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Petróleo: uma questão estratégica para o Brasil na OCDE

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Bnews - Divulgação

Publicado em 04/09/2019, às 07h00   Claudiane de Jesus e André Garcez Ghirardi


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Nos primeiros meses de 2019, o governo brasileiro intensificou esforços para ingressar como membro pleno da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Conhecida como “o clube dos países ricos”, a OCDE tem como objetivo declarado promover o alinhamento dos interesses comuns em política econômica entre Europa, EUA, e aliados a partir da expansão do comércio mundial. Os princípios da organização estão contidos na Convenção que constituiu a OCDE. A partir do grupo original de 19 países, tendo como núcleo os EUA e a Europa Ocidental, a OCDE expandiu-se gradualmente e hoje conta com 36 países membros, de todos os continentes. Como parte desse movimento expansionista, pautado pelas mudanças mais recentes na dinâmica econômica mundial, o Conselho da OCDE criou a categoria de “países parceiros”, em maio de 2007. Nessa condição especial de “país parceiro” estão atualmente: Brasil, China, Índia, Indonésia e África do Sul.

A proposta do atual governo brasileiro para ingressar na OCDE dá continuidade ao movimento de aproximação entre o Brasil e a OCDE, que ocorreu a partir da reestruturação produtiva da década de 1990, marcada pela abertura comercial, e privatização das principais atividades de serviço público, que ofereceram excelentes oportunidades de negócios para empresas do núcleo econômico da OCDE, notadamente nas telecomunicações, distribuição de energia elétrica, e intermediação financeira, entre outros. O movimento de aproximação perdeu força durante a gestão Lula (2003-2010), e voltou a ser prioridade na gestão Temer, que em 2017 encaminhou o pedido formal de ingresso do Brasil na organização.

A adesão à OCDE é controvertida. Há quem entenda como passo necessário para aproximar o Brasil dos países centrais, aumentar o fluxo de investimento direto externo e a promover a integração do país às grandes correntes de comércio internacional. Há quem veja esse movimento como desnecessário e potencialmente prejudicial ao interesse brasileiro, pois o ingresso na OCDE se dará a custo da perda da posição de liderança que o Brasil ocupa entre os países em desenvolvimento na OMC, e também no G-77 das Nações Unidas. A despeito da controvérsia, as negociações estão avançadas, e há expectativa de que o ingresso do Brasil na OCDE seja concluído num horizonte de três a cinco anos.

O eventual ingresso na OCDE tem implicações específicas para a gestão do setor petróleo no Brasil. Essa conexão se dá através da Agência Internacional de Energia (AIE). Embora seja uma instituição internacional autônoma, a AIE funciona, na prática, como parte da OCDE. Assim, ao mesmo tempo em que colabora com a OCDE para tornar-se membro pleno, o Brasil também intensificou sua colaboração com a AIE. A AIE é uma agência criada em 1974 por tratado internacional, e que tem como principal função gerir um sistema emergencial de suprimento de petróleo para os países membros da OCDE. A AIE foi criada logo após os países árabes exportadores de petróleo suspenderem o fornecimento para os EUA, Grã-Bretanha, Canadá, e Japão. Esse embargo do suprimento de petróleo foi feito em retaliação ao apoio dado a Israel pelos EUA e aliados durante a guerra árabe-israelense em outubro de 1973, causando grande transtorno para a vida nesses países. Para evitar situações semelhantes no futuro, criou-se a AIE através de um acordo internacional entre países da OCDE. O acordo criou também o Sistema Emergencial de Compartilhamento de petróleo. A principal finalidade da AIE é a gestão desse sistema emergencial para o compartilhamento de petróleo entre os países associados em situações críticas. A condição de membro pleno da AIE é exclusiva para os países membros da OCDE, mas a inclusão não é automática. Todos os integrantes da AIE pertencem à OCDE, mas o fato de pertencer à OCDE não garante filiação automática à AIE. Por exemplo, Chile, Islândia, Israel, e Eslovênia pertencem à OCDE, mas não são filiados à AIE.

Da mesma forma como foi promovido a “Parceiro-Chave” na OCDE em 2007, o Brasil passou à condição de “País Associado” na AIE em 2017. O movimento de maior aproximação do Brasil com a AIE é paralelo à relação do país com a OCDE. Tornou-se mais intenso às vésperas do anúncio da descoberta do pré-sal em 2007, cresceu gradualmente com o desenvolvimento das reservas do pré-sal, e ganhou destaque em 2013, quando o Brasil foi escolhido como tema central da avaliação anual de mercado feita pela agência. Os recursos e o perfil de uso final de energia no Brasil receberam tratamento detalhado em quatro capítulos do relatório anual da agência sobre as perspectivas do mercado de energia (World Energy Outlook).

Na condição de país associado da AIE, o Brasil passa a colaborar em três aspectos da segurança: sistemas de resposta para suprimento de emergência de petróleo; manutenção de reservas emergenciais de petróleo e derivados; e exercícios periódicos para avaliar o nível de prontidão para emergências. Colabora também com fornecimento detalhado de dados e discussão de suas políticas nacionais de energia, e participa regularmente de diversos comitês, grupos de trabalho, inclusive o Grupo Permanente para Emergências (Standing Group for Emergency Questions).

Em sua avaliação mais recente do país, a AIE confirma a expectativa de que o Brasil vá se tornar um grande fornecedor de petróleo, pois estima que as exportações de petróleo do Brasil superem um milhão de barris de petróleo por dia em 2022.

Ao que tudo indica, o Brasil caminha para ser formalmente incorporado como membro pleno da OCDE e da AIE. Isso implicará em obrigações e, supostamente, em vantagens. As obrigações são facilmente identificáveis: a gestão dos estoques estratégicos de petróleo e derivados, as cargas de petróleo em trânsito, e mesmo algumas decisões de produção estarão sujeitas às determinações do Comitê Executivo da AIE, caso ocorra um evento de interrupção de fornecimento em grande escala no mercado mundial. Caso ocorra interrupção grave da disponibilidade de petróleo, é plausível imaginar situações de conflito de interesse entre  o cumprimento dos contratos de fornecimento das companhias petroleiras dos países da OCDE [por exemplo, a Petrobras, e outras empresas que operem no Brasil], e as empresas dos países sem qualquer relação com a AIE [por exemplo os países da OPEP], devido às determinações dos mecanismos de coordenação da Agência. Nessa situação o governo brasileiro teria espaço limitado para ação autônoma. As vantagens são menos claras. Tendo construído sua industrialização na condição vulnerável de importador de petróleo, o Brasil hoje é auto-suficiente e não corre risco de embargo de suprimento por fornecedores externos. Objetivamente, o Brasil não precisa do mecanismo de emergência da AIE para garantir o suprimento de petróleo do mercado interno. Salvo algum ataque deliberado às instalações produtoras brasileiras. Restariam eventuais vantagens intangíveis, sem aparente valor real sob as condições hoje vigentes.


André Garcez Ghirardi - Pesquisador do Núcleo de Estudos Conjunturais da Universidade Federal da Bahia Professor (NEC/UFBA).  Mestre em Technology and Policy pelo Massachusetts Institute of Technology. Doutor pelo Energy and Resources Program da University of California Berkeley (1983). Mestre em Technology and Policy pelo Massachusetts Institute of Technology. Professor da Faculdade de Economia  da UFBA.

Claudiane de Jesus - Graduanda em Economia e pesquisadora do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC), da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

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