Polícia

"Lembre-se da minha voz pedindo que você parasse", afirma adolescente que teria sido estuprada por Uber

Adolescente de 17 anos escreveu um texto e enviou para o BNews  |  Diego Vieira/BNews

Publicado em 14/11/2017, às 18h20   Diego Vieira/BNews   Redação BNews

A adolescente de 17 anos que afirma ter sido estuprada por um policial militar durante uma corrida pelo aplicativo Uber, na noite do último dia 25, escreveu um texto de desabafo onde conta como se sente após o ataque, fala sobre o dia em que teria sido violentada e manda um recado para  o homem que acusa de tê-la estuprado. 

O BNews teve acesso exclusivo ao texto da adolescente em que ela diz que muitas vezes pensou que se não tivesse pedido o Uber naquele dia, nada teria acontecido, mas ela se deu conta que outra pessoa teria sido vítima do motorista e que "ninguém merece essa dor".

Leia a carta na íntegra:

Enquanto crescemos, nos ensinam a ter cuidado para não ser estuprada, mas com o tempo percebemos que nenhuma proteção é o suficiente. E não é. Comigo não foi.    
                                    
É difícil dormir sem ter pesadelos. É difícil sair sem achar que algo ruim pode acontecer de novo. É difícil falar sobre isso. Sobre como minha vida ficou arruinada após uma solicitação do Uber para casa.                                                                      

O pedido da minha corrida foi do condomínio do meu namorado em Sussuarana para a minha casa, aqui na Suburbana. Saindo do condomínio, ele me ofereceu uma bala, e eu rejeitei brincando “que estava evitando diabetes”, ele riu. 

Sempre fui de prestar atenção à rota do meu caminho para casa, mas nesse dia não me importei tanto, fiquei mexendo no celular e quando me dei de conta, já estávamos em uma rota totalmente diferente da que eu sempre pego para voltar do condomínio para a minha casa. 

Perguntei por que ele estava indo no caminho oposto, e ele não respondeu e continuou seguindo, foi aí que eu comecei a sentir medo, pedir para quê ele parasse o carro, e ele começava a rir, ria o tempo todo. No momento, parecia que minha mente tinha parado, eu não conseguia pensar e nem fazer nada. Em seguida, ele entrou em uma rua escura, na qual ele parou o carro, sacou um estilete e pediu o meu celular. Eu estava com tanto medo, estava tão nervosa e no momento não conseguia lembrar a senha do meu celular, só conseguia chorar. 

Percebi que ele tinha se irritado com a minha demora, e foi aí que ele começou a cortar meu braço com o estilete, e quanto mais eu começava a gritar, ele me cortava. Ele só parou, quando eu conseguir desbloquear o celular. No início, pensei que ele fosse me assaltar. Mas depois que ele tinha conseguido mexer no meu celular, ele veio pra cima de mim, e me agarrou. E pedia para que eu tirasse a minha saia. Eu implorava para ele que não. Tentei reagir, dando chutes, quando ele começou suspender a minha saia, mas eu sabia que não tinha como entrar em uma luta com ele. Ou eu não parava, ou ele me matava.

Ele conseguiu me violentar, e ao mesmo tempo em que ele fazia, ao mesmo tempo ele passava o estilete sobre minhas pernas. Eu pedia pra ele parar, pedia o tempo todo…eu implorava e ele só sabia rir.

A cada minuto, cada segundo, era horrível, era assustador. Eu só pensava que ele ia me matar. E então, naquele momento, tinha acabado. Ele retornou com o carro, fingiu que nada tinha acontecido, cobrou a corrida, e perguntou se eu tinha gostado da viagem.  

Eu estava completamente sozinha, fisicamente incapaz de me defender, e ele me escolheu. Às vezes eu penso que se eu não tivesse solicitado aquele Uber, nada disso teria acontecido. Só que então eu me dei conta, teria acontecido, só que com outra pessoa. Ninguém merece sentir essa dor.

Não queria que ninguém soubesse o que tinha acontecido, e o quão destruída eu me sinto. De repente você acorda e lê nos jornais "Adolescente de 17 anos estuprada por motorista de Uber" Onde as pessoas descobrem os detalhes gráficos do meu próprio ataque sexual.                                

Quando me disseram que eu deveria estar preparada para o caso de perdermos, eu disse que não tinha como me preparar para isso. Ele era culpado desde o momento em que eu entrei naquele carro. Ninguém pode me convencer a deixar para trás a dor que ele me causou.

Em vez de usar o tempo para me curar, eu gasto meu tempo tentando me lembrar de todos os mínimos detalhes daquela noite para me preparar para as perguntas do júri, que vão ser invasivas, agressivas e preparadas para me desequilibrar, e me fazer entrar em contradição.                      

Hoje, ele se faz de vítima e nega tudo na mídia. Mas, ele sabe, ele sabe o que fez comigo. Ele sabe o quanto eu implorei pra que ele não tivesse tocado em mim. Sofrimento não é um estranho para mim, você me fez o conhecer bem. Você me tornou uma vítima. 

Eu sou um ser humano que foi irreversivelmente machucado, minha vida está parada, os meus estudos estão parados. Esperando para decidir se eu valho alguma coisa.

Minha alegria natural, gentileza e o estilo de vida estável que eu tinha foram distorcidos além do reconhecimento. O isolamento em alguns momentos é insuportável. Você também não pode me dar de volta à vida que eu tinha antes daquela noite. Enquanto você se preocupa com sua reputação destruída, eu me preocupo em dormir e ver o seu rosto nos meus pesadelos. Onde eu sou tocada sem poder fazer nada.

Como sei que você assistiu minha entrevista, espero que também leia isso. Você e seu advogado merecem cair no mesmo inferno. Espero que nem hoje, nem nunca, você possa dormir em paz. Lembre-se da minha voz pedindo que você parasse. Espero que isso lhe tire o sono.

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