Cidades

MPT encontra irregularidades em fazendas na Bahia em ação antitrabalho escravo

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Ação antitrabalho escravo coloca em xeque tese de Temer sobre excessos  |   Bnews - Divulgação Karime Xavier/Folhapress

Publicado em 04/11/2017, às 07h53   Redação BNews


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Entre as ações de fiscalização de combate ao trabalho análogo à escravidão neste ano, 25% resultaram em resgate de vítimas. De acordo com a Folha, visto pelo inverso, 75% das diligências não identificaram o crime.

O dado é do Ministério do Trabalho, a mesma pasta que editou uma portaria para flexibilizar o conceito e o modelo de fiscalização desse tipo de crime, sob a alegação de que haveria excessos.  Insegurança jurídica provocada por uma alta margem de interpretação dos auditores foi um dos argumentos usados por Ronaldo Nogueira, ministro do Trabalho, para defender a necessidade de cercear a ação do fiscalizador.

O presidente Michel Temer chegou a afirmar em entrevista que "se não tiver saboneteira no lugar certo significa trabalho escravo".

De domingo (29) a terça-feira (31), a Folha acompanhou uma força-tarefa para fiscalização de trabalho escravo no Sul da Bahia. A operação, formada por profissionais do MPT (Ministério Público do Trabalho), da secretaria de Justiça do Estado, da Polícia Rodoviária Federal e do Ministério do Trabalho, abordou quatro fazendas.

Conforme a Folha, em duas delas, a Usina Santa Maria, no município de Medeiros Neto, e a Agro Unione, de Ibirapuã, que produzem cana de açúcar sem colheita mecanizada, o MPT viu irregularidades em instalações sanitárias, higiene de refeições, na jornada de trabalho e na gestão de saúde e segurança. Procuradas, as empresas não deram entrevista.

Sem espaço na sombra da tenda disponibilizada pela empresa, alguns almoçavam entre as folhas do canavial. A refeição dada aos cortadores trazia arroz, feijão e macarrão, além de uns poucos pedaços de carne, considerados insuficientes pelos trabalhadores -mas não estão autorizados a repetir a porção.

Quando os cortadores esticam os braços acima do corpo, uma diferença de quase um centímetro de tamanho entre os membros revela quem são destros ou canhotos, conforme o braço mais usado ao longo dos anos.

Por mais indigno que pareça, nenhum dos casos configurou trabalho análogo a escravo ou degradante pelos padrões da lei vigente, sem os efeitos da portaria.
água potável

Ilan Fonseca, procurador que atuou na operação, diz que só há resgate quando as situações degradantes são "radicais" a ponto de faltar colchão e condições térmicas adequadas para dormir, água potável, energia ou expor as vítimas a agrotóxico sem máscaras, por exemplo.

O crime também pode ser caracterizado quando a fiscalização encontra segurança armada nos estabelecimentos ou alguma estratégia para endividar os trabalhadores -artifícios usados para inibir a locomoção.

Nos casos que não chegam ao extremo de trabalho escravo, o procedimento padrão, explica o procurador, é dar multa para cada irregularidade ou firmar um TAC (Termo de Ajuste de Conduta). Casos mais drásticos também podem ser resolvidos com embargos de obras ou interdição das operações, antes de se optar pelo resgate dos trabalhadores.

O Estado que concentra a maior quantidade de empregadores na "lista suja", cadastro dos envolvidos em crimes de trabalho escravo no país, é Minas Gerais, com cerca de 32% dos nomes.

O ranking foi divulgado na semana passada após a polêmica provocada pela edição da portaria. A lista, que aponta 131 empregadores que submeteram mais de 2.000 trabalhadores a condições análogas à de escravo, coloca o Pará em segundo lugar (12%).

Na divisão por setores, são propriedades rurais e o agronegócio os principais, com quase 80% de presença (veja infográfico).

A dificuldade de acesso favorece a exploração em zonas rurais, onde os trabalhadores migram em busca de empregos temporários, com a duração de uma safra.

Tal fluxo de trabalhadores, em sua maioria de baixa escolaridade, perpetua a exploração, segundo Admar Junior, coordenador do núcleo de enfrentamento ao tráfico de pessoas do Estado da Bahia.

É raro ver homens com mais de 60 anos nas lavouras. Problemas pulmonares causados pela fuligem que resulta da queima da palha da cana, anterior ao corte, abreviam o tempo de atividade.

Para a auditora Lidiane Barros, o caráter temporário dos contratos destes migrantes rurais desprotege a gestão da saúde dos trabalhadores. "A atividade da cana é extremamente insalubre e adoecedora. Quando os contratos temporários terminam, eles se distanciam da empresa. Na safra seguinte, voltam com um novo vínculo, quando na verdade deveria ser o mesmo", afirma Barros.

A reforma trabalhista, que entra em vigor no dia 11, regulamentando o trabalho intermitente, deve reduzir esse tipo de questionamento feito aos empregadores.

OUTRO LADO

O Ministério do Trabalho não quis se manifestar sobre os critérios da argumentação do ministro Ronaldo Nogueira em defesa da portaria que limita a fiscalização do trabalho escravo.

Por meio de nota que já havia sido publicada no dia 24, na ocasião em que a liminar do STF (Supremo Tribunal Federal) suspendeu a portaria, o ministério diz que o texto tramitou na consultoria jurídica do órgão "e sua legalidade foi subscrita por advogado público de carreira".

O órgão diz que vai aprimorar "ações de combate ao trabalho escravo no país a fim de livrar trabalhadores dessa condição aviltante".

As empresas fiscalizadas pela ação desta semana na Bahia não quiseram dar entrevista. Segundo o Ministério Público do Trabalho, as irregularidades verificadas devem gerar cerca de 15 autos de infração para cada empresa, sem configurar trabalho escravo. Os documentos ainda estão sendo avaliados.

O caso das bituqueiras que relataram distância do banheiro e as ruins condições da alimentação foram encontrados na Agro Unione.

ENTENDA A PORTARIA

O que é?
Foi criada para alterar definição de trabalho escravo, critérios de autuação e forma de divulgação da "lista suja", com nome dos envolvidos no crime. Editada pelo Ministério do Trabalho no último dia 16 e suspensa por liminar da ministra Rosa Weber (STF) no dia 24

Qual é o efeito?
Texto limita conceito de trabalho escravo, exigindo que haja "restrição à liberdade de locomoção da vítima" para a ação ser enquadrada

O que houve?
Medida recebeu criticas da Organização das Nações Unidas, da procuradora-geral da República e outros; Michel Temer admitiu que poderia mudar portaria 

Classificação Indicativa: Livre

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