Coronavírus

Estudo mostra que Salvador recebeu pacientes com Covid-19 de 323 cidades diferentes

Rovena Rosa
Pesquisa publicada nesta segunda-feira (21) na revista britânica Scientific Reports mostra os "caminhos" da entrada do vírus no país  |   Bnews - Divulgação Rovena Rosa

Publicado em 21/06/2021, às 11h58   Luiz Felipe Fernandez


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Um estudo realizado por um grupo de cientistas brasileiros mostra que Salvador foi a terceira cidade que mais recebeu pacientes com Covid-19 de outros municípios, em um efeito chamado de "bumerangue", pelo fluxo migratório de pessoas entre a capital e o interior. 

No primeiro ano de pandemia, Salvador recebeu pessoas contaminadas com necessidade de atendimento hospitalar de outras 323 cidades. Este fator contribuiu significativamente para os dados gerais de mortes por cidade e também na ocupação dos leitos clínicos  e de UTI, uma vez que os grandes centros são procurados por pessoas que moram no interior em busca de hospitais e unidades de saúde.

Publicada nesta segunda-feira, 21, na revista britânica Scientific Reports, a pesquisa que aponta "os caminhos" de entrada do Sars-COV2 no Brasil, indica que o trânsito livre de pessoas entre as cidades por malhas rodoviária e aeroviária - já nas primeiras semanas de pandemia - e a ausência de uma política nacional de lockdown efetiva foram determinantes para o estado que o país se encontra hoje, com mais de 500 mil mortes pela doença.

No Amazonas e no Pará, destaca, muitos pacientes com o vírus eram movidos por meio de barcos e até de aviões, o que também promoveu a contaminação nessas localidades.  

A cidade de São Paulo deveria ter sido alvo de uma política de restrição ainda mais radical neste período, já que a capital foi responsável por espalhar 85% dos casos nestas três primeiras semanas, principalmente pelo fluxo no seu aeroporto internacional e também por ser o maior entroncamento rodoviário do Brasil. 

Da mesma forma, a capital paulista foi a que mais recebeu enfermos "não residentes" (464), seguida de Belo Horizonte, que recebeu 351 pacientes. Logo atrás vem Salvador, que abrigou contaminados de 323 cidades. A lista inclui ainda Goiânia (258), Recife (255) e Teresina (225).

De acordo com o neurocientista Miguel Nicolelis, pesquisador do  Departamento de Neurobiologia, Duke University Medical Center, nos EUA, um dos autores da pesquisa, o encaminhamento de pacientes de municípios do interior para os grandes centros contribuiu para o desequilíbrio nas taxas de ocupação dos leitos clínicos e de UTI em todo o país.

"Como resultado deste efeito, a distribuição espacial de mortes por COVID-19 por todo território brasileiro começou a se sobrepor à distribuição geográfica dos leitos de UTI, concentrados de forma desigual nas capitais [...] a nossa análise mostrou claramente que, se um lockdown nacional e bloqueios sanitários nas rodovias ao redor das cidades super espalhadoras brasileiras, particularmente na cidade de São Paulo, tivessem sido implementados, o impacto da COVID-19 durante a primeira onda da pandemia teria sido significativamente menor", diz o estudo, que utilizou dados obtidos pelo Departamento de Matemática Aplicada em parceria com o Instituto de Matemática e Estatística, Universidade de São Paulo, São Paulo InLoco/Incognia. 

Co-autor da pesquisa, Rafael Raimundo, que coordena o Departamento de Engenharia e Ambiente do Programa de Pós-graduação em Ecologia e Monitoramento Ambiental (PPGEMA) e o Centro de Ciência Aplicada e Educação da Universidade Federal da Paraíba, descreve que a tragédia no Brasil seria ainda maior sem a estrutura do Sistema Único de Saúde (SUS), preparada ao longo dos últimos 40 anos. De acordo com o cientista, o impacto do "efeito bumerangue" mostra a necessidade e a complexidade do atendimento em uma rede hospitalar abrangente e de "maior porte", justamente para atender "às demandas da população interiorana".

A precarização do serviço nos municípios menores, aponta Nicolelis, foi determinante para a quantidade e gravidade dos casos no país, que tem um dos piores resultados no combate à pandemia em todo o mundo. Mas, para o neurocientista, grande parte das consequências poderiam ter sido evitadas com uma ação "rápida" do "governo brasileiro".

Segundo Nicolelis, a criação de uma "comissão nacional" específica para tratar do tema, além de uma campanha publicitária que informasse sobre o vírus e o potencial da "crise sanitária", eram fundamentais para evitar a morte de milhares de brasileiros.

“Certamente, a falta de infraestrutura hospitalar adequada e de um maior número de profissionais de saúde no interior do Brasil contribuíram decisivamente para um grande número de fatalidades que deveriam e poderiam ter sido evitadas. Todavia, se o governo brasileiro tivesse reagido rápida e apropriadamente à chegada do SARSCoV-2, criando uma comissão nacional de combate à pandemia, implementando uma campanha nacional de comunicação que informasse adequadamente a população sobre a gravidade da crise sanitária, decretando o fechamento do espaço aéreo brasileiro, e realizado um lockdown nacional, com bloqueios sanitários nas estradas, no começo de março de 2020, o Brasil certamente teria evitado a perda irreparável de dezenas de milhares de vidas”, resumiu Miguel Nicolelis.

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