Política

OAS fez parceria com gigante francesa para escoar propina ao MDB, dizem delatores

Divulgação/Eletronuclear
Operação relacionada à usina de Angra 3 também funcionou para subornar altos funcionários da Eletronuclear  |   Bnews - Divulgação Divulgação/Eletronuclear

Publicado em 21/02/2019, às 07h04   Folhapress


FacebookTwitterWhatsApp

A OAS fez uma parceria com uma gigante francesa do setor de energia nuclear para intermediar a propina que a multinacional europeia tinha que pagar no Brasil a políticos do MDB, segundo ex-executivos da empreiteira que assinaram acordo de delação premiada na Lava Jato.

Segundo os depoimentos de ao menos dois delatores, a operação também funcionou para subornar altos funcionários públicos da Eletronuclear, estatal responsável por operar e construir usinas termonucleares no Brasil.

Os ex-funcionários da Controladoria, nome dado ao setor responsável pelo caixa dois e os pagamentos de propina da empresa baiana, relataram cerca de 240 episódios de corrupção envolvendo a OAS. A delação premiada desses executivos foi homologada pelo Supremo Tribunal Federal.

Os delatores disseram que, em 2013, o grupo baiano montou uma empresa de logística em Viena, na Áustria, com o objetivo de auxiliar a Areva, empresa francesa do setor de energia nuclear, no pagamento de propina a políticos do MDB e funcionários públicos brasileiros ligados às obras da usina de Angra 3.

A Areva, que no ano passado foi vendida e hoje se chama Framatome, assinou, em 2013, um contrato de 1,25 bilhão de euros (R$ 5,23 bilhões) para fornecer equipamentos e serviços de engenharia, além de instrumentação digital e sistema de controle para a usina.

Até então a construção de Angra 3, iniciada no final dos anos 1980, estava parada. Em 2010, o governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) resolveu retomar as obras e, em vez de fazer novas licitações para a retomada das atividades, optou por "atualizar" os contratos feitos em 1983, no governo de João Figueiredo. A Areva ficou responsável pelo fornecimento de tecnologia da usina, como reatores nucleares.

Segundo os delatores da OAS, em Angra 3 se repetiu o esquema de divisão de propinas que era usado nos contratos feitos com a Petrobras. Do valor de cada obra era descontado 5% para pagamento de suborno. Metade ia para políticos MDB e metade para a "casa", ou seja, funcionários da estatal Eletronuclear.

Os delatores não nomearam os políticos e funcionários públicos que receberam o suborno, mas apontaram o nome de um operador do MDB que era responsável pela intermediação. A Folha não conseguiu confirmar a identidade desse operador.

Segundo os depoimentos, a companhia francesa não estava recebendo pelos serviços prestados na obra da usina justamente porque estava com dificuldades em gerar caixa dois para honrar o compromisso com os agentes públicos corruptos.

O problema da Areva, segundo os colaboradores da Lava Jato, começou a ser solucionado quando os executivos da OAS conheceram um lobista franco-argentino chamado Nuno, que dizia representar os interesses da companhia francesa.

Nuno teria relatado as dificuldades da empresa em Angra 3 e pediu para ser apresentado ao diretor responsável pela área de energia na OAS. O contato foi feito e ficou decidido que a companhia baiana criaria uma filial na Áustria exclusivamente para prestar serviços à Areva.

Em 2013, então, foi fundada a OAS Energy, que, segundo os delatores, imediatamente assinou um contrato superfaturado com a Areva para fornecimento do serviço de logística para a empresa francesa, que precisava enviar peças e reatores ao Brasil.

O contrato foi superfaturado e ultrapassou 116 milhões de euros. O serviço de entrega do material para as obras de Angra 3 foi realizado pela OAS Energy, mas, segundo os delatores, pelo menos metade do valor pago no contrato virou caixa dois para pagamento de propina.

A empreiteira recebeu esse pagamento na Europa e posteriormente doleiros que prestavam serviços à OAS foram acionados para distribuir a propina no Brasil. Os delatores dizem que os pagamentos de suborno aconteceram a partir de 2013, no governo da presidente Dilma Rousseff (PT).

Para a OAS, esse negócio era vantajoso porque, além de lucrar com a operação, a companhia baiana fazia caixa dois na Europa para pagar agentes corruptos de países africanos em que a empreiteira atuava.

A Lava Jato já havia avançado sobre ex-dirigentes da Eletronuclear. O almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, que presidiu a estatal entre 2005 e 2015, foi preso duas vezes na operação e hoje está condenado a 43 anos de prisão após ser acusado de pelos crimes de lavagem de dinheiro, embaraço a investigações, evasão de divisas, corrupção e organização criminosa.

Segundo a Procuradoria, Othon recebeu R$ 4,5 milhões em propinas por conta de contratos com as empreiteiras Andrade Gutierrez e Engevix para a construção da usina nuclear Angra 3.

OUTRO LADO
Em nota, a Framatome, novo nome da Areva, "confirma que um contrato entre a Areva NP e a OAS Energy foi firmado em outubro de 2013". "Em função da reorganização do setor nuclear francês, a maioria dos ativos da Areva NP, incluindo o referido contrato, foi transferida para a Framatome no final de dezembro de 2017. A Framatome não tem conhecimento de nenhuma investigação sobre o referido contrato", diz a mensagem.

A OAS disse que tem contribuído com as autoridades competentes e com a Justiça, prestando todos os esclarecimentos. "Entretanto, não temos conhecimento ou qualquer relação com depoimentos de ex-executivos da companhia", diz o informe.

A Eletronuclear disse, em nota, que numa investigação independente foram registrados ajustes relacionados a atos ilícitos praticados.

"Os executivos da Eletronuclear apontados na Operação Lava Jato como integrantes do esquema de corrupção na construção de Angra 3 foram imediatamente afastados da companhia e foram propostas pelo Ministério Público as respectivas ações penais para apuração de crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, que ainda se encontram em andamento" diz.

"As obras relacionadas à construção da usina foram imediatamente interrompidas, com a suspensão dos respectivos contratos", completa.

O diretório nacional do MDB não quis se manifestar.

Classificação Indicativa: Livre

FacebookTwitterWhatsApp