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A OCDE e o esgotamento do modelo de desenvolvimento no Brasil

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Penildon Silva Filho é professor da UFBA e doutor em Educação e colunista do BNews  |   Bnews - Divulgação Divulgação

Publicado em 30/01/2022, às 12h43   Penildon Silva Filho*


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Na última terça-feira, dia 25 de janeiro, o conselho de ministros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) aprovou o início das negociações sobre a entrada do Brasil na entidade. O país deve estar alinhado a alguns princípios, dentre os quais a preservação da biodiversidade, o combate ao desmatamento e um esforço para diminuir ou reverter as mudanças climáticas. Esse posicionamento vem na esteira de diversos outros, como o que ocorreu em 17 de novembro, quando a União Europeia (UE) em seu Parlamento propôs a proibição de importações de commodities cultivadas em áreas desmatadas, medida que deve se estender aos Estados Unidos, a China e o Reino Unido. O modelo de desenvolvimento e o projeto de país que temos até agora está esgotado e o grande desafio da civilização brasileira será apresentar um outro projeto de nação, interligando uma transição socio ambiental, uma nova política econômica inclusiva e redistributiva de renda e riqueza, uma política de Ciência e tecnologia, de reindustrialização verde e uma política agrária.

Desde a década de 1990 o Brasil passa por um processo de desindustrialização e crescente dependência da importação de produtos manufaturas dos Estados Unidos, da União Europeia e mais recentemente da China. O projeto que se formou e foi consolidando pelo Estado e mercado brasileiros foi a volta a um modelo de colônia de exportação de commodities, de extrativismo mineral predatório para abastecer as indústrias do Norte, de agronegócio de larga produção baseada em agrotóxicos, grandes propriedades, esgotamento dos recursos naturais e voltado para a exportação e não para o mercado interno. O Brasil hoje é um país exportador de alimentos, de carne, de minérios, mas a sua população passa fome, pois mais da metade está em situação de insegurança alimentar, 116,8 milhões de pessoas não têm acesso pleno e permanente a alimentos, sendo que 19,1 milhões estão passando fome, segundo estudos e levantamento da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan).

Esse modelo foi aprofundado a partir dos governos Temer e Bolsonaro a partir de 2016 com um receituário neoliberal, que prometeu um grande crescimento econômico e geração de empregos se seguíssemos a cartilha do congelamento dos investimentos sociais por 20 anos, da reforma trabalhista, do teto de gastos e da diminuição do Estado e das políticas públicas. Essas promessas não foram cumpridas e o desemprego que era de 4.5% em 2014 passou a tangenciar os 12%, 12,4 milhões de desempregados. Mas o número de pessoas sem emprego, em idade produtiva e que desistiram de procurar uma ocupação também é muito expressivo, cerca de 4,882 milhões. Esse grupo, denominado de desalentados, deve ser considerado quando se estuda a precarização do mundo do trabalho e o efeito das políticas de “austeridade fiscal”. E há o grupo dos subutilizados, que estão em empregos informais ou formais com baixa carga horária e que gostariam de trabalhar mais e melhorar seus rendimentos, mas não têm oportunidade. Estes somam 29,094 milhões. Esses são dados do IBGE, divulgados na última semana e facilmente encontrados em centenas de matérias jornalísticas e sites oficias.

Esse modelo é para fazer o Brasil voltar a ser ao que era há 100 anos, em 1922, com poucas indústrias, alto desemprego e precarização, exportador de matérias primas e importador de manufaturados e produtos de maior valor agregado. Esse modelo se esgotou. Pontuamos que se esgotou, mas o país não está sem saídas. Há a possibilidade, devido aos recursos, à riqueza do país, ao seu parque de universidades e de centros de pesquisa, à sua capacidade instalada em empresas como Embrapa, Petrobras e Eletrobras, de construirmos um novo “projeto de país”. Inspirados por Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, Josué de Castro, Celso Furtado e outras personalidades acadêmicas, políticas e intelectuais, o Brasil precisa ter um projeto de longo prazo, delinear que economia, que sociedade e que Estado nós temos o projeto de construir.

Um novo projeto pressupõe superar o modelo minimalista de Estado e maximizador de lucros do capital financeiro; implementar uma reforma tributária que cobre impostos dos ricos, desonere os trabalhadores e a classe média; fortalecer a capacidade de implementação de políticas públicas do Estado; investir numa reindustrialização verde e na Economia criativa/economia do conhecimento. Deve ser um projeto para promover uma transição sócio ecológica que neutralize a emissão de carbono em 20 anos, intensifique a transição para energias renováveis e tenha os biomas brasileiros, com a Amazônia à frente, como o principal ativo econômico, desde que seja preservado.

Esse modelo pressupõe deixarmos de lado a forma de produzir do atual agronegócio que destrói as florestas e ao mesmo tempo se inviabiliza. Essa destruição está diminuindo os “rios voadores” com a umidade que vem da floresta amazônica e alimenta o regime de chuvas do centro sul do país. Poucos sabem, mas o desmatamento e o agronegócio atual liberam quatro vezes mais carbono na atmosfera do que a emissão dos veículos e das indústrias no Brasil. No presente momento os consumidos brasileiros estão pagando a “bandeira vermelha” nas contas de luz e o agronegócio está enfrentando falta de recursos hídricos pela diminuição das precipitações pluviais, se considerarmos o total do ano. Esse modelo atual provocaria a sua própria inutilização, dentro de 20 ou 30 anos, mas a OCDE, a União europeia e até os Estados Unidos já estão afirmando que deixarão de comprar as commodities desse modelo num prazo bem mais curto.

Há alternativas? Certamente há muitas alternativas de cultivo de agroflorestas e agricultura sustentável, desenvolvidas pelos movimentos da agricultura familiar, por ecologistas e pela Embrapa. Precisamos de uma reorientação estatal para estimularmos essas alternativas, que são mais rentáveis que a produção de soja e de carne bobina, e não destroem o meio ambiente. A experiência de cultivo de açaí, de cupuaçu de cacau, de abacaxi e pupunha na Região Norte devem atrair a atenção da população: são sustentáveis, deixam a floresta em pé, propiciam a captura de carbono da atmosfera e são mais rentáveis que a produção de soja e de carne.

Mas um novo projeto de país, inclusivo, preservacionista, um modelo de desenvolvimento para o mundo, não existirá sem uma política de apoio às políticas de Saúde, de Assistência Social e de Educação, Ciência e Tecnologia. Será necessário reverter a destruição da política de Ciência e Tecnologia dos governos Temer e principalmente Bolsonaro. Os vetos do presidente ao Orçamento de 2022 não deixam dúvidas com relação a isso. Foram vetados R$ 739,9 milhões na educação, 67% são no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), 14%, na Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, 13%, na administração do MEC, 3%, no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2%, na Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), e 1%, na Fundação Universidade de Brasília, segundo a ONG Todos Pela Educação.

É importante salientar que esse corte de 1% na CAPES não deve ser subestimado, pois em anos anteriores os cortes já foram muito significativos. Em 2021, o governo redirecionou para outras áreas mais de R$ 600 milhões provisionados ao pagamento de bolsas de pesquisa do CNPQ no PLN 16/2021. Os cortes na área de Ciência e Tecnologia chegaram a R$ 2,7 bilhões depois da aprovação do PLN 12/2021, que autorizou que os recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) fiquem em “reserva de contingência”, ou seja, foram retirados da Ciência e Tecnologia para pagar os juros da dívida pública.

O Brasil, além de ser hoje o grande exportador de commodities, ameaçado pela insustentabilidade ambiental do modelo de desenvolvimento e pelo boicote dos países desenvolvidos por conta da destruição de sua política ambiental, torna-se também o grande “exportador de cérebros” Criamos em nosso país um parque universitário que forma mais doutores que a França, com nível de excelência equiparado ou equivalente aos países que mais produzem Ciência, mas esses jovens ficam sem alternativas de trabalho ou de dar continuidade às suas pesquisas após a sua formação, pela destruição do sistema de apoio à Ciência e Tecnologia no país.

Um país desenvolvido ou em vias de desenvolvimento deve ter clareza que o principal ativo econômico de uma nação é o conhecimento, o saber, a Cultura, a Ciência. Um novo projeto para o Brasil deve ser construído em 2022 e nos anos seguintes e abranger essas diferentes dimensões, interdependentes e complementares: inclusão social e diminuição das desigualdades, novo modelo de desenvolvimento inclusivo com forte papel do Estado e da Sociedade, transição socio ecológica e uma forte política de Ciência, Tecnologia, Inovação e de Economia da Cultura/do Conhecimento.

*Professor da UFBA e doutor em educação

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