Justiça

O Lado Sombrio da Criatura 

Imagem O Lado Sombrio da Criatura 
Bnews - Divulgação

Publicado em 01/07/2019, às 19h07   Marcelo Junqueira Ayres Filho


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O Ministério Público, a partir da Constituição de 1988, revestiu-se de elevado poder. Com autonomia para trabalhar, independência financeira e institucional, além de abertura do campo de atuação, a instituição ganhou força e cresceu de tamanho e de importância. No entanto, o que se verifica, em alguns casos, é a desvirtuação e utilização desse poder de forma política e seletiva, o que é lamentável.

O Ministro Sepúlveda Pertence, que integrou a Comissão Provisória de Estudos Constitucionais (1988), mais conhecida como Comissão dos Notáveis ou Comissão Afonso Arinos, foi o principal responsável pela proposta de fortalecimento institucional do Ministério Público.

Posteriormente, verificando as consequências desse poder, Sepúlveda foi uma das primeiras autoridades a criticar a configuração do Ministério Público depois da Constituição de 1988. “Não sou o Golbery, mas também criei um monstro”, disse ele sobre o MP, em março de 1989, ao então presidente da República José Sarney, o que é repetido reiteradas vezes por ele, inclusive em palestra recente que tive a honra de assistir.

As recentes divulgações realizadas pelo site Intercept, apenas servem para revelar, na prática, aquilo que já se sabia: a utilização política do órgão Estatal por alguns de seus membros. 

O combate à corrupção deve sempre existir, toda a sociedade é favorável ao endurecimento contra crimes de colarinho branco, e punição dos envolvidos.  Quanto a isso não há controvérsia.

No entanto, o que não se admite e não se tolera em um Estado Democrático de Direito, que tem como pilar normativo fundamental a mesma Constituição Federal de 1988 que concedeu poder ao MP, é que este órgão ignore princípios fundamentais insertos na Carta Magna e seja utilizado para perseguições pessoais e políticas.  

As divulgações seletivas de áudios de ex-presidentes, que ocorreram durante a operação Lava Jato, comprovam por si só esse intuito, revelando, mais do que a parcialidade do juiz, uma atuação conjunta desse com o MP, com passos combinados para atingir objetivos.

Com o fim de escamotear as motivações políticas por detrás das ações do MP, buscou-se investigação contra crimes prescritos do ex-presidente Fernando Henrique, na tentativa de demonstrar que todos, independentemente de ligações partidárias, estavam sob a mira do Parquet, apenas para “passar um recado de imparcialidade”, o que, evidentemente, jamais ocorreu neste caso... 

Ainda mais alarmante foram as conversas divulgadas que denunciam a perseguição realizada contra Senador baiano, tendo o membro do Ministério Público solicitado uma “BA” - Busca e Apreensão - na residência do petista “por questão simbólica”, evidenciando, mais uma vez, a motivação política das ações.

É importante salientar que atos desse jaez, com elevada repercussão na mídia, ao invés de cumprirem previsões legais, só desmoralizam e condenam o cidadão a eles submetido, antes mesmo de existir qualquer processo, pelo que deveria a investigação ser revestida de elevada cautela e sigilo.

No entanto, como revelado, o intuito era justamente a reverberação midiática de fatos, ou “factóides”, que interessavam para abalar a disputa presidencial que ocorria naquele momento. 

Tais fatos revelados, uma vez comprovados, não podem ficar impune, sem que se esqueça da punição dos responsáveis pela obtenção ilegal das mensagens divulgadas.  

O combate a corrupção deve existir e devemos sim fortalecer as instituições para o bom combate. No entanto, não podemos perder de vista o devido processo legal, presunção da inocência, e a inviolabilidade da honra, imagem e proteção da dignidade da pessoa humana como premissas básicas, irrenunciáveis e inegociáveis. 

Quando isso se perde, e os investigados são selecionados por critérios pessoais e políticos, expostos e perseguidos, significa que realmente “um monstro foi criado” e a criatura está a devorar o seu criador, no caso a Constituição Federal de 1988.   

Agora, por ironia do destino, Procuradores e ex-juiz é que estão sendo expostos, tendo sua intimidade violada com seus diálogos vazados, cujo teor, se confirmado, revelam o lado sombrio do monstro criado em 1988.   

*Marcelo Junqueira Ayres Filho, advogado, ex-juiz Titular do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia.

Classificação Indicativa: Livre

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