Copa do Mundo

Ney Campello critica congestionamentos em Salvador

Publicado em 14/05/2011, às 19h38   Terra Magazine


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Em entrevista ao site Terra Magazine, publicada neste sábado (20), o secretário estadual da Copa do Mundo de 2014, Ney Campello, vai para cima da prefeitura de Salvador e critica a falta de uma solução para os congestionamentos caóticos que afligem os cidadãos da capital baiana.

De acordo o Campello, o caminho do planejamento urbano de Salvador foi abandonado em gestões anteriores, agora deve-se trabalhar para tirar a cidade desta “sinuca de bica”.

Confira a integra da entrevista feito por Eliano Jorge e publicada no site Terra Magazine.

Terra Magazine -
O jornal O Estado de S. Paulo publicou, nesta quarta-feira (11), que o secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, anuncia São Paulo fora da Copa das Confederações? É uma das sedes que concorre com Salvador pela abertura e pela final da competição?

Ney Campello - Eu lamento porque minha visão sobre o processo de realização desse evento no Brasil não é de comemorarmos dificuldades das sedes brasileiros, este é um projeto nacional. Portanto, a fragilidade de São Paulo, a maior cidade e o principal Estado do País, repercute negativamente como projeto nacional, isso não é bom, ainda que venha ter como consequência um fortalecimento de um pleito baiano. Acho que não devemos buscar o fortalecimento dos nossos projetos desqualificando os projetos das demais sedes.

Objetivamente, se essa decisão for confirmada, é óbvio que o projeto baiano ganha um pouco mais de fôlego, se fortalece, demonstrando que podemos abrigar a competição. Continuaremos com as ações de garantia dos prazos do cronograma para que a Fifa olhe um pouco para o Nordeste e selecione a Bahia. Estamos pleiteando abrigarmos ou a abertura ou o encerramento da Copa das Confederações. Isso foi encaminhado ao próprio Jérôme Valcke e ao (presidente da Fifa) Joseph Blatter como uma carta do governo Jaques Wagner.

O Jornal Nacional, da TV Globo, anunciou Belo Horizonte, Brasília, Porto Alegre, Rio de Janeiro e Salvador como sedes da Copa das Confederações de 2013.

Uma informação como essa não aparece na Globo, na boca de William Bonner, por nada. Com certeza. Mas não há, de fato, a confirmação. Mas tendem a se confirmar essas cidades mesmo. Isso já gerou um clima extremamente positivo na Bahia. Muitos setores falando, se articulando. A gente ganha no sentido da aceleração das providências, dos órgãos que deliberam sobre elas e percebem que isso é pra valer, não é brincadeira, tudo indica que Salvador recepcionará este evento. É mais estímulo e responsabilidade.
Exceto Salvador, alguma cidade se candidatou à abertura ou à final da Copa das Confederações?

A Bahia é a primeira sede que oficializou esse pleito, não tenho conhecimento de nenhuma outra. Inclusive tivemos resposta do Jérôme Valcke que aguardássemos a análise Fifa/COL até o fim de julho, quando definiriam as sedes.

Deve ser anunciada também a tabela do Mundial, não?

Não creio, e aí é mais uma especulação (minha), que necessariamente saia a definição das sedes de cada fase, de abertura e encerramento da Copa do Mundo. Imagino que a Fifa vá aguardar um pouco, não tem uma necessidade de, em julho deste ano, já determinar isso. Não foi assim em outros Mundiais. Inclusive, em 2006, seis meses houve até mudança (do local da abertura), de Berlim para Munique.

Esse exemplo da Alemanha permite que as demais cidades mantenham suas candidaturas à abertura, mesmo que São Paulo seja logo escolhida, como parece ser o desejo da Fifa e do governo devido à infraestrutura paulistana.

Exatamente. Acho que é bom ser um pouco adiante para que a Fifa tenha maior clareza sobre onde os projetos estão mais avançados, e não somente em relação ao estádio, mas a questões como aeroporto, mobilidade urbana. É bom para a Fifa não haver uma precipitação. Estamos aqui pisando o acelerador para que, se houver este espaço vazio, a Bahia, não tenha dúvida, tem a intenção de fazê-lo da maneira mais profissionalizada e competente possível. Somos um pouco a cara da diversidade brasileira, pela nossa representatividade de ter sido a primeira capital brasileira e berço do País.

Quero muito que você registre que não recebo com regozijo nem com alegria essa informação (da exclusão de São Paulo da Copa das Confederações). A Copa precisa ser um evento que contemple todo o País, todas as 12 sedes, todas as regiões geográficas, distribuindo todos os eventos dela, de modo que o país inteiro seja beneficiado. Então, não é bom para o país que alguma sede seja descredenciada e nem que uma sede como São Paulo passe por este tipo de dificuldade. Acho lamentável, mas, se for confirmado, vamos disputar a condição de preencher uma lacuna que São Paulo deixa.

É verdade que o senhor torce para o Corinthians?

Eu até sou corintiano. Sou Vitória aqui, conselheiro do meu clube, mas tenho umaffair e uma torcida muito grande pelo Corinthians.

E curiosamente concorre com o futuro estádio do próprio Corinthians pela sede da abertura da Copa do Mundo...

É. Mas, nessa hora, o coração corintiano fica aposentado e prevalece o coração baiano, trazer para a Bahia um evento que permite uma repercussão e uma visibilidade muito importante para o nosso Estado. O Corinthians terá, mais cedo ou mais tarde, o Itaquerão. Não dá para ninguém afirmar se sai para 2013 ou 2014, é uma dúvida que está posta. Vi na televisão o próprio (presidente) Andrés (Sanchez) disse não saber quando começa (a obra) do estádio. Ainda é uma situação indefinida mesmo. Torço para que isso se resolva porque é bom para o Brasil um projeto consistente de São Paulo na Copa. Não devemos transformar esta Copa numa luta em que uns ganham e outros perdem, tem que ser um evento em que todos ganham, precisa ser uma agenda positiva para o país, não pode ser uma coisa de um querer engolir o outro.
Fazer ataques estimula uma disputa para um ficar encontrando os defeitos do outro. Por isso eu lamentei muito as palavras do secretário da Copa em Minas, que criticou as cidades candidatas a receber a abertura da Copa: uma não tinha estádio, uma não tinha futebol e a outra não fazia sentido.

Belo Horizonte disputa com São Paulo, "que não tem estádio", Brasília, "que não tem futebol", e Salvador, que "não faz sentido". Por que sua sede "não faz sentido"?

Não diz. É uma declaração no vazio que me parece não corresponder à última definição da reunião do forum das cidades-sede, que aconteceu, por coincidência, em Minas Gerais. Foi uma deliberação desse forum, em abril, que as cidades devem se apoiar e buscar mecanismos de troca de intercâmbio de opiniões e experiências, deveríamos buscar esta postura ética. Tenho opinião também sobre Minas Gerais. Conheço tanto as virtudes quanto as fragilidades do projeto mineiro, mas não vou me pronunciar sobre isso, em respeito ao projeto nacional, que é a Copa dando certo para o Brasil todo. Para essa luta fratricida, eu não vou.

Quinta-feira passada (5), o senhor tuitou as seguintes mensagens: "O caos de Salvador no trânsito tem causas na falta de planejamento urbano e subordinação política a interesses privados"; "A lógica histórica dessa cidade é a especulação do solo, a engorda de terrenos e a licenciosidade no lugar do licenciamento"; "Em Salvador, primeiro se licencia a obra, depois é que se discute a infraestrutura viária e de serviços".

Isso. É verdade, Salvador sofre de um problema histórico, portanto não estou fazendo nenhuma crítica ao atual governo municipal. Algumas administrações abandonaram o caminho do planejamento da cidade e subordinaram a gestão política de Salvador a interesses de alguns segmentos econômicos. É preciso reverter esta lógica e a cidade ser governada e planejada para o cidadão. Nosso problema maior, a mobilidade urbana, é fruto do quê? Estamos vivendo como metrópole, a terceira cidade mais populosa do Brasil e com maior densidade demográfica entre todas as capitais, são 10 mil habitantes por quilômetro quadrado.

Especulou-se o uso do solo com terrenos que serviram, ao longo de anos, como terrenos de engorda e favoreceram muito a especulação imobiliária. Acabou prevalecendo uma lógica de começar a licenciar a construção de prédios, pelas avenidas de vale, como a Avenida Paralela, que é hoje o principal ponto crítico de travamento da cidade. Primeiro você licencia para depois discutir infraestrutura, isso não é lógica de planejamento urbano. Tem que criar infraestrutura, o sistema público de transporte, as ciclovias, as ciclofaixas e depois planeja para licenciar. Aqui se fez o inverso, e agora a cidade discute como sair da sinuca de bico.

Esses segmentos privilegiados são as construtoras, as imobiliárias...

É a indústria da construção civil. Não tenho nenhum receio de dizer: aqui segmentos como indústria da construção civil, transporte e lixo urbano são muito fortes, tanto política como economicamente. Não tenho absolutamente nenhuma restrição à legitimidade do empresariado de qualquer setor, inclusive desses três, de buscar seus resultados. São empresários, buscam o lucro. Agora o papel do agente público é de intermediar essas relações para garantir o interesse daqueles que não têm a força econômica que esses segmentos possuem: a população.
Por exemplo, 40% da população anda a pé ou de bicicleta em Salvador. Cadê os passeios, as rampas, o piso tátil, as ciclovias e ciclofaixas etc? A cidade tem que pensar nos seus 2,7 milhões de habitantes. Não pode ser a ditadura do carro, do veículo individual e motorizado, temos que pensar a cidade para todo mundo, e a Copa é uma enorme oportunidade disso. Por isso mesmo, Governo do Estado e Prefeitura, que acabaram de celebrar um termo para constituir um comitê organizador unificado, têm a chance histórica de, como pretexto da Copa, reverter essa lógica e dar a Salvador e região metropolitana, a chance de um novo processo urbano, de requalificação da vida urbana, que seja mais saudável e sustentável para toda a população. Volto a repetir, não é uma crítica pontual, não é uma crítica ao atual governo municipal, mas é uma crítica a um processo histórico que vem sendo influenciado nessa direção e que temos a chance de revertê-lo.

O senhor tem, inclusive, uma experiência no setor da construção civil, não?

Eu tive em 1993 uma passagem muito rápida, de um ano aproximadamente, numa empresa, numa construtora, mas uma coisa muito pequena. Uma empreteirinha, né? Muito, muito pequena, de três sócios. Eu era executivo, diretor administrativo financeiro. Eu venho do mundo privado, quer dizer, é um misto. Porque fui vereador aos 20 anos em Salvador, fui o mais novo vereador do Brasil, quando me elegi em 1982. Depois disso, tive uma trajetória de estudos na área do Direito, voltei para a iniciativa privada e nela me encontro há mais de 20 anos. Em 95, tive uma passagem na Prefeitura, em Educação. E, de 2005 a 2007, fui secretário de Educação em Salvador.

Tenho um misto da experiência do público e do privado, sei como essas relações se estabelecem e que existem contradições que precisam ser equacionadas. Como minha trajetória sempre foi em partidos de esquerda, para mim foi claro observar até onde ia o legítimo direito de empreender e empresariar e onde começa a distinção entre o público e o privado.

O privado intenciona se aproveitar do público, e o público acaba também se aproveitando das relações privadas. Acho que vivemos hoje no País um momento precioso, singular, de romper completamente essas relações. Não tenho nada contra os setores de construção civil, de transporte, de lixo, de nada. O que não pode é segmentos econômicos determinarem o rumo da cidade. E nem gestores públicos, sejam eles quais forem, se subordinarem a essa lógica, se tornarem reféns.

A Copa acaba gerando um debate mais amplo do que o evento. E mostra que, quando você está discutindo transporte, não discute só isso da mobilidade, e sim a verdade que você deseja, para quem ela está sendo construída, quais são os interesses legítimos e não legítimos. Acho um debate extremamente rico, que naturalmente traz controvérsias e conflitos de interesses. Aí o Estado tem que atuar como mediador desses grupos de interesses na defesa do lado mais fraco, que é o cidadão, a sociedade que não está organizada.

É o momento de a gente tentar. Se não, vira uma geleia geral, ou seja uma discussão de investimentos e intervenções pontuais, que depois, passado o processo do evento, o que fica? Estamos falando de muito dinheiro público que será aplicado. É a responsabilidade pública de deixar o máximo de legados. Na Inglaterra, para as Olimpíadas de 2012, criou-se uma empresa de legados que, para cada uma libra (investida), precisa reverter 75 cents de libras em legados. As cidades brasileiras da Copa precisam ter isso como um foco importante: está colocando dinheiro, fica o que para a sociedade?

Está sendo discutido um novo sistema de transporte coletivo para os limites da cidade, na região metropolitana, onde fica o aeroporto. Mas os engarrafamentos na Avenida Paralela não são causados pelos carros, por pessoas de maior poder aquisitivo que moram no litoral norte?

Não, Salvador hoje é uma cidade conurbada, você não sabe onde ela termina e onde começa Lauro de Freitas, que cresceu 50%, parece, nos últimos 10 anos. Portanto, há uma população extremamente pobre que mora em Lauro de Freitas. A solução de transporte para a região metropolitana não é para atender aos ricos nem a quem tem carro não. É fundamental para a população mais pobre desta cidade e, ao mesmo tempo, resolve um problema da Copa, deixando um legado social, porque boa parte das seleções e turistas vão ficar mais adiante no litoral norte, que é a região de Sauípe, Praia do Forte e tal.

No caso da Paralela, há toda uma circulação porque ela interliga todo o miolo da cidade, os grandes bairros de Salvador, como Mussurunga, Cajazeiras. Temos que aproveitar essa chance, Salvador é hoje uma das piores cidades do Brasil em termos de ciclovias e ciclofaixas. O Estado está cuidando disso, fez um pleito de R$ 40 milhões ao Ministério das Cidades e pode chegar a 200 km de ciclovias e ciclofaixas até 2014.

Classificação Indicativa: Livre

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