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O Rei está nu: a Lava Jato é um partido político

Imagem O Rei está nu: a Lava Jato é um partido político
Bnews - Divulgação

Publicado em 27/03/2019, às 08h52   Luiz Filgueiras


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A Operação Lava Jato da Polícia Federal, em andamento desde 2014, vem concentrando suas investigações em ações criminosas ocorridas no âmbito da Petrobrás: um grande esquema de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo grandes empreiteiras do país e políticos profissionais. No entanto, com o passar do tempo, e depois de uma série de procedimentos e operações ilegais, tendo à frente a Justiça Federal e o Ministério Pulico Federal (ambos no Paraná) – convenientemente tolerados pelas forças políticas que promoveram e executaram o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (inclusive o Supremo Tribunal Federal) -, transformou-se em uma instituição político-partidária, dando a seus agentes um protagonismo político autônomo no cenário brasileiro.

Da justificativa do uso de medidas de exceção não amparadas na Constituição - conduções coercitivas antes de qualquer intimação judicial do cidadão, prisões preventivas “perpétuas” e injustificáveis juridicamente, o uso do instrumento de delações premiadas dirigidas e induzidas para confirmação de “convicções” prévias e, no limite, condenações sem provas materiais, apenas alicerçadas em delações colhidas de presos em situação precária, de pressão e intimidação –, tudo com o argumento de que se tratava de uma situação excepcional, a Lava Jato e seus agentes avançaram para interferir diretamente no processo político em momentos decisivos. Até, por fim, transformar o seu maior símbolo (Sérgio Moro) em Ministro da Justiça do Governo Bolsonaro, cuja vitória eleitoral resultou diretamente de suas ações - em especial a condenação e prisão do ex-presidente Lula. Além disso, o atual comportamento passivo e moroso do ex-juiz e do Ministério Público, com relação à existência de ligações íntimas entre a família Bolsonaro e as milícias criminosas do Rio de Janeiro, é escandaloso - apesar das inúmeras e fortes evidências já conhecidas.

O timing político de suas operações ficou claro desde o início. Assim foi com a prisão de Eduardo Cunha, efetuada apenas depois de ter-se concluído o processo de impeachment no qual ele foi peça-chave; do mesmo modo com a escuta ilegal, e posterior vazamento para a mídia, da conversa entre Lula e Dilma, que inviabilizou a nomeação do ex-presidente para ocupar um ministério numa hora então crucial do embate político que levou ao Golpe de 2016; e também com a divulgação de uma denúncia “requentada” - que já havia sido descartada anteriormente pelo próprio Ministério Público - contra o candidato à Presidência da República, Fernando Haddad, às vésperas das eleições. E isto apenas para citar exemplos mais notórios.

Hoje não há mais dúvidas, para os que acompanham e/ou participam do processo político brasileiro, de que a Lava Jato passou a se constituir em um partido político, naquilo que este conceito tem de essencial: uma organização com interesses próprios, que almeja o poder e que representa/expressa o sentimento, o pensamento e as aspirações de alguma classe social ou fração de classe existente na sociedade. No caso particular, a simbiose entre esse partido e o segmento neofascista da classe média (portanto, nem toda classe média) é evidente - assim como o seu uso oportunista pelo grande capital nacional e internacional.

Como um filme velho, o seu ideário e sentimentos são conhecidos historicamente: a corrupção como o mal fundador, permanente e principal da sociedade brasileira; a hipócrita descrença com a política e os políticos, utilizando-se de um discurso falsamente apolítico; a defesa da meritocracia como álibi para justificar privilégios e a inaceitável desigualdade da riqueza e da renda entre as classes e a interdição das políticas sociais; a entrega das riquezas do país e de suas empresas públicas ao capital estrangeiro supostamente incorruptível (o “complexo de vira-lata”); a aceitação do autoritarismo e de todo tipo de hierarquia como algo natural, com base na necessidade da “lei e da ordem”; o incômodo e mal-estar com o protagonismo político de pobres, negros, homossexuais e mulheres feministas; o uso político-ideológico das religiões para justificar o conservadorismo cultural e moral e, até mesmo, a ignorância científica. Estes são alguns dos valores e sentimentos que movem o segmento neofascista da classe média, que se projeta e se expressa através da Lava Jato - convenientemente manipulados pelo grande capital corporativo e financeiro.

Nas últimas semanas, o caráter político-partidário do que deveria ser apenas uma força-tarefa para investigar crimes no âmbito da Petrobrás tornou-se, de uma vez por todas, transparente. Não bastassem as arbitrariedades jurídicas e a seletividade política cometidas nos processos de investigação e apuração, bem como a influência decisiva sobre o impeachment de Dilma e a eleição de Bolsonaro, a “República de Curitiba” resolveu se autonomizar de vez do Estado. Fez um acordo com o governo dos EUA, no qual a Petrobrás na condição de ré foi penalizada com uma multa no valor de R$ 2,5 bilhões, cuja metade seria destinada a uma fundação privada dirigida e controlada pelo Ministério Público do Paraná - apesar da retórica de que seria gerida por representantes da sociedade civil. Portanto, um procedimento duplamente corrupto: uma tentativa de completa autonomização frente ao Estado e uma apropriação privada de recursos públicos. É o fim do Direito: paradoxalmente, usa-se da corrupção para combater a corrupção!

 E, agora, com a prisão preventiva (ao arrepio da lei) de Michel Temer e Moreira Franco, alvos de denúncias há 40 anos, e “cachorros-mortos” que cumpriram o trabalho sujo do impeachment e viabilizaram alguns dos objetivos fundamentais do Golpe - o desmonte da cadeia produtiva do petróleo, a desestruturação/desidratação da Petrobrás e a entrega do pré-sal às corporações multinacionais, a famigerada reforma trabalhista etc. -, o Partido da Lava Jato tenta retomar o protagonismo depois de sofrer uma série de derrotas no STF e no Congresso Nacional: com a iniciativa da Fundação sustada, a solicitação de transferir crimes conexos aos eleitorais do STE para Curitiba negada e o pacote de Sérgio Moro sobre “segurança” colocado em “banho-maria” pelo Congresso.

É mais uma iniciativa para se afirmar como um poder autônomo e retomar o protagonismo, desafiando o STF e o Poder Legislativo, além de nova ação para interferir politicamente, qual seja: constranger o STF a não derrubar (no dia 10 de abril) a possibilidade, hoje prevalecente, da prisão após condenação em 2ª instância (que beneficiaria, entre outros, a Lula). Espera com essas prisões açular as milícias digitais e os sentimentos moralistas e “justiceiros” do segmento neofacista da classe média, no sentido de pressionarem o STF e o Congresso. A Lava Jato e seus agentes, tal como na estória de Frankenstein, tornaram-se monstros que fugiram ao controle de seus criadores; por isso, vão aos poucos perdendo apoio na sociedade, com a ampliação do reconhecimento da necessidade das Instituições da República e do povo brasileiro darem um basta a esse desvario.

Luiz Filgueiras  - Professor Titular da Faculdade de Economia da UFBA e Doutor em Teoria Econômica pela UNICAMP

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