Saúde

Violência Obstétrica e a invisibilidade do sofrimento das vítimas na Bahia

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Uma em cada quatro mulheres já sofreu violência obstétrica no país; Bahia não tem números  |   Bnews - Divulgação Reprodução

Publicado em 24/11/2017, às 19h59   Shizue Miyazono


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Você já ouviu falar em violência obstétrica? Embora nem todas as mulheres estejam familiarizadas com o termo, muitas já foram vítimas de violência durante o pré-natal, parto, pós-parto e até em casos de abortamento. O BNews traz uma série de matérias, desta sexta-feira (24) até domingo (26), em que vai falar sobre o tema, contar relatos, identificar sinais e mostrar algumas lutas para combater a violência obstétrica.

No Brasil, uma em cada quatro mulheres já sofreu algum tipo de violência obstétrica, segundo pesquisa da Fundação Perseu Abramo. Mas, esse número pode ser muito maior, de acordo com a defensora pública Viviane Luchini, que atua do Núcleo Especializado na Defesa da Mulher da Defensoria Pública da Bahia (Nudem). "Acredito que esse número (da pesquisa) está muito menor do que acontece na realidade".

O assunto ainda é desconhecido e tão pouco discutido que não existem números que possam comprovar a quantidade de gestantes que foram vítimas de violência obstétrica na Bahia. O BNews procurou a Secretaria de Saúde do Estado (Sesab), o Ministério da Saúde, o Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia (Cremeb) e a Defensoria Pública e não existem dados que mostrem a realidade das gestantes no Estado.

A dificuldade de se obter números precisos também é por conta da complexidade de se reconhecer a condição de vítima. Os xingamentos, o jejum prolongado, impedir a presença de acompanhantes, exames de toque a todo instante são alguns exemplos de violência da qual a gestante é vítima. A própria defensora acredita que possa ter sofrido a violência obstétrica quando demorou oito horas para poder ficar com seu bebê após o parto. 


Foto: Roberto Viana

Viviane explicou que mesmo não tendo conhecimento médico sobre a necessidade de certos procedimentos, a gestante consegue detectar a violência pela forma como a situação é desenvolvida. Ela afirma que a vontade da mulher tem que ser respeitada e precisa ser avisada sobre os procedimentos médicos. "Tudo tem que ser uma escolha da mulher, quando ela é obrigada a algo, a gente entende que há violência".

"Existe um plano de parto que a mulher pode fazer com o obstetra, que pode ser registrado em cartório. O médico tem que explicar, por exemplo, porque tem que fazer uma cesariana. Se ela sentir a falta de informação, se sentir uma falta de lógica, se sentir que está sendo levada a isso, contra a sua vontade, são casos de violência. Durante o pré-natal a mulher senta com seu médico e diz: eu quero o meu parto normal, já escreve lá; não quero corte no meu perínio, não quero ser depilada ou quero ser depilada. Tudo isso vai ser construído com ela e seu médico de confiança. O que a gente encontra hoje é os médicos tentando levá-las a uma situação cômoda para eles".

Na rede pública a situação muitas vezes é pior, em relação ao tratamento, a abordagem, com a piada, a desconfiança. Para a promotora, muitas vezes a gestante já é preparada pela família para "aceitar" essas condutas violentas como algo "normal".


Foto: arquivo pessoal

Por outro lado, a ginecologista e obstetra Nádia Castro afirma que a discussão sobre a violência obstétrica é válida, mas vê uma "demonização" da classe dos obstetras. "Não é fácil ser obstetra, não é fácil ter complicações, sofrer processos. Como mãe e mulher te digo: desejo o melhor para a minha paciente".

Para evitar problemas, a médica explica que é preciso ser esclarecido que a paciente é a "dona" do seu parto, mas em uma urgência o obstetra precisa exercer a autonomia como médico, tomando as decisões que proporcionem a saúde da mãe e do bebê. "Então, é preciso o bom senso de ambos os lados".

Já a coordenadora da Câmara Técnica de Ginecologia e Obstetrícia do Cremeb, Tatiana Magalhães Aguiar, afirma que a dificuldade de conseguir números sobre a violência obstétrica é a diferença de entendimento do que seria na realidade essa violência. "O ato de violência, no nosso entendimento, seria um médico em um surto dar um murro na paciente, fazer um ato nesse sentido, algo nessa linha, não algo que está entre as nossas condutas, preconizadas mundialmente visando o bem do paciente".

Tatiana explica que o termo usado é muito pesado, que acaba dando um apelo emocional muito grande, mas afirma que a conduta médica deve ser regida, na grande maioria, por evidência cientifica. Ela contou que alguns procedimentos que são vistos como violência obstétrica, na verdade, são necessários para salvar vidas: o que salva vidas não pode ser visto como violência.

"No nosso entendimento, a violência obstétrica tem a ver com o enfraquecimento da relação médico/paciente, é a falta de diálogo entre as partes", conclui.

Vítima de violência

Vítima de violência obstétrica, a fotógrafa Carol Lube fundou o Grupo Coaracy, que apoia o parto humanizado em Salvador. O grupo funciona com reuniões quinzenais, aberto para gestantes, pais, familiares, interessados no tema e profissionais. No espaço é discutida a humanização do nascimento na rede particular e pública. Carol conta que, em 2009, foi "aconselhada" pelo seu obstetra a passar por uma cesárea em seu primeiro parto. 

"Não só me falou que eu precisava fazer uma cesárea porque o bebê era muito grande, como falou que eu não tinha pena da minha genitália quando insisti que queria parto normal. Ele virou para meu marido e falou: ela não tem pena do casamento de vocês. Ou seja, a minha violência já começou no pré-natal, não foi apenas no parto", contou Carol.


Foto: arquivo pessoal

Após ter o bebê, a fotógrafa contou que saiu com a sensação de que não viveu o parto. "A minha filha nasceu enquanto o médico contava piada, a minha filha nasceu e eu nem fui avisada de que ela estava nascendo, a minha filha nasceu e foi retirada de perto de mim, foi separada de mim durante nove horas. Eu não tinha contato com essa realidade, o que eu entendia era que se eu fosse fazer uma césarea, minha filha ia ficar comigo e eu ia viver um momento bonito. Então, quando saí da césarea, saí muito impactada. Eu achei que tinha alguma coisa estranha, comecei a estudar aquilo, conheci o movimento da humanização e comecei a entender o que tinha acontecido comigo".

Carol contou que percebeu como o médico a enganou, como o parto poderia ter sido diferente. "O meu outro filho nasceu com 4,350 kg de parto normal, em casa, sendo que minha primeira filha nasceu com 3,710 kg e ele não deixou tê-la de parto normal". Ela explicou que quando pariu o segundo filho não precisou fazer o corte e a vagina ficou perfeita, ao contrário do que tinha sido dito pelo médico durante a primeira gravidez.

Vítimas podem denunciar

As mulheres que se identificarem como vítimas de violência obstétrica podem procurar órgãos e entidades dos direitos da mulher, como o Núcleo Especializado na Defesa da Mulher da Defensoria Pública da Bahia. A defensora Viviane Luchini apontou que a vítima deve fazer a denúncia na Ouvidoria do próprio hospital e pegar o protocolo, pedir o prontuário médico e procurar a defensoria pública. Caso precise, uma ação é ajuizada para reparar o dano.

A próxima matéria da série, que vai ao ar na manhã de sábado (25), vai trazer alguns exemplos de violência obstétrica para a mulher identificar se também foi vítima.

Classificação Indicativa: Livre

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