Coronavírus

Terapia online dispara com a Covid, e número de psicólogos salta 450% na modalidade

Marcello Camargo / Agência Brasil
Bnews - Divulgação Marcello Camargo / Agência Brasil

Publicado em 13/09/2021, às 06h26   Wesley Faraó Klimpel / Folhapress


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A terapia online ganhou um empurrão no Brasil com a pandemia de Covid-19. Com o distanciamento social e o medo de contágio, a procura por atendimento de saúde mental via internet tornou-se uma opção para muita gente, e o número de novos cadastros de profissionais no e-Psi saltou 447%.

A plataforma entrou no ar em novembro de 2018, e o registro no site é uma exigência do Conselho Federal de Psicologia para a atuação online. Da estreia até fevereiro de 2020, cerca de 31 mil profissionais fizeram o cadastro. De março do ano passado, quando começou a pandemia, até agosto deste ano, outros 137 mil aderiram.

Ao todo, são 168 mil psicólogos habilitados a fazer o atendimento online, cerca de 40% dos 408.789 cadastrados no conselho federal.

Os encontros online com o psicólogo não foram uma novidade para Fabiana Léo, 37, que faz terapia desde outubro de 2014. Nestes quase sete anos, a historiadora chegou a ter sessões virtuais com um profissional enquanto ele estudava no exterior, mesmo antes do coronavírus. A pandemia fez com que eles retomassem o recurso.

Moradora de Belo Horizonte, ela começou as sessões quando travou na produção de seu projeto de mestrado. "Em maio eu estava na página 18 e, em outubro, ainda estava na página 18, sendo que eu trabalhava todo dia útil na dissertação", relembra. Após indicações, ela procurou um especialista em escrita e, em um ano, finalizou o trabalho, com 142 páginas.

Dando aulas virtuais durante o isolamento, ela pretende manter também as sessões no mundo online, ou então adotar uma forma híbrida. "Gostei da praticidade. Tiro 5 minutinhos para entrar na sessão, e depois 5 minutos para sair, continuar com meu cotidiano", diz.

A previsão é que a terapia online continue como uma alternativa viável mesmo após a diminuição das restrições pandêmicas, mas numa intensidade menor, avalia Maycoln Teodoro, diretor da Sociedade Brasileira de Psicologia e professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Para ele, muitos profissionais que nunca pensaram nessa opção foram impelidos ao mundo digital, o que fez diminuir o preconceito.

O atendimento online, naturalmente, tem suas desvantagens. "O psicólogo perde dicas corporais, muitas vezes está olhando para a pessoa e, como a câmera está em outra posição, parece estar olhando para outro lugar", explica. Em contrapartida, ele aponta que os futuros profissionais já estão treinando na prática durante a graduação.

A pandemia acabou impulsionando algumas áreas que não seriam exploradas tão cedo. Teodoro cita o trabalho de uma doutoranda sobre meditação online em grupo e os bons resultados em relação à ansiedade e à depressão. De acordo com ele, a pesquisa seria presencial, mas acabou mudando por causa da Covid-19.

Livros e estudos envolvendo a modalidade digital, independentemente da abordagem, foram publicados recentemente, como "Terapia on-line", do próprio Teodoro com Katie Moraes de Almondes, e "Clínica Psicanalítica On-line", de Fábio Belo.

Uma pesquisa publicada no E-Clinical Medicine, pertencente ao grupo The Lancet, em julho de 2020, indica que a sessão online é tão efetiva quanto um encontro presencial em casos de depressão, na TCC (terapia cognitivo comportamental). Nessa abordagem, o profissional trabalha como o paciente interpreta os acontecimentos e, após identificar padrões de comportamento e pensamento, sugere técnicas para mudar esses hábitos.

Conduzida por pesquisadores da Universidade McMaster, do Canadá, a meta-análise avaliou 17 estudos que levaram em conta videoconferência, email e mensagens de texto. Entre as vantagens apontadas, o relatório cita a diminuição de barreiras físicas, já que o paciente não precisa se deslocar, e a versatilidade em relação ao tempo dedicado à conversa com o profissional. Em outras palavras, incentivo para ficar em casa, como no período pandêmico.

Não são todos, porém, que conseguiram manter a privacidade para a terapia online nos últimos meses. A psicóloga Marcelli Rodrigues diz que muitos não se sentem seguros em fazer uma sessão em casa, já que outros moradores podem escutar a conversa. Há, por exemplo, pessoas que se trancam no carro para não ter a intimidade violada.

Ela, que atua desde 2012 em João Pessoa (PB), viu aumentar a demanda com o início da pandemia. "As pessoas começaram a ficar num nível de ansiedade tão extremo que começaram a paralisar. Tem gente que precisou ser afastada do trabalho, da escola." Muitos psicólogos, inclusive, pausaram as atividades porque também não estavam bem emocionalmente.

Durante a pandemia, ela precisou adaptar estratégias para engajar as pessoas do outro lado da tela, e muitos se adequaram rapidamente aos encontros virtuais. Obviamente, a terapia online não foi unanimidade, principalmente entre os mais jovens. "Embora tenham sido desenvolvidas atividades pelo computador, nem toda criança tem notebook ou gosta de ficar com fone no ouvido na sessão."

Raíssa Toscano, 26, por exemplo, está no grupo que quer sessões presenciais quando a situação pandêmica permitir. "Você tem uma sensação de acolhimento, e isso dentro desse processo terapêutico é muito importante. Há a construção de um elo mais próximo com o terapeuta", afirma a dentista de Campina Grande (PB).

O início da pandemia coincidiu com o ingresso dela em um mestrado em outra cidade, o que fez surgir questionamentos pessoais e profissionais. Ela explica que, antes, exagerava seus problemas e, consequentemente, ficava com um sentimento mais negativo sobre si mesma. "Agora, consigo reorganizar os pensamentos, enxergar a realidade de forma real, consigo me colocar na situação de uma forma menos prejudicial pra mim mesma."

O atendimento virtual acabou ampliando as opções na hora de encontrar um psicólogo. Com problemas relacionados ao comportamento, como TOC (transtorno obsessivo-compulsivo), o morador de Limeira (SP) Rafhael Turati, 32, começou as sessões online com uma profissional de Araras, também no interior paulista, há três meses.

Mesmo preferindo encontros presenciais, como o processo de sair de casa e ir para a terapia, o engenheiro civil pretende continuar com a atual psicóloga, pela internet. "Eu sinto que vou ter coisas para continuar trabalhando com ela."

Já Isabel Alfieri, 21, diz que só conseguiu fazer terapia por causa da opção digital. Moradora da zona norte de São Paulo, ela estuda na oeste e trabalha na leste, o que a obrigava ficar em constante movimento pela cidade antes da pandemia.

"No fim de semana, que era meu único momento de lazer, de colocar os assuntos da faculdade em dia, a última coisa que eu queria era gastar uma hora de consulta no sábado, mais o tempo de ir e de voltar", afirma.

A universitária diz que há muito tempo tem crises de ansiedade, e que a quarentena em casa a fez pensar mais em sua vida e em seus relacionamentos. "Cheguei a um ponto em que eu sabia que precisava de terapia, não estava conseguindo lidar com meus problemas." Em fevereiro ela começou a ter encontros aos sábados com uma profissional, e pretende seguir neste modelo até quando for possível.

Outra opção envolvendo a internet são os aplicativos de celular. Uma pesquisa recente avaliou a efetividade da TCC focando a versão por escrito do tratamento, como por meio de apps. E, assim como o estudo canadense, também constatou que a modalidade pode ser tão eficaz quanto uma sessão presencial em casos leves e moderados de depressão.

Publicada na revista The Lancet Psychiatry, essa meta-análise avaliou 76 estudos para descobrir quais componentes podem ajudar ou prejudicar tratamentos de depressão, ansiedade e insônia, e os resultados são encorajadores.

Toshi Furukawa, professor da Universidade Kyoto que conduziu o estudo, salienta, porém, que há centenas de opções em lojas de aplicativos. "Não tem como todas serem eficazes, mas há mais do que alguns serviços comercialmente disponíveis, não apenas de TCC, mas que fornecem apoio ou conselhos de maneira profissional." De qualquer forma, o que importa é procurar ajuda quando precisar.

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