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Meu processo, minhas regras: os condomínios e o (bom) uso de negócios jurídicos processuais

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Bnews - Divulgação Arquivo Pessoal

Publicado em 09/11/2021, às 08h00   Tiago Alves


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Valho-me, no artigo de hoje, de interessante debate entre o desembargador Alexandre Freitas Câmara (TJRJ) e os advogados Marcus Vinícius Borges (de São Paulo) e Layanna Piau (daqui da Bahia) em painel do IV Congresso do IBRADIM, ocorrido na semana passada.

Discutia-se, na ocasião, a respeito de negócios jurídicos processuais nas relações a envolver bens imóveis. A partir da analogia abaixo, portanto, explicarei a respeito do assunto – e da grande oportunidade de resolver problemas jurídicos de condomínios a partir de sua aplicação.

Processos judiciais formam uma das principais maneiras de resolver conflitos no País. Tidos como caros, morosos e burocráticos, tais procedimentos são vistos como um verdadeiro martírio a quem habitualmente necessita de acesso à Justiça. Um jogo desagradável e cansativo.

O fato de lidar com eventual parte adversária (autor, réu, apelante, etc), transforma o ambiente da disputa em uma guerra de desconfianças: a cultura brasileira faz os “jogadores” partirem do pressuposto de que o adversário irá jogar sujo, dará golpes baixos, pirraçará, e utilizará os melhores vilões possíveis para emperrar o processo: os advogados.

Com o direito em jogo, o cidadão ainda verá como insuficientes as regras comuns do processo jurídico para a resolução de seus problemas. Intimações burocráticas. Prazos muito longos – ou muito curtos. Meios de prova sem o menor sentido para o seu caso. Frente a tais questões, buscar seus direitos pode ser, à primeira vista, desestimulante.

Ainda bem que o processo judicial pode ser mais – reitero, muito mais – do que isso.

Uma técnica à disposição dos “jogadores” é o negócio jurídico processual. De acordo com a lei, tal técnica permite às partes estipularem mudanças no processo judicial para adaptá-lo às questões específicas da causa. Dito conforme a nossa analogia, é possível, de comum acordo, “mudar as regras do jogo” para uma melhor disputa.

Imagine-se, portanto, um condomínio residencial necessitado de mover processo judicial contra determinado morador por conta de uma suposta infiltração d’água na estrutura do imóvel. De acordo com a realidade do imóvel, verifica-se que o condômino em questão pode ser facilmente encontrado através de seu e-mail. Por conta de constantes viagens, há dificuldade de o condômino ser facilmente encontrado pelos Correios.

Nas regras comuns do jogo, um processo judicial como esse poderia passar meses em branco, por conta da impossibilidade de efetiva entrega de citações/intimações. O condomínio despenderia de longo tempo de espera, pagaria infrutíferas custas de citações/intimações pelos Correios e veria sua carteira de ações judiciais se manter grande.

Regra do jogo inadequada.

Nesse contexto, é lícito ao condomínio e ao morador, para melhor resolução das questões, estabelecerem regras de intimação por e-mail, ao invés de cartas do Judiciário. E não só isso: por escrito em contrato, condomínio e morador poderiam, ainda, estabelecer um calendário processual, com prazos mais curtos e mais longos, abrir mão de determinados recursos, para maior celeridade, e até mesmo definir previamente a escolha do perito.

Novas regras, adaptadas à realidade.

É válido salientar, entretanto, que nem toda regra processual pode ser alterada pelas partes. Dois são os principais pressupostos para a validade dos negócios jurídicos numa relação condominial:

O primeiro deles diz respeito à possibilidade de negociar o direito em questão. Está fora de cogitação, por exemplo, uma cláusula em contrato que preveja o julgamento da infiltração estrutural na Vara de Família. 

Outro pressuposto está relacionado ao fato de o negócio jurídico processual envolver somente as partes. Imagine-se uma cláusula que preveja o prazo de sentença do juiz em cinco dias. Tal regra seria entendida como inválida.

Utilizar de regras adaptadas do processo judicial é positivo a todos. O negócio jurídico processual tende a diminuir o tempo (e o custo) do processo. Além disso, estimula as partes a buscar cooperação na resolução dos problemas. Tal técnica diminui a incidência das “chicanas”, aquelas estratégias que travam os processos e criam entraves desnecessários. E promove uma Justiça mais efetiva.

Ao condomínio, vê-se grande oportunidade de melhorar a gestão. Diminui-se a quantidade de processos judiciais, por serem mais céleres. Faz-se da carteira de ações judiciais um custo mais barato. Melhora o clima social, com a resolução de conflitos cooperativos. E diversas dessas regras podem ser estabelecidas na própria Convenção do Condomínio, vinculando os próprios moradores.

Aquele que enxerga o litígio além da briga em si, conseguirá observar os ganhos na batalha.

E então, vamos mudar o jogo?

Tiago Almeida Alves é advogado graduado em Direito pela UFBA, pós-graduado em Direito Imobiliário, Urbanístico, Registral e Notarial pela UNISC-RS, membro da Comissão de Condomínio do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (IBRADIM), e atualmente cursa o MBA em Gestão de Escritórios de Advocacia e Departamentos Jurídicos na Baiana Business School (Faculdade Baiana de Direito). Contato: [email protected]

Classificação Indicativa: Livre

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