Saúde

Pacientes com depressão podem ter caso agravado se utilizarem somente remédios

Imagem Pacientes com depressão podem ter caso agravado se utilizarem somente remédios
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 300 milhões de pessoas sofrem com a depressão no mundo e, a partir de 2020, esta será a doença mais incapacitante do planeta  |   Bnews - Divulgação

Publicado em 01/09/2019, às 05h00   Márcia Guimarães


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Setembro foi o mês escolhido em 2015 para conscientizar sobre a prevenção do suicídio. O aumento desenfreado de casos de transtornos mentais, a exemplo da depressão, tem feito com que o assunto receba cada vez mais destaque na sociedade. No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, há, em média, um caso de suicídio acontece a cada 46 minutos no país.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), em estudo de 2018, 300 milhões de pessoas sofrem com a depressão no mundo e, a partir de 2020, esta será a doença mais incapacitante do planeta. Para falar sobre o tema, o BNews convidou o especialista em Psicologia Clínica Institucional e Saúde Multiprofissional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e fundador do Consultório Anseio, o psicólogo Antônio Henrique.

BNews - O que é depressão? 
Antônio Henrique -
É preciso ter cuidado com o termo depressão. Atualmente, essa palavra é utilizada em diversas situações que não têm necessariamente a ver com uma depressão de fato. Por exemplo, em alguns momentos de tristeza após uma pessoa vivenciar o falecimento de uma pessoa querida, alguma expectativa não realizada ou notícia não agradável é comum ouvirmos alguém de fora dizer: “fulano está depressivo”. Mas tristeza é algo normal e faz parte da vida. Assim como ficamos alegres em reação a algo, ficamos tristes e também ansiosos. São estados afetivos, são normais. Dito isso, podemos falar sobre a depressão em si. Ela é predominantemente caracterizada por uma alteração na vontade e humor dentro de um tempo prolongado.

Não é apenas uma introspecção justificada por algum acontecimento. É um voltar-se para si de forma depreciativa durante uma quantidade de tempo, meses, que começa a causar estranheza. Claro que sempre comparando a como a pessoa era antes. Geralmente, pessoas próximas dizem: “Ela mudou, fulano está diferente”. Percebem uma irritabilidade, choro fácil, desesperança, apatia, ímpeto prejudicado... Nesse sentido, quem já é mais próximo tende a perceber melhor a mudança. E podem ser familiares ou amigos, colegas de trabalho.

Tecnicamente falando, chamamos de síndromes depressivas ou transtornos depressivos e são subdivididos em alguns tipos de acordo com os sinais e sintomas que são observados. No início da avaliação do paciente, é preciso fazer o diagnóstico diferencial para saber se a depressão é de causa orgânica ou não. Algumas doenças como Parkinson, AVC, início do Alzheimer, Hipo ou Hiperparatireoidismo, Déficit de vitamina B12, doenças autoimunes e outras podem causar um quadro depressivo. Por isso, é muito importante o diagnóstico diferencial. Se não for uma depressão de causa orgânica, existe uma grande probabilidade da causa ter a ver com a história de vida da pessoa. É bastante recorrente na clínica o início de uma depressão a partir de alguma situação de perda ou frustração que a pessoa não conseguiu lidar. Perda de uma expectativa, perda de trabalho, aposentadoria, divórcio ou frustrações pessoais.

BNews - Ela tem cura?
Antônio Henrique -
Na saúde mental, a palavra “cura” tem um sentido um pouco diferente. Mas, como falei anteriormente, não existe uma depressão, existem síndromes depressivas. Então, depende de qual depressão estamos falando. Em muitos casos, se houve um tratamento psicológico bem realizado com psicoterapia e psiquiatria no tratamento medicamentoso, sim, é possível existir apenas um quadro pontual na vida do paciente e depois não ter nunca mais outro quadro depressivo. 

No caso do transtorno depressivo maior recorrente, é necessário um acompanhamento por um tempo mais prolongado. O que aparece muitas vezes na clínica é um paciente que há anos faz uso de medicação e nunca fez psicoterapia, seja por falta de recursos ou de acesso na saúde pública ou por falta de orientação. Esses casos são mais difíceis, pois tendem a existir uma cronificação da doença e a probabilidade de uma remissão completa dos sintomas sem recidiva é menor. É importante deixar claro que a medicação é importante para a diminuição da intensidade dos sintomas, mas o tratamento da causa é realizado através da psicoterapia. Infelizmente, na grande parte dos casos só acontece o tratamento medicamentoso e, dessa forma, se surge outra situação na vida que exija um saber lidar com alguma perda ou frustração, o paciente tende a ter outro quadro depressivo, pois não teve o tratamento psicoterapêutico para criar recursos pessoais e poder lidar com possíveis situações futuras.

Se a depressão é diretamente ligada às emoções e a como o paciente lidou com algum acontecimento, como apenas a medicação vai dar conta disso? Há pouco tempo chegou aqui no Brasil, através de um laboratório farmacêutico, um software que é um robô no qual o paciente conversa por chat com tal robô e essa indicação faz parte da uma prescrição médica. A interação é semanal e com duração em torno de 40 minutos cada conversa. É preciso ter muito cuidado com essas “ferramentas”. O tratamento tradicional com a psicoterapia e medicação é o mais indicado, mas infelizmente muitos pacientes não fazem

BNews - Como está o número de depressivos na Bahia e no mundo? 
Antônio Henrique -
Atualmente, a depressão cresceu em todo mundo e já são 300 milhões de pessoas. O Brasil é considerado pela OMS o país com maior prevalência de depressão da América Latina. Os estados do Sul e Sudeste têm maior prevalência. E no Nordeste, a Bahia é o estado que em 2016 estava com mais casos de auxílio-doença por depressão. Diante desses dados, a depressão é um problema grave de saúde pública, pois incide diretamente também na capacidade de produção criativa de uma parcela da população. E, para além de tudo isso, os dados refletem o quanto que a sociedade atual lida com as situações de limite que a vida apresenta.

Durante algumas décadas vendeu-se, tanto teoricamente quanto comercialmente, a ideia de que o homem é ilimitado e que tudo é possível para ele. E hoje, o homem contemporâneo, quando se depara com os limites da vida, tende a não aceitar, sustentado pelo discurso de que ele pode tudo. Nesse momento, surgem as frustrações do que se esperava sobre sua própria capacidade e o que realmente tem de possibilidade diante da vida. Podemos pensar então: o que fez a sociedade deprimir? Que ideia dissonante é essa que ronda a cabeça da sociedade sobre a vida e que não está estabelecendo lastro na realidade? Dificuldades sempre existiram, mas a forma que o homem contemporâneo lida com elas está refletida nesse crescimento da depressão.

BNews - Qual a relação entre depressão e ansiedade?
Antônio Henrique -
A ansiedade é um estado afetivo normal, mas que, na sua forma exagerada, está presente em diversos transtornos mentais. Alguns autores diferenciam angústia de ansiedade e outros percebem como sinônimas. Alguns pacientes com quadros depressivos relatam um aperto no peito que é uma característica da angústia. Não é taquicardia como na síndrome do pânico, mas sim um aperto. Num certo tipo de depressão, a depressão ansiosa ou agitada, há uma diferença, pois além do aperto no peito há bastante inquietação, insônia, paciente não para quieto, dificuldade de se concentrar devido a muitas preocupações, tem medo de que algo horrível possa acontecer. Há risco maior de suicídio.

BNews - Como saber se a pessoa está com depressão?
Antônio Henrique -  
Percebendo mudanças comportamentais voltadas para tristeza por um tempo prolongado (2 meses), desânimo, apatia, falas autodepreciativas, fadiga e pessimismo. Com estas características ou algumas delas por um tempo prolongado, havendo ou não alguma situação de perda ou frustração que justifique, já é importante consultar um profissional e investigar melhor. Assim, para saber se a pessoa está com depressão, a melhor forma é realmente levando ao profissional adequado.

BNews - O que fazer após o diagnóstico?
Antônio Henrique -
Iniciar o tratamento com o psicólogo e o psiquiatra. O apoio da família e amigos é importante durante o processo. Muitas vezes são eles que percebem algo de estranho no comportamento e levam o paciente à consulta e depois ao tratamento. Muitos familiares sofrem e é importante apoiar, acolher eles para conseguirem ter um maior discernimento da situação e saber lidar melhor com outras questões que podem ser apresentadas.

BNews - Como lutar para que o depressivo não tome medidas drásticas e acabe no suicídio?
Antônio Henrique -
Manter o tratamento mesmo após uma aparente melhora; proximidade dos familiares com os profissionais; estar disposto a escutá-lo quando necessário; não achar que é falta de vontade, preguiça ou qualquer coisa do tipo; e motivá-lo a outras soluções quando possível e se houver espaço para isso. É necessário não fazer com que ele se sinta vigiado a todo momento, mas é preciso estar atento. No caso de adolescentes, é importante os pais ou responsáveis estarem atentos a grupos de chat na internet, pois, infelizmente, existem muitos que dão soluções drásticas e incentivam outros que, muitas vezes, nem pesavam em suicídio inicialmente. É preciso deixar claro que o suicídio não é apenas ato de uma pessoa com quadro de depressão, apesar de ser realizada em maior número por pessoas num quadro depressivo grave.

Classificação Indicativa: Livre

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