Política

Sem mandato ou cargo, Alberto Fraga vira o '23º ministro' de Bolsonaro

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Amigo do presidente, o ex-deputado federal tem apoio no congresso para substituir atual ministro da Secretaria de Governo   |   Bnews - Divulgação Reprodução / TV Globo

Publicado em 10/12/2019, às 09h01   Daniel Carvalho e Gustavo Uribe; Folha


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Ao longo deste primeiro ano de mandato de Jair Bolsonaro, decisões e articulações estratégicas tiveram as digitais de um consultor informal que troca mensagens diárias e tem passe livre com o presidente.

Chamado por Bolsonaro de "ministro reserva", o ex-deputado federal Alberto Fraga (DEM-DF) atua nos bastidores das negociações políticas. Ele é uma espécie de conselheiro e interlocutor, ao viabilizar encontros, sugerir medidas e indicar nomes para cargos.

No momento em que a articulação política do Executivo é criticada pela maioria dos líderes partidários, ele se tornou, segundo assessores presidenciais, uma peça-chave para a próxima reforma ministerial. As mudanças devem ser anunciadas no início do próximo ano.

Amigo de Bolsonaro, o coronel da reserva da Polícia Militar do Distrito Federal foi apelidado no Palácio do Planalto de o "23º ministro".

O cargo informal lhe é atribuído pela ascendência sobre o presidente e por receber apoio no Congresso para que substitua o general Luiz Eduardo Ramos, que hoje está à frente da Secretaria de Governo. Cabe a Ramos a articulação com o Legislativo.

A nomeação de Fraga é avaliada pelo amigo presidente desde o fim do ano passado, ainda na transição de governo. Processos judiciais do militar, no entanto, brecaram a indicação. Hoje, Fraga responde em segunda instância a uma acusação de cobrança de propina de uma cooperativa quando era secretário de Transportes do Distrito Federal, em 2008.

A expectativa da equipe do presidente é que o caso chegue a um desfecho no primeiro trimestre do próximo ano, abrindo espaço, enfim, para a indicação.

Fraga e Bolsonaro se conheceram no começo da década de 1980, na Escola de Educação Física do Exército, no Rio de Janeiro. São desse período algumas das fotos que decoram o escritório político do coronel da reserva, na capital federal.

Foi também nesse curso que o ex-deputado federal passou a ser chamado por Bolsonaro de "pancrácio", após Fraga nocautear um oponente. O apelido, usado até hoje, refere-se a uma antiga arte marcial grega.

Desconfiado, com receio até mesmo de ser grampeado por integrantes de sua própria equipe, Bolsonaro abre uma exceção a Fraga. O militar visita o presidente com frequência no Palácio da Alvorada, sobretudo aos finais de semana, onde conversam à beira da piscina e assistem a partidas de futebol.

Pelo WhatsApp, trocam diariamente textos, áudios, fotos e vídeos, até mesmo de madrugada, quando o presidente tem insônia.

Ex-líder da bancada da bala, Fraga foi quem sugeriu e redigiu as primeiras versões dos decretos do presidente para flexibilizar a posse e o porte de armas no país. As iniciativas, no entanto, foram desidratadas pelo Congresso.

Recentemente, ele convenceu Bolsonaro a editar uma MP (medida provisória) para regularização de propriedades rurais e foi procurado para dar sugestões sobre a proposta, enviada ao Congresso, que permite a agentes de segurança atirar pra matar em operações de GLO (Garantia da Lei e da Ordem).

Fraga atuou ainda para a indicação do atual procurador-geral da República, Augusto Aras. Foi o coronel quem apresentou o então subprocurador-geral, conhecido seu de longa data, a Bolsonaro, após o presidente se queixar da dificuldade em escolher um nome.

Bolsonaro não seguiu a lista tríplice da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), quebrando uma tradição. Ao todo, Fraga levou Aras ao encontro de Bolsonaro oito vezes, muitos dos encontros fora da agenda oficial.

O afilhado de Fraga foi escolhido para o cargo apesar de críticas nas redes sociais —consideradas o calcanhar de Aquiles de Bolsonaro. Internautas apontavam Aras como petista, algo inadmissível no imaginário ideológico bolsonarista. O atual procurador-geral já citou slogan de Lula e defendeu teses da esquerda.

No Legislativo, Fraga também foi escalado para construir pontes com parlamentares proeminentes, com quem o presidente não tem familiaridade, como os senadores Simone Tebet (MDB-MS) e Omar Aziz (PSD-AM).

Com Tebet, presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), Bolsonaro tomou um café da manhã. Ele manifestou incômodo com a senadora após ela ter afirmado, durante a tramitação da reforma da Previdência, que ele ajudaria a proposta se ficasse calado.

Na manhã do encontro, Fraga chegou cerca de uma hora antes para pedir ao presidente que moderasse o vocabulário diante da senadora, evitando palavrões. Bolsonaro é conhecido por usar expressões de baixo calão em reuniões reservadas.

O ex-deputado ainda atuou como uma espécie de bombeiro após o presidente ter vetado trechos do projeto de abuso de autoridade, em setembro. Na época, o telefone de Fraga recebeu chamadas pouco amigáveis de congressistas indignados com a iniciativa.

Atualmente, o "ministro reserva" tem desempenhado a sua função mais difícil e duradoura desde o início do ano: aproximar Bolsonaro do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Desde janeiro, ambos protagonizam episódios de confronto.

Em conversas reservadas, o presidente já disse que não confia em Maia, que constantemente dispara críticas a Bolsonaro e aos responsáveis oficiais pela articulação política do governo.

Na terça-feira (3), Bolsonaro e Maia se reuniram no Alvorada. No encontro, segundo relatos feitos à Folha, o presidente da Câmara voltou a reclamar da interlocução do Planalto com o Congresso. No sábado (7), tiveram nova conversa.

"Bolsonaro segue sendo bem-intencionado, mas percebemos que o Legislativo não se entende com o Executivo. Ele não está tendo facilidade em aprovar leis", afirmou Fraga, em conversa com a Folha.

Além de ajudar o presidente na atividade política, Fraga também lhe dá suporte na área pessoal. Ele sugeriu, por exemplo, que Bolsonaro comprasse uma moto para usar em momentos de lazer em Brasília.

O presidente costuma reclamar da solidão dos fins de semana na capital federal e se queixa de que, por causa dos protocolos de segurança, vive em uma espécie de "prisão domiciliar sem tornozeleira eletrônica".

Se tivesse acatado todas as recomendações de Fraga, no entanto, provavelmente hoje Bolsonaro não seria presidente. "Eu o aconselhei a ir ao Senado, mas ele não seguiu o meu conselho", lembrou.

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