Justiça

SulAmérica nega procedimento a idosa com câncer e Justiça autoriza procedimento feito por médico não especialista

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Justiça indica médico não especialista para cirurgia de idosa e diz que o plano de saúde arcará com as consequências cível e criminal em caso de erro   |   Bnews - Divulgação Reprodução/ Google

Publicado em 03/09/2018, às 19h02   Rafael Albuquerque



Há cerca de seis meses uma idosa de 78 anos, que prefere não se identificar, vive um calvário em busca de um tratamento de saúde. Essa não é mais uma história de tantas mulheres baianas que buscam atendimento, ainda durante a madrugada, nas longas filas de hospitais públicos geridos pelo governo do Estado da Bahia. Trata-se de uma senhora de classe média-alta usuária do plano de saúde SulAmérica, um dos mais caros do mercado. 

Depois de diversos exames, o médico da paciente indicou a necessidade de buscar um cirurgião de cabeça e pescoço para realização de uma parotidectomia parcial com conservação de nervo facial, procedimento bastante específico que compreende na remoção da porção da glândula superficial no plano do nervo facial, sem sacrifício de seus ramos. 

Nem os mais de 20 anos de filiada ao plano de saúde fizeram com que a idosa tivesse um tratamento digno, tendo em vista seus sérios problemas de saúde. Curada de um câncer, com possibilidade recidiva, ou seja, surgimento de novos tumores, a idosa tem passado por momentos complicados em busca de um cirurgião de cabeça e pescoço para a realização do procedimento, pedido que foi negado de pronto pela SulAmérica Saúde. 

Diante da negativa, da gravidade de seu estado de saúde e da necessidade da realização da cirurgia, a idosa buscou um advogado e acionou a seguradora. Responsável pela defesa da idosa, o advogado Alano Frank concedeu entrevista ao BNews e falou sobre o caso, que foi parar no Juizado Especial do Consumidor (11ª Vara do Sistema do Juizados Especiais) com pedido específico para realização de procedimentos de cabeça e pescoço, mais especificamente de parotidectomia parcial com conservação do nervo facial.

Na ação em que representa a idosa, o advogado pleiteia, ainda, danos morais pela omissão da empresa, “com base em posição pacificada do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que sequer exige a prova do dano moral, considera o dano implícito à conduta omissiva”, disse ao BNews. De acordo com Alano, o magistrado da 11ª Vara determinou, em caráter liminar, que a SulAmérica liberasse a cirurgia. Para surpresa do advogado, o plano de saúde liberou o procedimento, porém indicou o clínico-geral Álvaro Nonato de Souza em vez de um cirurgião de cabeça e pescoço, profissional da saúde que foi o indicado para o caso da idosa. 


De acordo com o advogado, os cirurgiões de cabeça e pescoço, tal qual os anestesistas, “não mais atendem aos clientes via plano de saúde. Criaram uma cooperativa, o que nos levou a indicar o médico especialista em cabeça e pescoço Lucas Silva (Cremeb 15863), especialmente em razão da cautela que se deve ter com os nervos e artérias da face (possibilidade de paralisia), além do risco de morte decorrente da idade”.

“Deferida a liminar e após realização de audiência de instrução, já estando os autos conclusos para julgamento, a SulAmérica, de forma inusitada e em conduta de má-fé, deixando de lado os riscos à saúde da idosa, peticionou no processo indicando ao juiz um médico não especialista em cirurgia de cabeça e pescoço, apesar saber que o médico Álvaro Nonato é cirurgião geral, informação obtida através da Fundação José Silveira - Hospital Santo Amaro”, afirmou Alano Frank à reportagem do BNews.

Inconformada com a recusa do plano de saúde, a idosa impugnou a indicação do médico cirurgião geral. Em vez de julgar o processo, o magistrado responsável pelo processo determinou uma diligência para que o Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATJUS), órgão do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), fizesse uma análise e opinasse sobre a necessidade ou não de médico especialista para realizar o procedimento de parotidectomia parcial com conservação do nervo facial.

“De forma lamentável, prejudicando a idosa e a celeridade processual, o órgão técnico do TJ-BA não enfrentou a principal questão impugnada pela parte e que o magistrado pediu auxílio para se pronunciar, apesar de ter dito que ‘pelo fato de existir possibilidade de lesão de natureza maligna, recomenda-se que a conduta terapêutica seja oferecida com brevidade’”, lamentou. Para surpresa da denunciante, o magistrado da 11ª Vara do Sistema dos Juizados Especiais do Consumidor, determinou a realização do procedimento pelo médico indicado pelo plano, um cirurgião geral, ressaltando que eventuais consequências, que podem ser sequela ou morte da idosa, seriam tratadas na esfera cível e penal contra os responsáveis. 

“O fato do mesmo profissional ter sido indicado pela demandada como médico especializado para tanto, ao meu sentir, desata a instaurada controvérsia, pois, tratando-se dita demandada de uma empresa idônea, entendo mais que a mesma ao fazer expressamente essa afirmação, evidente que estará sujeita a arcar com as consequências de tal afirmação, seja na esfera civil, seja na esfera penal. Diante do exposto, entendo ainda que dita demandada cumpriu a deferida liminar, ressaltando que caso a demandante prefira realizar o aludido procedimento através de profissional médico especializado da sua confiança, esta deverá sujeitar-se ao sistema de reembolso das despesas necessárias para tanto, assim, obedecendo a previsão contratual estabelecida no negócio jurídico que vincula as partes ora litigantes”, destacou o juiz em sua decisão.

Desapontada com a decisão, a idosa, através de seu advogado, entrou com um recurso ao próprio magistrado no dia 20/07, esclarecendo os riscos da postura adotada à saúde, e que não possuía nenhum interesse que seus herdeiros venham a receber eventual indenização pelo seu falecimento e que, consequentemente, os responsávels por um possível erro na cirurgia fossem condenados criminalmente. Esclareceu, ainda, que a cada dia que passa sem a identificação da malignidade do tumor que possui corre riscos da aceleração do câncer e dificuldade no tratamento, com sérios risco de vida pela idade avançada. Além disso, o advogado Alano Frank pediu que o juiz ouvisse o Conselho Regional de Medicina – Bahia (Cremeb-BA) e o próprio médico, para que ambos se manifestassem.

No recurso, a idosa evidenciou que a escolha e indicação do médico especialista em cabeça e pescoço não se trata de capricho, nem possui custo elevado para a SulAmérica. A idosa alegou ao BNews que foi absurda a decisão do juiz em considerar que o plano cumpriu a liminar deferida ao indicar médico não especializado, e ainda constar no seu bojo “que caso a demandante prefira realizar o aludido procedimento através de profissional médico especializado da sua confiança, esta deverá sujeitar-se ao sistema de reembolso das despesas necessárias para tanto”. Denotou certo desprezo à consumidora, afirmou Alano Frank, que viu com preocupação o fato de o juiz não ter ouvido o Cremeb e nem o médico indicado. 

O BNews consultou o advogado Júlio Soares, que atua na área consumerista. Soares falou sobre a importância da inversão do ônus da prova em favor do consumidor em casos como esses: “o Código de Defesa do Consumidor prevê a facilitação da defesa dos direitos do consumidor, inclusive com a inversão do ônus da prova, quando verossímil as suas alegações ou quando for o mesmo hipossuficiente em relação ao fornecedor do produto ou serviço. Desta forma, no nosso entender, neste caso concreto, a aplicação da inversão do ônus da prova era medida impositiva, já que atende aos critérios da lei”.

Ele também falou sobre a responsabilização no caso do acontecimento de algum infortúnio: “a reclamante buscou a Justiça exatamente para evitar, para prevenir um possível dano à sua saúde, caso fosse operada por um médico não especialista em cirurgias de cabeça e pescoço, uma vez que o plano de saúde somente autorizou a realização do procedimento por um cirurgião geral. Infelizmente, ao nosso ver, de maneira equivocada, o Juiz de primeiro grau entendeu que a realização da cirurgia pelo profissional indicado pela seguradora correria por sua conta e risco, já que, na hipótese de a consumidora sofrer algum dano por conta disto, seria ela, a seguradora, responsável em repará-lo. Ocorre que o caso trata de saúde, onde a solução deveria e deve sempre passar, sempre que possível, pela prevenção do dano e, não, pela sua reparação”.

Após 30 dias aguardando o recurso, na semana passada saiu a sentença, que foi prolatada pelo juiz substituto que, de acordo com o advogado da idosa, “ignorou o recurso, o que torna a sentença nula  e, para piorar a situação da idosa, manteve o posicionamento anterior da indicação do médico não especialista, e não condenou o plano de saúde em danos morais, alegando mero aborrecimento, ferindo o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça”.

Agora, relata o advogado, a idosa passa, além dos sérios problemas de saúde, por uma instabilidade emocional causada pelo estresse da negativa da SulAmérica. Procurado, o plano de saúde se resumiu a afirmar que "a SulAmérica não comenta decisões judiciais". Já o médico Álvaro Nonato afirmou à reportagem que “deve haver algum engano”, pois sequer foi comunicado sobre sua indicação pelo plano de saúde. Questionado sobre sua capacitação para realizar tal procedimento, ele explicou: “eu não faço. A legislação permite que um cirurgião geral realize o procedimento, mas depende muito do centro de saúde em questão. São poucos que fazem”. Sobre a não apreciação do recurso pelo juiz, o TJ-BA respondeu que “as informações sobre o processo em questão são especificas, das quais não temos conhecimento para emitir opinião. Se a parte achar que houve equívoco por parte do magistrado existem meios legais para recorrer das Decisões”.

O Cremeb afirmou ao BNews que o natural é que o convênio respeite a preferência e indicação do paciente: "diante da solicitação de pauta, o Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia informa que: não caracteriza infração ao Código de Ética Médica o fato de um cirurgião-geral realizar um procedimento de cabeça e pescoço, desde que o mesmo se considere apto para tal. O que está vedado ao médico é realizar anúncios como cirurgião de cabeça e pescoço - ou quaisquer outras especialidades -, sem que o mesmo esteja registrado como tal especialista no Cremeb e também no seu respectivo convênio com plano e/ou prestadora de saúde. O Cremeb pontua ainda que o habitual deve ser o plano de saúde respeitar a preferência e indicação da paciente, bem como dispor de especialistas para determinados procedimentos".

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