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Deputado Capez é acusado em 'máfia da merenda'

Folhapress
O escândalo veio à tona há dois anos, com a deflagração da Operação Alba Branca  |   Bnews - Divulgação Folhapress

Publicado em 16/01/2018, às 06h34   Folhapress


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O procurador-geral de Justiça do Ministério Público de São Paulo, Gianpaolo Smanio, apresentou nesta segunda (15) denúncia contra o deputado estadual Fernando Capez (PSDB), sob acusação de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso conhecido como "máfia da merenda".

O escândalo veio à tona há dois anos, com a deflagração da Operação Alba Branca, que detectou desvios em contratos da Secretaria de Educação do governo Geraldo Alckmin (PSDB) e em prefeituras. Capez, que também é procurador licenciado do Ministério Público paulista, presidiu a Assembleia Legislativa até o ano passado.

O dinheiro desviado do Estado -R$ 1,11 milhão, o equivalente a 10% dos contratos- pagou despesas da campanha de 2014 do tucano, inclusive dívidas que ficaram pendentes até 2015, segundo a acusação.

Além de Capez, foram denunciadas outras oito pessoas -dois ex-assessores de seu gabinete, dois integrantes da Secretaria de Educação e quatro homens ligados à Coaf (Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar), sediada em Bebedouro (SP), entre eles o lobista Marcel Ferreira Julio, que fechou acordo de delação premiada.

Devido ao foro especial de Capez, caberá ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça decidir se recebe a denúncia e abre ação penal contra ele, tornando-o réu.

Smanio também pediu a suspensão imediata do mandato de Capez e de suas funções como procurador de Justiça."Não bastasse o risco à ordem pública gerado pelas condutas do denunciado Fernando Capez, não se pode olvidar que os poderes inerentes aos cargos ocupados podem ser indevidamente utilizados por ele para constranger testemunhas e conturbar a colheita da prova", escreveu.

Conforme a acusação, uma das principais provas contra Capez é a identificação, por meio da quebra de sigilo telefônico, de uma ligação dele para o então chefe de gabinete da Secretaria Estadual de Educação, Fernando Padula, o que confirmaria o relato do delator.

A acusação relata que, em 29 de julho de 2014, Capez se reuniu com Marcel Julio para colocar o 'lobista' a par do desenvolvimento das 'negociações' com a Secretaria da Educação".

"Nesta oportunidade, com o nítido propósito de demonstrar a Marcel que realmente estava cuidando daqueles assuntos de interesse da Coaf, o deputado Fernando Capez travou contato telefônico com Fernando Padula", ligando para a linha de um assessor da pasta.

Ao fim da reunião, ainda segundo a denúncia, Capez solicitou vantagem ilícita dizendo: "Não esquece de mim, hein? Estou sofrendo em campanha".

Segundo o Ministério Público, a Coaf havia vencido em 2013 uma chamada pública (espécie de licitação) para vender suco de laranja para a merenda.

No entanto, o contrato não havia sido assinado e a entidade ia perder o suco que armazenara.

A direção da cooperativa, então, confiou a Marcel a missão de destravar o contrato com o governo. O lobista fez a ponte entre a Coaf e Capez. Marcel é filho de Leonel Julio, ex-deputado e ex-presidente da Assembleia que mantém bom trânsito com políticos. Pai e filho foram denunciados sob acusação de lavagem.

Ainda pela denúncia, Padula, então chefe de gabinete da Educação, e uma diretora da secretaria, Dione Di Pietro, cederam à pressão de Capez e abriram uma nova chamada pública no final de 2014 para contratar a Coaf. Ambos são acusados de corrupção passiva, por terem feito vistas grossas às irregularidades.

Além de pedir vantagens pessoalmente, segundo a denúncia, Capez incumbiu seu então assessor Jéter Pereira de tratar com a Coaf. Com quebras de sigilo, foram encontradas movimentações de recursos supostamente desviados na conta de Pereira e de outro ex-assessor, José Merivaldo dos Santos.

O Ministério Público pediu bloqueio de bens de R$ 2,3 milhões como reparação.

OUTRO LADO

O deputado Fernando Capez (PSDB) disse à Folha que não cometeu crimes e que não há provas contra ele.

"O que não existe não pode ser provado. As provas colhidas já demonstraram a inexistência dos fatos. Reitero que jamais conversei com [Fernando] Padula, seja pessoalmente ou por telefone ou por qualquer pessoa que possa lhe ter passado a ligação", disse Capez.

"Jamais pedi qualquer favorecimento à cooperativa. Para fraudar uma licitação é preciso um pouco mais do que uma ligação de 30 segundos que nego ter ocorrido", afirmou.

Jéter Pereira, ex-assessor do gabinete de Capez, negou ter tratado com a Coaf e participado dos desvios.

"O que eles encontraram na minha conta foram R$ 38 mil que não têm nada a ver. Eles pediram que eu esclareça, que eu prove de onde veio [o dinheiro], só isso. Eu provando de onde veio está tudo OK. Veio das minhas contas, é dinheiro que a gente guarda", disse.

"Desde o começo eu sempre disse que não recebi nenhum centavo. Eu era um simples assessor para ficar atendendo telefone no gabinete e jamais teria capacidade para arquitetar um plano para desviar milhões", disse Pereira.

A reportagem não localizou Fernando Padula, ex-chefe de gabinete da Secretaria Estadual de Educação. Quadro importante do PSDB paulista, Padula deixou o cargo na Educação em 2016 em meio às investigações sobre a merenda e hoje é chefe do Arquivo Público do Estado de São Paulo.

O ex-assessor José Merivaldo dos Santos, que trabalhou no gabinete de Capez e ocupou vários outros cargos na estrutura do PSDB na Assembleia Legislativa, também não foi localizado.

O advogado Ralph Tórtima Filho, que defende o ex-presidente da Coaf (Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar) Cássio Chebabi, disse que "desde a deflagração da operação, a postura do Cássio foi de colaboração, e ele se mantém firme no propósito de auxiliar no esclarecimento dos fatos".

A Folha não conseguiu contato com as defesas de Dione Di Pietro, servidora aposentada da Educação, e de César Bertholino, ex-membro da Coaf.

OS NOVE DENUNCIADOS

FERNANDO CAPEZ - deputado estadual e procurador de Justiça licenciado do Ministério Público de São Paulo, presidiu a Assembleia Legislativa até o ano passado

> É acusado de pedir propina à Coaf (Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar), pessoalmente e por meio de seus assessores, e telefonar para a Secretaria Estadual de Educação para interferir em favor da cooperativa

> Supostos crimes: corrupção passiva e lavagem de dinheiro

JÉTER PEREIRA - assessor do gabinete de Capez em 2014, durante o período das eleições e dos contatos com a cooperativa

> É acusado de tratar com a Coaf, assinar um contrato de prestação de serviço falso para dar aparência de legalidade às transações e movimentar em sua conta recursos desviados

> Supostos crimes: corrupção passiva e lavagem de dinheiro

JOSÉ MERIVALDO DOS SANTOS - também era assessor do gabinete de Capez à época, já ocupou diversos cargos na estrutura do PSDB na Assembleia paulista

> Também é acusado de ter movimento dinheiro desviado em sua conta bancária

> Suposto crime: lavagem de dinheiro

FERNANDO PADULA - chefe de gabinete da Secretaria Estadual de Educação à época, deixou o cargo em meio às investigações e foi nomeado coordenador do Arquivo Público do Estado de São Paulo. É quadro importante no PSDB paulista

> É acusado de ceder à pressão de Capez e fazer vista grossa sobre irregularidades na chamada pública (licitação simplificada) que rendeu à Coaf dois contratos no valor de R$ 11,4 milhões

> Suposto crime: corrupção passiva

DIONE DI PIETRO - servidora de carreira da Secretaria Estadual de Educação, hoje aposentada, cuidava da área da merenda e estava subordinada a Fernando Padula

CÁSSIO CHEBABI - presidente da Coaf à época dos supostos crimes, foi o primeiro a mencionar o nome de Capez, no início de 2016, quando foi deflagrada a Operação Alba Branca

CESAR AUGUSTO BERTHOLINO - dirigente da Coaf à época

MARCEL FERREIRA JULIO - lobista da Coaf, fechou acordo de delação premiada com o Ministério Público em 2016 e acusou Capez de ser o destinatário de propinas

LEONEL JULIO - ex-deputado estadual e ex-presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, é pai de Marcel e transitava bem entre políticos 

Classificação Indicativa: Livre

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