Política

Gilmar e Mendonça estavam em Lisboa quando condenaram Silveira

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Nos feriados, 23 ministros de tribunais superiores foram a eventos na Europa  |   Bnews - Divulgação Divulgação

Publicado em 24/04/2022, às 11h41 - Atualizado às 11h53   Folhapress


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Os ministros Gilmar Mendes e André Mendonça votaram de forma remota na sessão do último dia 20, quando o Supremo Tribunal Federal condenou o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) a 8 anos e 9 meses de prisão por ataques verbais e ameaças a membros da corte.

Ambos estavam em Lisboa, Portugal, em seminário promovido pelo Fibe (Fórum de Integração Brasil-Europa), do qual são parceiros o IDP, instituto do qual Gilmar é sócio, e a FGV Conhecimento.

Apesar do cenário político conturbado no país e da Covid, 23 ministros de tribunais superiores, 10 desembargadores e juízes aproveitaram os feriados da Semana Santa e de Tiradentes para viajar à Europa, convidados para três eventos de instituições privadas, em Lisboa, Porto e Paris. (*)

O presidente do STF, ministro Luiz Fux, fez a abertura do "II Congresso Internacional Luso-Brasileiro de Direito de Empresa", na cidade de Porto. O ministro do STF Alexandre de Moraes fez a abertura do "Seminário Internacional França-Brasil", em Paris.

O STF forneceu dados sobre o convite a Fux, as datas de viagem, e esclareceu que "não houve nenhum gasto de dinheiro público ou pagamento de diárias e passagens". Informou ainda que "os compromissos no exterior não impediram os ministros [Gilmar Mendes e André Mendonça] de participar das sessões de forma remota". O STJ informou que "não presta informações sobre viagens de ministros, por questão de segurança". [veja no final do post].

O IDP periodicamente leva autoridades e representantes dos três Poderes para discutir, além-mar, os grandes problemas nacionais. O tema do seminário deste ano foi "Os Desafios do desenvolvimento: o futuro da Organização Estatal".

O Fórum de Integração Brasil-Europa foi criado em outubro de 2021, em Lisboa, para promover a integração cultural, econômica e social entre Brasil e Europa, especialmene com Portugal.

André Mendonça participou de mesa redonda na companhia, entre outros, de Antonio Anastasia, ministro do TCU, José Alberto Simonetti, presidente da OAB (moderador), Bruno Bianco (Advogado-Geral da União) e Wagner Rosário, ministro-chefe da Controladoria-Geral da União.

Os ministros do STJ João Otávio de Noronha e Mauro Campbell Marques compartilharam outra mesa de debates. No dia 20, Noronha participou, também de forma remota, da sessão presencial da Corte Especial do STJ. Pediu vista de um processo, afirmando que a ministra Nancy Andrighi não disponibilizara o voto-vista na véspera. O voto dela estava no sistema desde o dia anterior. Ele alegou que não conseguira acessar o voto em Lisboa.

Dias antes, Noronha estava em Paris, onde acompanhou o "I Seminário Internacional França-Brasil", sobre o tema "Desafios da Arbitragem", aberto pelo ministro Alexandre de Moraes.

Noronha dividiu mesa de debates com o colega Luís Felipe Salomão. Um dos apoiadores do evento é a revista Justiça & Cidadania, cujo conselho editorial é presidido por Salomão. O jornalista Tiago Salles, editor da publicação, representou o Instituto Justiça e Cidadania.

Na mesa, professores da universidade de Paris e a presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), Renata Gil.

PATROCÍNIO DE BANCOS E LEILOEIROS

No último dia 12, o presidente do STF, ministro Luiz Fux, fez palestra em Porto, no "II Congresso Internacional Luso Brasileiro", realizado pelo IBDE - Instituto Brasileiro de Direito da Empresa e IJLB - Instituto Jurídico Luso Brasileiro, de Portugal, presidido por Duarte Felipe Vieira.

O IBDE tem sede no Espírito Santo. É uma associação privada com o objetivo de fomentar o estudo, a pesquisa, e aprimoramento do Direito Empresarial. O presidente é o advogado Gustavo Mauro Nobre.

O congresso foi patrocinado pela Febraban, por escritórios de advocacia, empresas de leilões e empresas administradoras de benefícios. A revista Justiça & Cidadania também apoiou o encontro.

Participaram do congresso os ministros do STJ Raul Araújo, Ricardo Villas Bôas Cueva, Reynaldo Soares da Fonseca, Marcelo Ribeiro Dantas, Marco Buzzi, Sebastião Alves dos Reis Júnior, Gurgel de Faria e Paulo Dias de Moura Ribeiro, além de Sergio Ricardo, juiz auxiliar da presidência do STJ. O ministro Paulo de Tarso Sanseverino foi o coordenador científico do congresso.

Raul Araújo e Ricardo Villas Boas Cueva também estavam no seminário em Paris, junto com os ministros do STJ Antonio Carlos Ferreira e Benedito Gonçalves. Nos dois locais, Cueva tratou do tema "Inteligência Artificial".

Em Porto, Araújo falou na abertura representando os ministros presentes.

Um dos conferencistas foi o advogado Rodrigo Fux, filho do ministro Fux. Rodrigo é sócio de Leonel Pitter no Escritório Fux Advogados. Atua nas áreas de contencioso e arbitragem. Sua experiência profissional inclui passagens pelos Escritórios de Advocacia Sérgio Bermudes e Veirano Advogados. É vice-diretor do Instituto Brasileiro de Processo Civil - IBDP e integrante do corpo de árbitros do CBMA - Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem. Foi professor-assistente da Pós Graduação da Escola de Direito da FGV-Rio.

CARAVANAS ANTERIORES

Não é a primeira vez que o ministro Fux atua ao lado do filho em eventos. Em 2018, reportagem de Joelmir Tavares e José Marques, da Folha, revelou que o Conapra (Conselho Nacional de Praticagem) realizou encontro em hotel de luxo em Búzios (RJ), reunindo ministros das duas cortes superiores.

Rodrigo Fux, advogado do Conapra, palestrou no evento. Luiz Fux fez o discurso de abertura. Nove ministros do STJ participaram do seminário no resort, entre eles João Otávio de Noronha e Paulo Dias de Moura Ribeiro.

Durante o evento em Porto, o juiz Daniel Carnio Costa, membro do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), lançou o livro (em co-autoria) "Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falências".

Carnio Costa foi professor do Ibajud (Instituto Brasileiro de Insolvência). O juiz fazia constantes viagens para proferir palestras e cursos no país e no exterior.

O Ibajud promove congressos e cursos de formação e reciclagem, com o objetivo de melhorar o ambiente da recuperação judicial, da falência e da intervenção e liquidação de instituições financeiras.

Um dos conferencistas em Porto foi o procurador de Justiça de São Paulo Eronides dos Santos. Ele foi coordenador acadêmico do Ibajud. Como promotor de Justiça de Falências e Recuperação Judiciais de São Paulo, atuou nos processos de falência do Banco Santos e da Fazendas Reunidas Boi Gordo.

Em 2017, o Ibajud levou o ministro Alexandre de Moraes e o juiz Newton de Lucca, do TRF-3, para dar palestras em curso de recuperação judicial em San Diego, na Califórnia (EUA).

Na época, a atuação do Ibajud dividia opiniões no Judiciário. O instituto forma novos administradores judiciais, que substituíram os antigos síndicos de massa falida. Alguns magistrados viam o risco de uma reserva de mercado. Certificados do Ibajud, instituição privada, facilitariam a nomeação de administradores judiciais pelos juízes estaduais. Os mais críticos vislumbravam a prática de tráfico de influência e lobby.

"O Ibajud não oferece nenhum retorno de lobby aos seus patrocinadores. Todos os nossos patrocínios chegam voluntariamente por empresas e profissionais inseridos no ambiente da recuperação judicial do Brasil", disse em 2018 a advogada e empreendedora Rosely Cruz, fundadora do instituto.

MAGISTRATURA E MAGISTÉRIO

O Conselho Nacional de Justiça entende que as palestras são equivalentes ao exercício do magistério e que os magistrados podem ser remunerados.

Quando o ministro Joaquim Barbosa presidiu o CNJ, parte do colegiado pretendia proibir doações de dinheiro, passagens, hospedagens e brindes para congressos, outros eventos e turismo de magistrados. Não conseguiu. Foi aprovada uma norma estabelecendo que os eventos de magistrados poderiam receber 30% do custo total.

Joaquim Barbosa questionou, na época, a utilidade de encontros de juízes em resorts: "Magistrado não é vocacionado a ficar participando de congressos e simpósios".

"Resorts não combinam em nada com o trabalho intelectual sério". "Não vejo porque essa gana, essa sanha de participar de aprimoramento em resort. Não há aprimoramento algum", disse Barbosa.

Em 2016, o CNJ decidiu que juízes, desembargadores ou ministros de Tribunal Superior deverão publicar na internet convites para ministrar palestras, informando data, local e tema. Mas não serão obrigados a revelar o valor da remuneração, não havendo limite para o recebimento de dinheiro.

A proposta original de resolução incluía a divulgação dos valores na internet, mas "a retirada desse dispositivo foi feita a pedido do então presidente do CNJ, ministro Ricardo Lewandowski".

O ministro Lewandowski alegou que a divulgação de valores pode representar risco à segurança dos magistrados.

Em maio de 2015, reportagem da Folha revelou que a Codemig (Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais) órgão do governo de Minas Gerais, contratara os ministros Luiz Fux e Luis Felipe Salomão para palestra de uma hora sobre o novo Código de Processo Civil, oferecendo R$ 40 mil como remuneração a cada um.

Eliana Calmon, ex-corregedora nacional de Justiça, viu "superfaturamento". "Não se paga isso nem no Estado nem na iniciativa privada", disse, na ocasião.

Os ministros alegaram que a remuneração é permitida pela Loman –e que o valor previa outras cinco palestras. A assessoria de imprensa do governo informou que não haveria "outros eventos semelhantes". Fux alegou depois que decidiu "cancelar o curso programado" ao ser informado pela reportagem que o evento seria pago pelo governo do Estado.

Levantamento realizado pela Folha em 2019 revelou como eventos acadêmicos de magistrados podem disfarçar o turismo, encobrir lobbies e ser um negócio lucrativo para organizadores e patrocinadores.

OUTRO LADO

O STF (Supremo Tribunal Federal) informou, por intermédio de sua assessoria de imprensa, que o ministro Luiz Fux viajou sem assessores e auxiliares no domingo (10/04). Chegou a Porto em 11/04, fez a palestra em 12/04 e retornou a Brasília no mesmo dia.

As despesas (passagem e estadia) foram custeadas pela organização do evento, o IBDE (Instituto Brasileiro de Direito da Empresa).

A fala do ministro Fux foi de improviso e sem registro por parte da assessoria de imprensa porque não se tratou de evento do tribunal.

Em relação ao advogado Rodrigo Fux, os convites foram autônomos porque ele é mestre e doutorando em Análise Econômica do Direito e profere aulas no Brasil e exterior sobre o tema.

"Os ministros participaram de eventos acadêmicos, não vinculados ao Supremo Tribunal Federal, e não houve nenhum gasto de dinheiro público ou pagamento de diárias e passagens. Os compromissos no exterior não impediram os ministros de participar das sessões de forma remota", informou a assessoria.

O STJ (Superior Tribunal de Justiça) informou, por intermédio da assessoria da presidência, que "não presta informações sobre viagens de ministros, por questão de segurança".

O tribunal esclareceu, contudo, que "não há ônus algum para o tribunal quando os ministros da Corte são convidados para participarem de eventos, e todas as viagens ao exterior são comunicadas à Presidência do STJ, na forma do artigo 38, parágrafo único, do Regimento Interno."

(*) Quem promove e quem patrocina

"II Congresso Internacional Luso Brasileiro"

Quando: 12 a 14 de abril

Onde: no Porto Palacio Congress Hotel & Spa.

Realização: IBDE - Instituto Brasileiro de Direito da Empresa e IJLB - Instituto Jurídico Luso Brasileiro.

Apoio institucional: Revista Justiça & Cidadania; AMB - Associação dos Magistrados Brasileiros; ICFML - Instituto de Certificação e Formação de Mediadores Lusófonos; IBAJUD - Instituto Brasileiro de Insolvência; ANPME - Associação Nacional das Pequenas e Médias Empresas; OAB - São Paulo - Subseção Tatuapé

Patrocínio: Galdino & Coelho - Advogados; Anab - Associação Nacional das Administradoras de Benefícios; TWK Advogados; Márcio Guimarães - Advogados; Febraban - Federação Brasileira de Bancos; HSLAW Mubarak - Advogados Associados; APSIS Mingrone e Brandariz - Sociedade de Advogados; Matuch de Carvalho - Advogados Associados; DASA - Deneszczuk, Antonio - Sociedade de Advogados; MedArb - RB - Medation and Arbitration for Recovery and Business; TM Thais Moreira Leilões; Kincaid - Mendes Vianna Advogados e Pinho Gomes – Advogados

"I Seminário Internacional França-Brasil"

Quando: 14 e 14 de abril

Onde: Panthéon-Assas - Paris

Promoção: Instituto de Direito Comparado da Universidade Paris Panthéon-/Assas

Apoio: Instituto Justiça e Cidadania/Revista Justiça & Cidadania

"Os Desafios do Desenvolvimento: O Futuro da Regulação Estatal"

Quando: 18 a 21 de abril

Onde: Hotel Pestana Palace, Lisboa

Organização: Fibe (Fórum de Integração Brasil Europa)

Apoio: IDP, FGV Conhecimento e Organização de Estados Ibero-Americanos

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