Saúde

Jornalista baiano que convive com doença rara relata desafios: 'andava parecendo um bêbado'

Arquivo pessoal/Xande Fateicha
Ataxia de Friedreich afeta movimento e faz diagnosticados buscarem alternativas pra manter qualidade de vida  |   Bnews - Divulgação Arquivo pessoal/Xande Fateicha

Publicado em 26/04/2023, às 05h40 - Atualizado em 27/04/2023, às 18h25   Cadastrado por Victória Valentina


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O desequilíbrio no dia a dia se confundia com embriaguez. Vez ou outra, o jornalista Alexandre Fateicha escutava questionamentos de amigos mais próximos se ele tinha bebido - fosse na faculdade ou em qualquer outro lugar. Mas, esse era só mais um sintoma de uma doença rara chamada Ataxia de Friedreich, que Alexandre descobriria tardiamente aos 25 anos.

A condição rara afeta principalmente o sistema nervoso e o coração, danificando os nervos do cérebro e da medula espinhal. Nas palavras do médico neurologista Dr. Alberto Rolim Muro Martinez, do grupo de pesquisas Neuromusculares e Neurogenéticas da Unicamp, “a ataxia é definida pela incapacidade de realizar movimentos finos, precisos e coordenados”.

Ao BNews, Xande - como gosta de ser chamado - contou que aos 14 anos, seu jeito de andar o incomodava. "Era pesado". "Fui num neurologista que investigou muitas doenças. Descobriu uma espécie de atraso na baia de mielina, responsável por levar a informação dos membros - pé e mão para o cérebro. Tomei remédio e nada mudou", relatou.

Passou por ortopedista, fez raio-x panorâmico e o profissional percebeu que seu fêmur direito tinha um centímetro a menos que o esquerdo, e acabou detectando uma escoliose. Tratou com Reeducação Postural Global (RPG) e, por mais que odiasse, sabia da importância.

No entanto, dez anos depois, aos 24, seu desequilíbrio começou a incomodar, sintoma que já era percebido nos anos anteriores. Segundo Xande, "andava parecendo um bêbado."

"Passei por uma situação emocional muito forte e teve um dia que não consegui levantar da cama, me assustei bastante e fui investigar. Antes, na minha infância e adolescência, a gente percebia de leve uns desequilíbrios. Andava sempre segurando na parede, transferia um copo com líquido de um lugar para o outro com um pouco de dificuldade, derrubava coisas, caía com mais facilidade. Mas eram situações que não chamavam tanta atenção", lembrou.

Insatisfeito e com novos sintomas aparecendo, Xande procurou, aqui em Salvador, um neurologista em 2019, que entregou um relatório contendo a palavra "parkinsionismo", e que, na época, já tremia bastante para sentar e levantar dos lugares.

Decidiu ir para São Paulo, no final deste mesmo ano, em busca de um especialista em Parkinson. Neste primeiro contato, o profissional já sabia que deveria indicar um médico especializado em ataxia.

A partir daí, o jornalista viu sua vida mudar. Fez exames clínicos de equilíbrio, de reflexo, coletou amostras de sangue enviadas para um exame no Genoma da USP, para descobrir se o diagnóstico do médico paulista estava correto. "Em fevereiro de 2020, voltei lá em São Paulo pra pegar o resultado, que veio positivo pra Ataxia de Friedreich, chorei muito", relembrou emocionado.

Foto: Arquivo pessoal/Xande Fateicha

Hoje, Xande adotou um estilo de vida mais saudável, adaptou a alimentação e começou a praticar exercícios físicos de forma mais regular. E mesmo com desequilíbrios frequentes, contou que não deixa de "curtir a vida" e que sai por aí com sua bengala como apoio para todo canto.

"Comecei a trabalhar a minha cabeça pra não surtar, além de frequentar mais as terapias integrativas, passei a inserir (até mudar) alimentos de minha rotina. Já fazia musculação desde 2017, mas era sem um propósito, continuei na musculação seis dias por semana, em 2021 comecei a fazer natação duas vezes por semana e vejo resultados positivos", relatou.

Esperança

Amália Maranhão, jornalista e coordenadora do movimento Ataxia de Friedreich Brasil, e mãe de um PCD com ataxia, explicou ao BNews que, no Brasil, cerca de 655 pessoas diagnosticadas foram identificadas pela instituição, através de um trabalho feito majoritariamente por ela.

"Quem fez esse levantamento fui eu com a ajuda de pacientes. Como é uma doença super rara, ela é subdiagnosticada, porque as escolas de medicina no Brasil não ensinam sobre as deficiências raras", disse.

Nos Estados Unidos, país onde vive, o processo de tratamento está evoluído por conta de um remédio.
"Foi aprovado pela Food and Drugs Administration (FDA), em 28 de fevereiro o primeiro medicamento para tratamento. Ele está em processo de aprovação na European Medicines Agency (EMA), na Europa, e agora a luta é para que seja licenciado no Brasil", contou a jornalista.

De acordo com Amália, para que o remédio Skyclarys - também conhecido como OMAV - chegue ao país, é preciso encontrar mais pessoas com a deficiência. "É vital achar mais pacientes para tornar o Brasil mais atrativo para a Reata Pharmaceuticals e pedir o registro para licenciamento e venda", explicou.

O filho da coordenadora do movimento, que hoje tem 47 anos, foi diagnosticado com ataxia há 10 anos. Em entrevista à TV Senado, ela relatou que ele era comandante de uma empresa aérea quando percebeu os primeiros sintomas.

"Um dos controladores de voo notou que ele andava cambaleando pelo aeroporto, comunicou a central e ele foi retirado do voo sob acusação de estar bêbado. Ele foi procurar ajuda médica, fez os testes e demorou pra conseguir. Dizia que não conseguia controlar os joelhos", relembrou.

Passou por diversas clínicas particulares em São Paulo e o diagnóstico inclusivo não vinha. Então, decidiu ir até o Hospital Sarah de Brasília, cidade onde nasceu, e recebeu o aval.

Em 2017, quando saiu o anúncio internacional para o teste experimental do remédio Skyclarys, seu filho foi o primeiro a se candidatar. "Até então, todo mundo tinha medo. Ele veio para o Centro de Pesquisa de Excelência da Filadélfia, onde fez os testes de triagem e foi aprovado. Toma o medicamento desde novembro de 2017 e teve algumas melhoras", relatou.

Para Xande, esperança é a palavra que move sua vida daqui pra frente. "Quero que o medicamento chegue a todos os diagnosticados no Brasil o quanto antes. Por mais que haja questões burocráticas para trazê-lo, vejo as coisas andando e evoluindo. Só quero uma qualidade de vida melhor", finalizou.

Classificação Indicativa: Livre

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