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A segurança pública e suas pequenas grandes nuances

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Comida, educação, moradia, saneamento básico são requisitos primordiais para a paz  |   Bnews - Divulgação Arquivo Pessoal

Publicado em 04/10/2023, às 05h00 - Atualizado em 17/10/2023, às 05h00   Pauliane Araújo


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Em meio à liberação de mais 20 milhões de reais do governo federal, a partir da portaria assinada pelo ministro da justiça e segurança, Flávio Dino, a sensação é de que finalmente foi reconhecida a situação de quase guerra vivida na Bahia e que, enfim, as esferas federal e estadual se alinham para começar a resolver o problema. Porém, segurança pública vai muito além de armas e tecnologia. A construção da paz é mais complexa do que isso e passa por diversas frentes. Uma delas vem crescendo às escondidas aqui na Bahia, já acontece no Rio de Janeiro e o governo federal precisa prestar atenção.

Comida, educação, moradia, saneamento básico são requisitos primordiais para a paz. Mas, isso todo mundo sabe e chega a ser clichê (que precisa sempre ser lembrado). A guerra de facções criminosas vai além. Indo mais à fundo no tema segurança pública, o combate a médio e longo prazo exige estratégia e ações até mesmo naquilo que não está sendo falado na mídia.

Chamou atenção a entrevista concedida no dia 25 de setembro no PodZé por Douglas Pithon, coordenador do CORE, operação especial da polícia civil. Pithon faz parte diretamente do confronto às facções criminosas e já atuou também no Rio de Janeiro. Durante a entrevista, Pithon afirmou que existem alguns egressos do exército brasileiro entrando para as facções criminosas e agindo como os doutrinadores. Relatou, inclusive, o caso de um traficante do bairro Valéria que era, mais do que egresso, desertor do exército. O coordenador afirmou ainda que aqui na Bahia são poucos, mas que no Rio é comum e acontece há muito tempo.

Pouco antes desta entrevista, em uma conversa com uma pessoa da polícia militar que participou dos enfrentamentos no Calabar, ouvi o relato de como os criminosos que estão lá hoje sabem incursionar, se posicionar taticamente, dificultando o trabalho dos policiais, e como esta pessoa tinha certeza que havia um egresso do exército na facção criminosa que atua no local. Estes dois relatos de policiais que estão em campo mostram um problema que pode tomar proporções maiores e que precisa da atenção do exército e do governo federal.

Todo menino, no dia 1 de janeiro do ano em que completa 18 anos de idade, precisa se apresentar, ou para o serviço militar obrigatório, ou para a dispensa. A última está, algumas vezes, diretamente ligada ao padrão social: por exemplo, estar estudando. Muitos meninos que nessa fase nem podem estudar e nem têm uma ocupação formal vão cumprir o período de um ano, prorrogável por seis meses, obrigatório do exército. Lá são doutrinados para pensar como soldados, acreditar naquilo e viver para aquilo. Ao final, tornam-se egressos e alguns voltam para o mesmo lugar de onde saíram: a falta de oportunidades de estudo e de trabalho. A vulnerabilidade social.

Depois de um a quase dois anos, são outras pessoas, mas o que mudou foi terem aprendido a serem soldados. É aí que entra o aliciamento de facções criminosas, como o Comando Vermelho, que cooptam alguns destes meninos para trabalhar com elas e doutrinar, como disse Pithon, os demais. Ensinam as táticas de guerra, a mira, o viver como soldado. Só que do tráfico. Ainda não existe uma pesquisa e um estudo formal que indiquem quantos são, em números ou em percentuais, e nem em qual proporção cresce este problema. São, por enquanto, apenas os relatos de policiais em campo e de algumas pessoas que convivem em algumas comunidades, onde não se pode falar abertamente sobre isso, por questão de segurança pessoal. Os relatos de quem enfrenta no dia a dia são de que os egressos e desertores - aqueles que largam o serviço obrigatório antes do fim - entrando para a criminalidade são minoria, são poucos. Mas, o suficiente para terem elevado a guerra de facções a outro nível no Rio de Janeiro e aqui na Bahia.

O problema está no serviço obrigatório? Jamais, todo país soberano precisa ter um exército numeroso e forte. Inclusive, essa é uma premissa internacional e desta forma é feito em muitos países. O problema está na realidade do Brasil. Nas condições sociais e estruturais e, consequentemente, no depois do serviço obrigatório, no encaminhamento destes egressos e na responsabilidade federal sobre eles. Isso não era algo pensado até pouco tempo, mas com os casos existentes e o nível transbordante de insegurança em que chegamos, é hora de falar sobre isso. Ou seja, está na hora de provocar o exército, o governo federal, a pensarem quais serão as políticas públicas que farão para reduzir esse fato.

Da mesma forma que é obrigatório o serviço militar, porque não a obrigatoriedade em fazer junto, ou logo depois, um curso, como o técnico profissionalizante, por exemplo? Trazer para uma das nuances da segurança pública, enquanto ainda está pequena, a solução tão falada de longo prazo: educação. Formação de profissionais para tornar realidade a máxima das ciências sociais de que muitos que estão no crime hoje se tivessem oportunidade de emprego e estudo não estariam no caminho errado. Os cursos técnicos são o padrão ouro na educação em muitos países desenvolvidos.

Como disse, a sugestão acima é só um exemplo das políticas públicas que podem ser feitas. Este artigo está longe de pretender ser uma pesquisa oficial, ou trazer a solução para esta fatia da insegurança. Contudo, é fato que não se pode deixar um problema latente debaixo do tapete porque ele é difícil de lidar, incomoda falar, pensar sobre e porquê é caro garantir a educação para um grande número de pessoas. É preciso conversar sobre isso. O amor à pátria, primeira doutrina do exército brasileiro, precisa ser praticado não só com as armas, mas principalmente para que pegar ilegalmente nelas não seja a única opção àqueles que foram esquecidos pela pátria amada, Brasil.

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Pauliane Araujo é mestranda em Relações Internacionais pela UFBA, pós graduada em Comunicação estratégica pela UFBA, formada em Jornalismo, pela Unijorge e Radialista pelo Sinterp.
Atua como repórter na Record TV e no Bnews

Classificação Indicativa: Livre

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