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"Fui vasculhado, revirado", diz Paulo Maracajá

Imagem "Fui vasculhado, revirado", diz Paulo Maracajá
Presidente eleito do TCM rompe o silêncio e fala com exclusividade ao Bocão News  |   Bnews - Divulgação

Publicado em 22/02/2011, às 00h00   Jota Júnior


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Durante dois anos, o silêncio amargou a boca do atual presidente eleito do Tribunal de Contas dos Municípios (TCM), Paulo Maracajá. Nesta segunda-feira (21), depois de ser conduzido ao topo da corte, resolveu retirar a mordaça imposta por ele mesmo, desde que virou vidraça por conta do que classifica, hoje, de campanha difamatória deflagrada pelos inimigos colecionados ao longo do tempo.

Escolheu o Bocão News para romper o isolamento verbal em uma entrevista exclusiva. Mas, as pedras atiradas contra ele nos últimos dois anos o deixaram menos parecido com aquele cartola do Bahia que, de 1973 a 1994, era capaz de defender sua posição sem se esconder. Mesmo que o contragolpe arranhasse para sempre sua imagem e o deixasse com a pecha de sujeito truculento, ardiloso.

No alto de seus 67 anos a ser completados em 26 de março, Maracajá tem certeza que está longe, ou melhor, a anos-luz de ser uma unanimidade. Mas, também ter certeza de que, assim como as ondas más chegam, elas também dão lugar às boas. É tanto que conseguiu ser eleito para a presidência do TCM, dois anos depois de ter retirado a candidatura devido a denúncias no Ministério Público estadual.

Em sua sala no tribunal, situado no CAB, Maracajá conversou sobre quase tudo, bem humorado pela vitória do Bahia sobre o rival. Na pauta, projetos para sua gestão, João Henrique, política, Antonio Carlos Magalhães, desafetos e, claro, futebol. Inicialmente, contido, lendo papeletas. Depois, o velho Maracajá de sempre, mas um pouco menos mordaz e pronto para a briga, como já foi um dia.   



O senhor foi eleito recentemente para a presidência do TCM, cargo que tentou em 2008, mas acabou retirando a candidatura. Agora que assumiu, quais serão suas primeiras diretrizes à frente do tribunal?

Já no estou no TCM desde junho de 1994, quando renunciei à presidência do Bahia. Ocupei aqui diversos cargos. Fui presidente da Primeira Câmara, da Segunda Câmara, cada um por dois anos, e fui vice-presidente por quatro anos. Conheço em grande parte o funcionamento do tribunal. Existem algumas coisas que penso em realizar há algum tempo. Uma delas é a modernização administrativa, para agilizar as ações relacionadas ao Promoex (Programa Nacional de Modernização do Controle Externo) e ao Siga (Programa Integrado de Gestão e Auditoria). O Siga vai permitir destravar os gargalos existentes, na medida em que ele permitirá a oferta de informações em tempo real, bem como a atuação da Corte em menor lapso de tempo. Também, vamos fazer treinamento e aperfeiçoamento do corpo técnico da casa, reconhecendo que o TCM possui quadro de pessoal qualificado e enxuto, mas que é indispensável existir capacitação permanente, em face da nova realidade do Siga e seus desdobramentos, e considerando também a evolução legislativa. Vamos fazer o estreitamento dos laços com os Ministérios Públicos estadual e federal, que são necessários ao bom desenvolvimento do tribunal. Agora, para isso, temos que ter um bom relacionamento com as autoridades políticas, tanto estaduais, quanto federais e municipais.  

Mas, por que o que o senhor chama de estreitamento de laços é importante? Isso não pode ser mal interpretado devido ao caráter do TCM, que é um órgão de caráter fiscalizador e punitivo das autoridades?

Se por exemplo há uma denúncia feita por vocês, do Bocão News, contra uma prefeitura tal, sobre a existência de um caso de corrupção, eu quero mandar um técnico do tribunal in loco, e não ter que esperar. Quero agilizar, modernizar. Qualquer denúncia, desde que tenha identificação, que tenha RG e CPF, eu tenho obrigação de apurar e não deixar em branco. Por isso, é importante a aproximação, o estreitamento de laços, por que eles representam a população. Com isso, espero aproximar também o TCM da sociedade, para que ela saiba que o tribunal julga as contas das 417 prefeituras e Câmaras de Vereadores da Bahia.

Além dos órgãos da estrutura dos municípios...

Isso. Alguns desses municípios possuem suas caixas de previdência, suas “embasas” (em muitas cidades, o sistema de abastecimento é municipalizado), suas fundações. E isso é importante que se saiba. Veja o caso da capital do estado! Houve uma repercussão muito grande em relação à reprovação das contas do maior município da Bahia, que é Salvador. É necessário ter muita responsabilidade para enfrentar todos esses problemas que têm.

O que o senhor acha da percepção que sociedade tem ao ver tantos casos de corrupção sem que existam punidos de fato?

 Olhe, cada um cumpre as funções de acordo com suas atribuições. O tribunal pune o gestor, por exemplo, determinado o pagamento de uma multa, o ressarcimento de dinheiro ou rejeitando as contas. Mas isso tem que ser acompanhado pelo Ministério Público estadual e também pela Justiça. Nós enviamos tudo que achamos que há ilicitude grande ao Ministério Público da Bahia, que é um órgão bastante eficiente. Os promotores ajuízam (ações) contra esse município, e aí vai a Justiça. Quem pune, no sentido que você quer dizer, não somos nós. Nós punimos de outra forma. Veja o caso de João Henrique (prefeito de Salvador). Rejeitamos as contas dele, determinamos o pagamento de multa. Esse parecer vai para a Câmara de Vereadores. Se a Câmara não concordar com nosso parecer, derruba.

Mas a multa permanece?

(enfático) Não! A Câmara de Vereadores pode derrubar nosso parecer na íntegra, inclusive a multa. Nós somos órgão orientador, preventivo e punitivo, mas não nesse sentido. Sei o que você está pensando, como eu também estou: “Poxa, tem tantos casos de corrupção, mas quem é que está na cadeia?”. Isso se conta a dedos. A obrigação nossa, a gente tem que fazer. Já houve casos em que, dos 417 municípios, muitos mais de 100 com contas rejeitadas. Mas isso vai para a Câmara, que derruba o parecer do tribunal. Nós temos mais de duas centenas de casos que mandamos para o Ministério Público, que está atuando, mas são ações que vão para a Justiça. Ela é eficiente, mas não dá conta de tudo isso. O caso da Lei da Ficha Limpa é um exemplo. Um administrador, ou vereador, que tiver as contas rejeitadas, fica inelegível por oito anos, não pode ser candidato. Mas isso ocorre se ele não derrubar na Câmara e na Justiça.

Uma coisa que chamou a atenção na reprovação das contas da prefeitura de Salvador é que, na história, nunca houve tal punição do TCM em relação ao prefeito da capital. Já houve aprovação com ressalvas. Uma das explicações é a de que o tribunal também é uma casa política. O caso tem relação com alguma mudança na postura do tribunal?

De jeito nenhum! Eu fui deputado estadual, Otto Alencar (vice-governador e ex-conselheiro do TCM) também exerceu vários mandatos. Mas hoje o tribunal tem muitos outros conselheiros que não foram deputados: Francisco Neto, Plínio Carneiro Filho, José Alfredo, Paolo Marconi, Fernando Vita. Então, não há influência política. As contas foram rejeitadas por outros motivos. A capacidade de endividamento da prefeitura foi muito grande. O prefeito se endividou, fez gastos excessivos com publicidade. Mas João Henrique, por causa de erros contábeis, está pedindo a reconsideração do parecer. E Plínio Carneiro Filho, que é o relator, está analisando o pedido com todo corpo técnico e há possibilidade de reconsideração. A decisão nunca é política aqui é técnica. Desde que estou aqui, não vi esse tipo de coisa acontecer. Também não quero dizer que houve no passado.  O julgamento é baseado nas análises de auditores e técnicos, já vem tudo pronto e baseado na lei. Se há determinação para que se aplique um percentual em educação, isso tem que ser obedecido. A Lei de Responsabilidade manda rejeitar as contas.

Fora do ambiente das análises contábeis, onde o tribunal pode contribuir na gestão dos municípios?

De maneira preventiva. Estou pensando em conversar com o prefeito de Camaçari, Luiz Caetano, que é presidente da União dos Municípios da Bahia (UPB), para nós fazermos uma parceria, em que nossos técnicos capacitem os novos gestores. Em 2012, serão disputadas 417 prefeituras e câmaras, com a possibilidade de que muito grande de que surjam novos nomes. Mas uma pessoa pode se eleger pelo seu carisma, sem que tenha nenhum conhecimento técnico. O que podemos fazer? Reuni-los para dizer o que pode e o que não pode.

Então, há um nível de amadorismo muito grande por parte de quem comanda as prefeituras?

 Nas grandes cidades, não. Mas, nos pequenos, a maioria das pessoas ganha eleições por causa de sua popularidade, não têm o conhecimento necessário, não estudou. O que acontece hoje é que a lei é bastante severa. Tem que mostrar a esse cara o que pode ou não.

Onde os prefeitos mais erram hoje?

Licitações feitas de forma erradas, pagamentos fracionados de despesa. Muita gente não sabe que tem que cumprir os percentuais de aplicação de recursos dos fundos de educação, que não se pode deixar restos a pagar. Há casos em que não é nem roubo, má fé, é falta de conhecimento mesmo.

E no caso do TCM, quem julga as contas?

É a Assembleia Legislativa.


Você foi indicado ao tribunal por Antonio Carlos Magalhães. Já houve problemas por causa disso?

Não. Inclusive tive coragem de, após Antonio Carlos Magalhães ter morrido (em 2007), propor uma sessão especial para ele aqui, quando veio toda a família. Na hora do discurso, assumi publicamente que fui indicado por ele e que isso me honrava muito, mas que o fato não atrapalhava minha lisura. Atendo aqui de Geddel Vieira Lima (ex-ministro da Integração Nacional) à senadora Lídice da Mata. Para mim, não vejo partido. Minha bandeira é a branca.

Em 2008, você já era dado como nome certo na presidência do TCM, mas retirou a candidatura por conta de uma ação movida pelo Ministério Público (os promotores de Justiça investigavam uma denúncia de que Maracajá era conselheiro do tribunal, mas também era o verdadeiro presidente do Bahia, o que é vedado no estatuto da corte). Como o senhor teve que lidar com as acusações?

O Ministério Público ajuizou uma ação contra mim, por achar que eu era presidente de fato do Bahia. Na realidade, houve um equívoco. Eu ajudava Petrônio Barradas (ex-presidente do clube de 2005 a 2008) naquilo que eu podia. A ação foi extinta (mostra os documentos). Ao mesmo tempo, foram notadas movimentações atípicas na minha conta bancária. O que foi isso: na época, o Bahia não tinha dinheiro para nada. Eu emprestava meu cartão de crédito, pegava dinheiro no banco para emprestar ao Bahia, depois o clube me pagava. Isso sem que eu cobrasse nada de juros, que fique claro. Eu abri o sigilo de todas as minhas contas bancárias. O resultado disso é esta certidão, da Procuradoria Geral da República, atestando que não existe nada contra mim. Mas, como havia esse problema na época, eu retirei minha candidatura à presidência do TCM. Mesmo sabendo que iria ganhar, preferi não entrar na disputa, para evitar que o tribunal ficasse sob os holofotes.

O senhor é um homem que fez amigos e inimigos ao longo de sua trajetória como político e presidente do Bahia. Em sua opinião, os problemas judiciais têm origem nas inimizades?

Claro que sim, sem dúvida. Isso tudo foi objeto de denúncia da oposição à direção do Bahia contra mim. Eles (Maracajá não diz o nome dos opositores) me denunciaram em todos os lugares possíveis e imagináveis. Receita, Polícia Federal, tudo! Pediram para que as denúncias fossem apuradas e isso aconteceu. Eu fui vasculhado, revirado. Até panfleto anônimo distribuíram contra mim. E as ações acabaram arquivadas sem restrições.

Teve um certo gostinho a sensação de que os seus inimigos perderam a batalha?

Imagine você fazer uma matéria, com todo trabalho, levantando informações com cuidado... Aí vem um cara e diz que você está recebendo dinheiro para isso, lhe caluniando. Depois, é provado que você falou a verdade. Isso dá uma sensação de justiça, mesmo que todo tempo se soubesse, no seu íntimo, que não havia nada errado.

Os problemas provocaram algum tipo de afastamento do corpo diretivo do Bahia?

Uma vez dei uma entrevista a Zé Eduardo (radialista e apresentador do Se Liga Bocão), dizendo que iria me afastar do Bahia. Zé até ficou falando no rádio: “Maracajá está fora”. Isso ocorreu por que tudo que me metia no Bahia, diziam que eu estava mandado. Quando Marcelinho (Marcelo Guimarães Filho) assumiu a presidência, eu disse: “Vou me afastar. É melhor deixá-lo fazer o que tem que fazer”. É tanto que há dois anos não vou ao estádio, há dois anos que não vejo Marcelinho. Mas não somos inimigos, é que estamos seguindo caminhos diferentes. 


Existe algum tipo de relação entre o senhor e o Bahia hoje?

A única coisa que eu faço é pagar a mensalidade de conselheiro, de R$100. E ainda tenho R$40 mil lá dentro. Dinheiro que eu emprestei há dois anos e que eles não tiveram como me pagar. Também não estou cobrando.

Ainda pensa voltar a ser presidente do Bahia?

Já estou com 66 anos, quase 67. Não penso mais nisso. Quero ver o Bahia na primeira divisão, ser campeão da Copa do Brasil, Brasileiro de novo. E, claro, ganhar do Vitória sempre. Pode ser aquela conquista suada, só para poder fazer gozação com os rubros-negros. Mas, voltar a presidir o Bahia, nunca mais. Já pendurei as chuteiras (risos).


Fotos Edson Ruiz // Bocão News

Classificação Indicativa: Livre

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