Salvador

Sem festa e isolada, Salvador comemora 471 anos neste domingo (29)

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Cidade é epicentro da Covid-19 no estado  |   Bnews - Divulgação Reprodução / IBGE

Publicado em 29/03/2020, às 07h00   Nilson Marinho



O momento é de resguardo. Por ela, pelos seus filhos. Neste domingo (29), quando a cidade de Salvador completa 471 anos, talvez ela não exija nada mais que cuidado de seus munícipes. Nada de festa, como já estávamos acostumados. Sem toques e abraços. Só o isolamento social e distanciamento — de 1,5 m como recomenda os infectologistas. Logo a gente que aproveita qualquer brecha para estar juntos numa farra. O momento exige e a pandemia não perdoa. Já são 114 pessoas mortas vítimas da Covid-19 no Brasil até esta manhã. Nenhum baiano.

Se a pandemia não estivesse assolando o mundo, este ano comemoraríamos mais uma primavera com a oitava edição do Festival da Cidade. Evento cancelado pelo bem de todos. A medida, inclusive, foi uma das primeiras anunciadas pelo prefeito ACM Neto no dia 13 deste mês, diante dos quatro casos da nova coronavírus registrados no estado. Todos em Feira de Santana. Àquela altura, a princesa do sertão decretava estado de emergência. 

Depois, veio o fechamento dos shoppings, academias, salas de cinema, bares, restaurantes e a interdição de seis praias, entre elas a do Porto da Barra, a faixa de areia que mais consegue resumir o espírito soteropolitano. Hoje, a capital baiana concentra 81 pessoas infectadas, de acordo com o último boletim emitido pela Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab) no final da tarde do sábado (28). A maioria dos pacientes são moradores do bairro da Pituba.

"Não cabe, não há qualquer sentido fazer uma festa como essa, relacionada à alegria, em um momento de preocupação. Faremos, ao que tudo indica, no próximo semestre", disse Neto durante uma coletiva de imprensa. O gestor se despede do Palácio Tomé de Souza neste ano.

Com as medidas cada vez mais restritivas e necessárias, diga-se de passagem, a cidade mudou de rosto. Se estivesse vivo, Castro Alves, filho do Recôncavo, mas acolhido por esta terra, vendo a capital morumbunda, encheria o peito diante da Baía de Todos-os-Santos e, tomado pela sensibilidade reservada aos poetas, declamaria, mais uma vez, um dos trechos dos seus poemas mais conhecidos: "Ó mar! por que não apagas/ Co'a esponja de tuas vagas/ De teu manto este borrão?...".

Os artistas, políticos e representantes culturais e religiosos vivos se solidarizam com a crise global. Se dependerem deles, a festa fica para depois. Mas a data não pode passar batida e deve ser lembrada do alto das sacadas e janelas. O cantor Márcio Vitor, por exemplo, afirmou ao Bnews que este é um momento de oração e, sobretudo, cuidado. Ele seria um dos artistas convidados a cantar em homenagem à cidade.

“É aqui, na minha terra natal, junto com o meu povo e toda a minha raiz, que venho aprendendo a ser quem eu sou. E sou grato por nascer neste berço rico e cheio de cultura. Sei que é uma comemoração atípica por conta dos últimos acontecimentos. Tenho certeza que vamos enfrentar isso juntos. Todas as orações e cuidados nos farão mais firmes e fortes. Parabéns minha cidade. Hoje vamos comemorar em casa para que, daqui a pouco, possamos comemorar do jeito que todos nós merecemos”, disse o cantor.

O agora administrador apostólico Dom Murilo Krieger prefere lembrar aquilo que o Papa Francisco falou na sexta-feira (27), na Praça São Pedro, no Vaticano. “Numa hora como essa pensamos: ‘Quem constrói a cidade de Salvador?’. Diante da pandemia do coronavírus, o Papa lembrou: ‘Aquelas pessoas que doam suas vidas estão escrevendo hoje o momento decisivo da nossa história. Não são pessoas famosas, são médicos e muitos outras que compreenderam que ninguém se salva sozinho’. Neste dia, somos chamados a prestar uma homenagem para aqueles que estão atrás de uma cidade tão bonita, tão rica em valores e com tantos desafios como a nossa Salvador”, comentou.

O Bnews tentou entrar em contato com a nova ialorixá do Terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, Ana de Xangô, sucessora de Mãe Stella de Oxóssi, mas, por determinação dos Orixás, ela não pode conceder entrevista até abril deste ano. Ribamar Daniel, presidente da Sociedade Cruz Santa, que administra o terreiro, por sua vez, aproveitou para parabenizar a população. “Me sinto muito à vontade como representante religioso para parabenizar a população, nossos irmãos das religiões afro, do candomblé. Por uma feliz coincidência, eu, que sou do Maranhão, cheguei aqui no dia 29 de março de 1972. Um dia enigmático”, contou.    

Aos 67 anos, Vovô do Ilê diz que nunca viu a cidade tão tristonha. Otimista, ele afirma que podemos tirar algo bom da crise. A cidade pode passar pela pandemia e se tornar mais humana, por exemplo. “O momento é diferente. Uma cidade onde nós estamos acostumados a fazer muita festa, muita celebração, muitas vezes, com o povo negro ficando à parte. Mas, neste momento, estamos todos juntos, unidos. Quero desejar que o povo baiano, negros, brancos, índios, ricos ou pobres se conscientizem. Passada esta fase, desejo que Salvador volte uma cidade melhor, menos racista”, pontuou. 

 O Presidente do Olodum, João Jorge, quis deixar uma mensagem positiva. Durante o isolamento, pessoas em coro cantaram de suas janelas a música do bloco, Faraó, lançada em 1987. As imagens ganharam as redes sociais.

“Quero parabenizá-la pelos 471 anos. Essa nossa cidade linda, maravilhosa, vitaminada. Uma cidade com vocação para ser internacional, que está passando por um momento difícil, mas todos nós temos a capacidade e perspicácia para ajudar Salvador a superar este momento. Temos que ter fé e entender que, ao menos tempo, há uma nova mudança global. Salvador, apesar de parecer uma ilha, é, também, uma cidade do mundo”, disse. 

O presidente da Assembleia Legislativa da Bahia  (ALBA), deputado Nelson Leal, apresentou moção de congratulações protocolada à Mesa Diretora pelo aniversário de fundação da capital baiana. “Daqui a três anos estaremos comemorando o bicentenário da Independência da Bahia, que teve a participação valente e destemida do povo de Salvador. São esses mesmos genes que vão fazer com que derrotemos o Covid-19. E, para vencer esta guerra, não precisaremos ir para as ruas: ao contrário, vamos vencê-la ficando em casa, praticando o isolamento social”, comentou o chefe do Legislativo estadual.

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