Política

Bolsonaro enfrenta metamorfose e adota medidas que antes condenava

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Presidente recorre a posturas que criticava no Congresso, como favorecimento a familiares   |   Bnews - Divulgação Pedro Ladeira/Folhapress

Publicado em 07/08/2019, às 06h40   Folhapress


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Em sete meses de mandato, Jair Bolsonaro (PSL) mostrou que, no exercício do mandato de presidente, sua prática divergiu do que defendeu como deputado federal, quando era crítico contumaz daqueles que o antecederam no Palácio do Planalto.

No cargo de chefe do Poder Executivo, ele passou pelo que auxiliares presidenciais chamam de uma “metamorfose”, abandonando algumas posições de caráter ideológico e adotando um comportamento mais pragmático, sobretudo no campo econômico e na articulação política.

O presidente recorreu a posturas que o parlamentar condenava, entre elas a adoção de uma idade mínima de 65 anos no regime de aposentadoria, o favorecimento a familiares, o apoio a privatizações de empresas estatais e a utilização de um política de toma lá dá cá para aprovar iniciativas do governo.

Em quase 30 anos de mandato na Câmara dos Deputados, por exemplo, Bolsonaro subiu em mais de uma oportunidade à tribuna para pedir que os filhos do ex-presidente Lula (PT) fossem investigados por terem ascendido durante a gestão do pai.

Em julho deste ano, no entanto, anunciou que indicaria um de seus filhos, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), para o prestigioso cargo de embaixador do Brasil nos EUA e afirmou, nas redes sociais, que pretende beneficiar, sim, um filho seu.

Ele cogitou indicar ainda outro filho para um cargo no governo antes mesmo de assumir o mandato, na formulação de sua equipe presidencial. Avaliou nomear o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) para a Secom (Secretaria de Comunicação Social) da Presidência, mas recuou após uma série de críticas.

Em outro episódio envolvendo familiares, Jair Bolsonaro permitiu, alegando questões de segurança, que parentes pegassem carona em helicóptero da Presidência da República para o casamento de Eduardo Bolsonaro com a psicóloga Heloísa Wolf, em maio, no Rio de Janeiro.

Na articulação política, a prática também não coincidiu com o discurso. Sob o lema da “nova política”, o presidente criticou durante a campanha eleitoral o chamado toma lá dá cá, expediente adotado junto ao Congresso Nacional para a aprovação de projetos de interesse do governo.

No primeiro turno da reforma da Previdência, no entanto, o Executivo liberou mais de R$ 1 bilhão em emendas parlamentares e, nesta terça (6), enviou projeto que abre espaço orçamentário para disponibilizar mais R$ 3 bilhões.

A chamada “nova política” também foi deixada de lado na intolerância em relação a acusações de irregularidades. O programa de governo, apresentado pelo então candidato à Justiça Eleitoral, ressaltava a garantia de uma “tolerância zero com o crime, com a corrupção e com os privilégios”.

Até o momento, contudo, Bolsonaro não afastou o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, que, como revelou a Folha, é suspeito de patrocinar esquema de candidaturas de fachada do PSL em Minas Gerais na campanha eleitoral do ano passado.

Na área econômica, o presidente chegou a defender, no passado, que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) fosse fuzilado por ter implementado uma política de concessões de empresas públicas à iniciativa privada.

“Barbaridade é privatizar, por exemplo, a Vale do Rio Doce como ele fez. É privatizar as telecomunicações. É entregar as nossas reservas petrolíferas para o capital externo”, disse em 2005.

Desde que assumiu o mandato, porém, Bolsonaro já autorizou a venda da Eletrobras e tem afirmado que vai repassar os Correios para a iniciativa privada. Ele chegou a demitir um presidente da companhia estatal depois que este se mostrou contrário à venda da empresa.

Além disso, em vídeo nas redes sociais, criticou a adoção de uma idade mínima de 65 anos para homens na reforma previdenciária proposta pelo ex-presidente Michel Temer (MDB), chamando o projeto de “porcaria”. A iniciativa dele, porém, que foi aprovada em primeiro turno neste ano, estabeleceu a mesma idade.

Eleito com um discurso antipetista, costumava acusar o PT, sobretudo na campanha eleitoral, de dividir o país. Como presidente, indica em seus discursos a prioridade de governar para os que o apoiam.

Em declaração feita em Sobradinho (BA) na segunda-feira (5), condicionou o diálogo com governadores e a liberação de recursos federais a um apoio público deles a sua gestão e disse que são os mandatários nordestinos que agem para dividir o Brasil.

“Não vou negar nada para o estado. Mas se eles [governadores] quiserem que realmente isso tudo seja atendido, eles vão ter que falar que estão trabalhando com o presidente Jair Bolsonaro”, afirmou.

A opinião do presidente sobre política externa também sofreu mudanças. Em 1999, ele elogiou em entrevista o venezuelano Hugo Chávez e disse que ele era uma esperança para a América Latina.

Hoje, ele critica o país vizinho e o regime ditatorial de Nicolás Maduro, sucessor de Chávez, e diz que o Brasil precisa evitar que a Argentina se torne uma nova Venezuela.

Na semana passada, o presidente afirmou ainda que o programa Mais Médicos não respeitava os direitos humanos, uma vez que os cubanos seriam impedidos de trazer seus familiares para o Brasil, apesar de a medida provisória que deu origem à iniciativa não ter essa proibição.

Em 2013, em discurso no plenário da Câmara, ele chegou a se posicionar contra a entrada de familiares de cubanos que participavam do Mais Médicos.

Para a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), aliada de Bolsonaro, é natural que um presidente, no exercício do mandato, mude seus pontos de vista e evolua em suas ideias. Ela ressalta que ele tem, inclusive, reconhecido que pensa diferente.

“Ele tem feito isso com humildade e isso mostra a evolução dele, como na questão da reforma previdenciária.”
As controvérsias de Jair Bolsonaro

Toma lá dá cá
Antes crítico do que chamava de “velha política”, Bolsonaro distribuiu mais de R$ 1 bilhão em emendas parlamentares antes da votação do primeiro turno da reforma previdenciária, em um contraponto ao lema eleitoral de implementar uma “nova política”

Tolerância zero
O programa de governo do presidente pregava uma política de “tolerância zero com o crime, com a corrupção e com os privilégios”. Ele, no entanto, mantém no cargo o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, suspeito de patrocinar esquema de candidaturas de fachada em Minas Gerais nas eleições do ano passado

Privatizações
Em 2005, Bolsonaro defendeu que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fosse fuzilado por causa da sua política de privatizações. Desde a campanha, contudo, promete privatizar e vender estatais. Na semana passada, autorizou a venda da Eletrobras e tem defendido entregar os Correios para a iniciativa privada

Cubanos
Na semana passada, ao lançar um programa em substituição ao Mais Médicos, Bolsonaro afirmou que a iniciativa não respeitava os direitos humanos, uma vez que os cubanos seriam impedidos de trazer seus familiares para ao Brasil —o que não condiz com a medida provisória que deu origem ao Mais Médicos. Em 2013, porém, Bolsonaro havia se posicionado contra a entrada de familiares de cubanos

Venezuela
Crítico do regime do ditador Nicolás Maduro, Bolsonaro tem afirmado que o Brasil precisa evitar que a Argentina se torne uma nova Venezuela. Em 1999, em entrevista, Bolsonaro defendeu o ex-presidente venezuelano Hugo Chávez e disse que ele era uma esperança para a América Latina. Maduro foi o vice-presidente e sucessor de Chávez, que morreu em 2013

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