Saúde

Anvisa adota risco de morte como único critério para classificar agrotóxicos

Diego Herculano/Folhapress
Nova regra da agência dispensa irritação de olhos e pele e vai reclassificar agrotóxicos muito tóxicos em categorias mais baixas  |   Bnews - Divulgação Diego Herculano/Folhapress

Publicado em 23/07/2019, às 16h41   Folhapress


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A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou nesta terça-feira (23) um novo marco legal para avaliação dos riscos à saúde vinculados a agrotóxicos.

A mudança pode fazer com que agrotóxicos hoje classificados como “extremamente tóxicos” passem a ser incluídos em categorias mais baixas, como moderadamente tóxicos, pouco tóxicos ou com dano agudo improvável à saúde.

Isso porque a agência vai adotar novos critérios e usar apenas estudos de mortalidade para definir a classificação —ou seja, os casos em que uma inalação ou ingestão traz risco de morte ou outros danos graves à saúde. 

Hoje, para determinar o grau de toxicidade de um agrotóxico, o modelo em vigor leva em conta estudos de mortalidade em diferentes tipos de exposição ao produto e o resultado tido como “mais restritivo” em testes de irritação dos olhos e da pele.

Para técnicos da Anvisa, o modelo hoje adotado leva a uma classificação equivocada. “Da forma que saía a nossa classificação, ninguém sabia qual era a toxicidade correta”, afirma o gerente-geral de toxicologia, Carlos Gomes.

Segundo o gerente de avaliação de segurança toxicológica, Caio Almeida, a inclusão dos estudos de irritação dos olhos e da pele nos critérios acaba fazendo com que a maioria dos agrotóxicos no Brasil seja registrado hoje como “extremamente tóxico”.

A agência vai adotar um formato chamado de GHS (nome da sigla em inglês que indica Sistema Global de Classificação Harmonizado), padrão indicado pela ONU e adotado em 53 países, incluindo a Europa, e que serve também para outros produtos químicos. 

Por esse modelo, os dados dos testes de irritação dos olhos e da pele passam a ser considerados apenas para adoção de medidas de alerta nos rótulos e bulas aos agricultores sobre riscos à saúde.

Almeida diz que a agência analisa dados do impacto da mudança entre os cerca de 2.300 agrotóxicos registrados, mas reconhece que a medida deve fazer com que a maioria passe a classificações mais baixas.

“Estamos trabalhando esses dados. Mas de classe 1 [extremamente tóxico] seriam hoje entre 700 e 800 produtos. Com o GHS, vamos ter 200 a 300 produtos nas categorias 1 e 2”, diz ele, que estima que ao menos 500 tenham classificação alterada.

Atualmente, um agrotóxico é classificado em quatro categorias: extremamente tóxico, altamente tóxico, moderadamente tóxico e pouco tóxico.

Com as novas regras, seriam incluídas duas novas categorias de classificação, as quais visam indicar se um produto é “improvável de causar dano agudo” ou se é “não classificado” (ou seja, tem baixa toxicidade).

Apesar da redução no número de pesticidas tidos como extremamente tóxicos, técnicos da Anvisa dizem avaliar que o novo modelo é "mais restritivo" do que o atual.

Isso ocorreria porque há uma regra da agência que impede o registro de agrotóxicos considerados mais tóxicos do que outros já similares e existentes no mercado.

“Hoje posso registrar qualquer coisa com o mesmo ingrediente ativo só porque ele já está na categoria mais restritiva”, diz Almeida.

Não há informações, porém, de como ficaria a análise de novos produtos --que, em tese, também podem ser definidos como de classificação mais baixa pelo novo modelo.

Em outro ponto, a ideia é que a avaliação dos riscos, etapa que precede o registro, seja facilitada com a mudança. Hoje, para um agrotóxico possa ser comercializado no país, é preciso aval da Anvisa, do Ibama e do Ministério da Agricultura. 

De acordo com a Anvisa, com a adoção do GHS, o Brasil poderá usar como subsídio decisões de países que adotem a mesma regra para análise dos produtos. Neste caso, o que mudaria seria o padrão dos alertas de risco conforme o grau de uso do agrotóxico no país.

Alertas nos rótulos

As novas normas também preveem mudanças na rotulagem, com adoção de novos símbolos para identificar o risco ligado aos produtos.

Produtos extremamente e altamente tóxicos continuariam com faixas vermelhas no rótulo, enquanto aqueles com classificação moderada teriam faixa amarela e os demais, azul e verde.

Já o símbolo de caveira, que hoje indica que se trata de um produto tóxico, seria excluído para as duas novas categorias de risco mais baixo. Por outro lado, passaria a ser adotado também em outros espaços do rótulo, junto com outras imagens.

Neste caso, a figura seria adotada para indicar produtos das três categorias de maior toxicidade, junto com a palavra de advertência: “perigo”. Para as demais, seria adotado um ponto de exclamação, indicando alerta, e a palavra “cuidado” --para os produtos de menor risco.

Também devem ser adotadas frases de alerta --como “fatal se ingerido”, “nocivo se ingerido” e “cuidado: pode ser perigoso se ingerido” -- além de imagem que indica o produto pode causar irritação aos olhos e à pele a depender de como é manuseado. 

Para Gomes, a mudança visa voltar a chamar a atenção do agricultor aos alertas. Ele diz que a imagem da caveira tem sido "banalizada" nos últimos anos.

Após ser aprovado, o novo marco regulatório deve passar a valer a partir da publicação no Diário Oficial da União. Empresas terão um ano para adequar os rótulos ao novo modelo.

Recorde no registro de agrotóxicos

A mudança nas regras ocorre em meio a críticas sobre o aumento no registro de agrotóxicos no país, medida que tem ganhado apoio da gestão de Jair Bolsonaro (PSL).

Somente neste ano, até o dia 22 de junho, 262 agrotóxicos ganharam esse aval, necessário para que o produto possa ser vendido no mercado e utilizado pelos produtores. É o maior número para o período desde 2005. Os dados são do Ministério da Agricultura.

Responsável pela área de agrotóxicos, o diretor Renato Porto nega que a mudança tenha relação com as demandas do atual governo ou de indústrias que atuam no setor. Nos últimos anos, houve três consultas públicas sobre o tema, em 2011, 2015 e 2018. A mudança, porém, não havia sido definida.

“Às vezes parece que é política, que é momento. Não é. Conseguimos agora amadurecimento oportuno para colocar essas normas em pauta”,afirma ele, que lembra que a regra atual do país é de 1992. “Estamos atrasados nessa regulamentação.”

Segundo ele, a medida ajudar o Brasil a coletar informações sobre agrotóxicos. “Isso nos ajuda também em comparações internacionais, como verificar produtos condenados em outros países que precisam ser reavaliados aqui.”

A mudança, porém, também indica uma resposta da Anvisa às críticas de que possuiria agrotóxicos mais tóxicos do que em outros países —daí a defesa por adotar padrão semelhante a outros locais, como a Europa.

A medida também ocorre em um contexto em que a Anvisa tem se posicionado, durante a reavaliação do risco de alguns agrotóxicos, a favor da manutenção de produtos como o glifosato, o que divide membros do setor e especialistas da área da saúde. Neste caso, a posição do órgão foi de reforçar medidas de alerta ou de uso de equipamentos de segurança, sem retirar o produto do mercado.

Especialistas, porém, alertam que parte expressiva dos casos de intoxicações por agrotóxicos tem sido atrelada à falta de entendimento dos rótulos e bulas, problema que pode estar relacionado à baixa escolaridade dos trabalhadores.

Questionada, a Anvisa diz que vai avaliar junto ao Ministério da Agricultura a possibilidade de treinamento para informar aos agricultores sobre as novas normas.

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