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A torre de Noé - os condomínios e os animais de estimação

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Bnews - Divulgação Arquivo Pessoal

Publicado em 29/06/2021, às 08h00   Tiago Almeida Alves


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Pretinha, Zezé, Lôro, Negão, Batata, Zuma, Nina, Brigitte, Caramelo, Almôndega... as patinhas, os bigodes e as penas despertam emoções de toda sorte nas pessoas. Há quem os ame, há quem não os suporte. Existem aqueles – criminosos, leia-se – que promovem maldades, bem como os que os defendem até a morte.

Dentro do ambiente condominial, então, a discussão costuma ter ainda mais fervor. Sobre o assunto, não é raro observar controvérsias sobre animais de estimação em grupos de mensagens, assembleias, comissões revisoras de convenções e disputas judiciais, todos envolvendo condomínios e loteamentos.

Nesse ponto, é importante considerar uma questão pertinente a(o) síndico(a): como a administração de um condomínio deve efetivamente lidar com os animais?

Para falar disso, cabem dois pontos preliminares.

O primeiro deles é a respeito do contexto da realidade dos condomínios, que em muito se diferem uns dos outros. As regras devem ser aplicadas de acordo com a necessidade de cada ambiente comunitário. 

Veja-se um caso simples, como o recolhimento de cavalos, por exemplo. Não há que se pensar na disciplina de equinos em um prédio com apartamentos de 40 metros quadrados. De outro lado, é óbvio que muito há a se disciplinar em um condomínio de sítios que tenha um haras como área comum.

O segundo diz respeito à bússola do(a) síndico(a) na tomada de decisões, estipulada na lei como “sossego, salubridade e segurança”. Toda ação – bem como toda abstenção – da administração de um condomínio deve se basear nesses pontos. 

Quanto aos animais, cabe a gestão sempre utilizar esses critérios como norte. Criar uma serpente peçonhenta, por mais que seja legalizada e bem acondicionada, pode gerar perigos à saúde dos moradores. De outro lado, um peixe de aquário não fere o sossego dos outros moradores.

Falando-se em animais de estimação de moradores, a jurisprudência de tribunais superiores criou o entendimento jurídico de que as convenções de condomínio – e, por hierarquia, todo ato inferior, como regimentos internos, editais, atas e circulares – não podem restringir a presença de toda e qualquer espécie de animais em condomínios residenciais.

Nesse particular, há que se ter atenção. De acordo com os principais julgados, a convenção ainda poderá proibir a permanência de animais causadores de incômodos nos condomínios, fato que será analisado caso a caso, de acordo com as ocorrências no condomínio. Dessa maneira, um “animal de raça barulhenta” não pode ser julgado pelo condomínio – e, consequentemente, impedido de permanecer no imóvel – a não ser que o pet efetivamente cause incômodo.

Em nome da salubridade, do sossego e da segurança, por mais que não possam impedir a permanência dos animais, os condomínios podem – e devem – regular a convivência dos bichinhos nas áreas comuns. Desse modo, o regimento interno disciplinará tais condutas, como recolhimento de fezes, respeito a lei do silêncio, uso de focinheira, proibição de ingresso em alguns espaços (piscina, academia, spa), e controle de doenças.

De outro lado, o(a) síndico(a) também precisará lidar com os latidos e miados porta dos moradores a fora. Não é incomum encontrar em condomínios residenciais – e também em alguns comerciais – aquele animalzinho que chega machucado ou muito magro, recebe cuidado da vizinhança, vai ficando, ficando e... se transforma em um “morador” do condomínio. São os animais comunitários.

Quanto a esses casos, não há legislação federal específica sobre o tema, embora se encontrem leis locais em alguns municípios regulando a questão. De toda sorte, o que guiará a atuação do(a) síndico(a) nesse caso, além de salubridade, sossego e segurança, é a Constituição Federal, que protege os animais.

Desse modo, são proibidos maus tratos – crime sujeito a pena de detenção –, abandono e atos que importem em risco aos animais comunitários. Também não há poder, por força de convenção, que possa obrigar aos moradores a deixar de cuidar dos animais comunitários, como forma de inviabilizar a sua permanência, como alimentação, medicamentos e até mesmo o transporte a veterinário(a).

Diferentemente dos pets pertencentes a moradores, poderá o condomínio proceder com alternativas à permanência e reprodução dos animais comunitários, a exemplo da doação dos animais a entidades ou a terceiros, bem como proceder com a castração dos mesmos.

À gestão sindical, cabe seguir as questões com bom senso e criatividade frente às demandas, buscando diálogo e transparência nas ações. Para atuação mais eficaz, recomenda-se que o(a) síndico(a) esteja sempre amparado(a) de pareceres técnicos que resguardem a decisão, para se evitar responsabilidade jurídica nos atos com os animais.

Cuidar de animais é, sobretudo, lidar com as emoções humanas. Além dos latidos, miados, piados e grunhidos, existem opiniões e interesses legítimos de todos os lados. É a convivência pacífica, válida para todas as espécies, que evita o pior dos mundos: criar chifre na cabeça de cachorro.


Tiago Almeida Alves é advogado formado pela UFBA, pós-graduado em Direito Imobiliário, Urbanístico, Registral e Notarial pela UNISC-RS, membro da Comissão de Condomínio do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (IBRADIM), e atualmente cursa o MBA em Gestão de Escritórios de Advocacia e Departamentos Jurídicos na Baiana Business School (Faculdade Baiana de Direito). 

Classificação Indicativa: Livre

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