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Juízes da vida alheia

Arquivo pessoal
Bnews - Divulgação Arquivo pessoal

Publicado em 13/06/2022, às 09h56   José Medrado


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Não é novidade alguma que as pessoas estão se achando justiceiras, donas da verdade em tudo aquilo que julgam terem como o certo e o errado. Associam-se em grupos e se alimentam o tempo todo com os argumentos de suas teorias e achismos. A partir disso, não raro, surgem as intolerâncias de toda natureza e direção, e em um pulo sem do WhatsApp e vão em direção da consumação de suas sentenças lavradas no mundo virtual. Assim sofreu uma família do município de Poções (BA), cuja casa foi apedrejada quatro vezes em um intervalo de duas semanas e chegou a ter a energia elétrica desligada, depois que uma senhora mãe resolveu pedir para que o filho transgênero, de 12 anos, fosse chamado por nome e pronomes masculinos. Registre-se que no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4275, os ministros do Supremo Tribunal Federal admitiram a possibilidade de alteração de nome e gênero no assento de registro civil, mesmo sem a realização de cirurgia de redesignação de sexo. Desde então a janela da sala da família foi estilhaçada por pedras.

O problema teve início após o início de um processo de votação de  projeto de lei que pretende instituir no município normas a serem seguidas no tratamento de alunos trans nas escolas, bem como a oposição de um conhecido pastor na cidade, cujo áudio passado  no WhatsApp para vereadores e sociedade civil pedia por ação contra esse mesmo projeto. O pastor, que se coloca como um homem cristão, pois é,  expôs a criança, citando-a nominalmente, descrevendo a questão como "o caso de uma menina que 'não quer ser mulher, quer ser homem'" e chamando o projeto de "aberração.

A mãe da criança buscou a escola para afirmar a proteção de seu filho, quando ele começou a se queixar do desrespeito que enfrentava em uma escola municipal de Poções. A criança continuava a ser chamada pelo pronome feminino e pelo seu nome de batismo, apesar dos pedidos feitos aos professores e à direção da unidade. A mãe, bem informada, foi à escola para pedir que a resolução do MEC (Ministério da Educação), que trata desse assunto, fosse atendida, mas nada se resolveu. Um absurdo inominável. Como se não bastasse a dor familiar, no processo de apoio e orientação de seu filho, ainda há esta violência, e o pior: em nome de Deus. Realmente, não entendo que Cristo é este que essas pessoas dizem seguir? Não entro aqui nas questões emocionais da criança, inclusive porque não a conheço, nem ao seu processo de busca de identidade de gênero, porém independentemente disto tudo as pessoas não podem se arvorar a serem a balança do certo e errado em relação aos outros, sob pretensa busca do certo, ou da condenação do que julgam errado. Não guardo dúvida alguma que se trata, em verdade, de projeção da sobra de cada um, nas concepções junguiana do conceito.

Classificação Indicativa: Livre

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