência do Executivo, o Legislativo ganha um protagonismo maior. Tem sido assim agora e foi assim na [votação da reforma da] Previdência, em outros temas.

O presidente está isolado? Eu não vou dizer que esteja isolado, mas perde consistência política, e isso é ruim para ele e para o Brasil. Não podemos ter um presidente com pouco apoio.

O sr. acha que o presidente termina o mandato? Não quero apostar em coisas do futuro. Eu estou avaliando o agora. Agora ele tem de tomar cuidado porque o presidente, independentemente da sua posição política, tem que ter apoio político no Congresso e na sociedade.

Ele está perdendo apoio? Na minha avaliação, ele está perdendo.

Os panelaços são um sinal? Sim. Ele perde apoio pela forma aguerrida com que enfrenta os assuntos. Isso acaba passando a imagem de uma liderança que não consegue conviver com quem pensa diferente dele.

E o impeachment, o sr. defende levantar essa bandeira? Não me cabe como governador tratar desse assunto. Os partidos políticos é que têm autonomia para debater o tema.

Classificação Indicativa: Livre

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