Política

Comissão Nacional da Verdade vê falta de cooperação dos americanos

Advogada Rosa Cardoso diz lamentar que EUA não tenham repassado ao órgão documento da CIA sobre prática de tortura  |  

Publicado em 12/05/2018, às 07h22      Folhapress

Ex-coordenadora da CNV (Comissão Nacional da Verdade), a advogada Rosa Cardoso lamentou que o órgão não tenha recebido do governo dos EUA o memorando produzido em 1974 pela CIA, a agência de inteligência dos EUA, que implicou três ex-presidentes da ditadura militar (Emílio Médici, Ernesto Geisel e João Figueiredo) em uma política de execuções sumárias de adversários do governo.

"Faltou cooperação nesse ponto", disse a advogada, para quem o documento não muda as conclusões principais da comissão, mas representa uma importante confirmação.

Rosa ressaltou que o relatório final da CNV, entregue em dezembro de 2014, responsabilizou os agentes públicos do alto escalão da ditadura, incluindo os três generais.

Vinculada à Presidência da República, a CNV funcionou de 2012 a 2014 com o objetivo de investigar graves violações aos direitos humanos ocorridas no Brasil de 1946 a 1988.

A surpresa dos membros da CNV com a localização do documento na internet, feita pelo professor da FGV Matias Spektor, colunista da Folha, é maior porque houve um esforço da comissão em obter documentos inéditos nos EUA, que incluiu o envolvimento pessoal da então presidente, Dilma Rousseff (2011-2016).

Durante uma viagem aos EUA em junho de 2015, Dilma pediu ao presidente Barack Obama (2009-2017) que liberasse documentos de interesse dos historiadores sobre o regime militar brasileiro.

A resposta ocorreu um mês depois, com a entrega no Brasil de um acervo de 538 conjuntos de documentos. Embora a CNV já estivesse encerrada, os papéis foram anexados ao acervo da comissão e enviados ao Arquivo Nacional. 

No ano anterior, os EUA haviam feito outras duas remessas, com um total de 156 documentos, em resposta a uma carta enviada a Obama pela CNV.

Datada de agosto de 2012, a carta foi assinada pelo então coordenador da CNV, o ex-ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Gilson Dipp, e encaminhada aos EUA pelo então chanceler brasileiro, Antonio Patriota.

A carta pedia a Obama "apoio e consideração" no sentido de determinar ao governo a autorização de acesso a registros relevantes em poder de setores diversos, como a CIA, o Departamento de Estado e o FBI. A CNV queria acesso a "documentos que possam jogar luz sobre a repressão e a violência policial que ocorreram no Brasil".

"Considerando documentações dos EUA anteriormente desclassificadas sobre o Brasil e a pesquisa em papéis ainda sigilosos, nós acreditamos que os arquivos dos EUA são ricos em registros relativos a violações de direitos humanos que podem ser altamente relevantes para nossa investigação", escreveu a CNV na carta.

A comissão enviou junto com a carta um apêndice com nomes de figuras de proa do período militar, incluindo Médici, Geisel e Figueiredo, que mereceriam uma pesquisa nos arquivos americanos. "Nossa esperança é que esse apêndice possa ajudar as agências governamentais dos EUA a pesquisar, localizar, revisar e liberar registros relevantes sobre o Brasil", diz a carta.

Em carta enviada ao Itamaraty nesta sexta-feira (11), o filho do jornalista Vladimir Herzog (1937-1975), assassinado sob tortura durante a ditadura, Ivo Herzog, pediu ao ministro Aloysio Nunes que solicite ao governo norte-americano "a liberação completa dos registros realizados pela CIA que documentam a participação de agentes do Estado brasileiro em operações para torturar ou assassinar cidadãos brasileiros" durante a ditadura militar.

Procurada, a assessoria da Embaixada dos EUA não foi localizada pela Folha no início da noite desta sexta.

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