Justiça

“Criminalização da pobreza”: defensora denuncia racismo da polícia e do judiciário após prisão de homem

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Acusado de furtar bicicleta do Itaú foi detido após polícia dizer que ele não “aparentava ter condições” de alugar equipamento  |   Bnews - Divulgação Divulgação

Publicado em 11/11/2019, às 18h57   Yasmin Garrido


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Um homem, acusado de ter furtado uma bicicleta do Itaú, aquelas disponibilizadas para utilização nas ruas, mediante pagamento feito por aplicativo, foi preso, mesmo tendo afirmando que familiares efetuaram a quitação do débito antes do aluguel do equipamento. Ele, inclusive alegou que poderia comprovar o pagamento, mas, segundo consta no auto de prisão em flagrante, foi “agredido” por um dos policiais e encaminhado à delegacia.

À frente do caso, a defensora pública do Rio de Janeiro, Paula Camargo, afirmou ao BNews que vai tentar, novamente, nesta segunda-feira (11), a soltura do suspeito. De acordo com ela, em caso de negativa da juíza, será impetrado um habeas corpus ainda nesta segunda.

No último dia 4 de novembro, o homem, que não teve a identidade revelada, foi detido enquanto dirigia uma bicicleta do Itaú, na região de Copacabana, na cidade do Rio de Janeiro. Ao ser abordado pela polícia, ele informou que o aluguel tinha sido pago por familiares, já que ele não portava celular.

No documento da detenção, que o BNews teve acesso na íntegra, consta que os policiais acharam a atitude do homem “suspeita”, porque ele não “aparentava possuir” nem cartão de crédito nem celular para o aluguel do meio de transporte. Mesmo tendo sido alegado o pagamento por familiares, os policiais encaminharam o suspeito à central de flagrante, onde ele passou por audiência de custódia dois dias após a prisão.

No procedimento, que é padrão e decide quem fica ou não preso, a juíza Rachel Assad da Cunha, confirmou que o acusado deveria ser mantido preso, uma vez que já apresentava dez passagens pela polícia, principalmente pelos crimes de furto e roubo, inclusive com duas condenações.

No entanto, a detenção, segundo a defensora Paula Camargo, aconteceu sem que fossem apresentadas provas, inclusive para a manutenção da prisão em flagrante. Ainda de acordo com ela, a situação se trata de um caso nítido de racismo praticado tanto pelas autoridades policiais quanto pela juíza que determinou o encaminhamento do homem ao sistema prisional.

“Essas pessoas não podem usar bicicleta ou patinete, porque o estado policial diz que elas aparentam não ter condições de alugar. Então, necessária e presumidamente, estão imbuídas do desejo de furtar”, criticou a defensora. Para Paula, a prisão aconteceu, em primeiro lugar, pela aparência do homem, que é negro, e pelo fato de ele ter histórico criminal. “Pobre senhor. Seu choro desolado e sua alegação de que parentes seus tinham alugado a bicicleta não convenceram a juíza”, afirmou.

“Criminoso tem cara, meus amigos. E essa cara é, quase sempre, negra, pobre, com dependência química e favelada”, continuou a defensora, que pediu, durante a audiência de custódia, que o acusado fosse ouvido sem algemas, o que não foi acatado pela juíza. No entendimento da magistrada Rachel Assad, “a retirada das algemas representa risco a todos os envolvidos na realização desta audiência”. Ela justificou afirmando que o homem tinha cometido “crime grave”. 

O crime de furto tem pena máxima de oito anos em sua modalidade qualificada - que não é o caso -, segundo o Código Penal, sendo classificado com de médio potencial ofensivo. A condição de haver violência ou grave ameaça é justamente o que difere os crimes de furto e roubo.

No caso em questão, para Paula Camargo, não havia a necessidade de detenção, uma vez comprovado o pagamento da bicicleta por familiares do acusado. Ainda segundo ela, a manutenção das algemas durante audiência de custódia apenas comprovou o preconceito estruturado tanto da polícia quanto no judiciário.

Por fim, a defensora afirmou que o fato de a juíza Rachel ter convertido a prisão em flagrante em preventiva só reforça que há uma “criminalização da pobreza” no estado democrático de direito - e que ela tem “cor e cara” específicos - o pobre. Há mais de 10 anos na prática jurídica, Paula contou ao BNews que jamais viveu situação semelhante, na qual, mesmo com todas as provas materiais, presenciar a decretação de uma prisão preventiva desta forma.

A defensoria disse, ainda, que isso só aumenta a situação críticas dos presídios brasileiros, nos quais mais de 50% dos presos estão em caráter provisório, sem sequer terem tido direito ao devido processo legal. No estado do Rio de Janeiro, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, este percentual é de mais de 70%,

Na justificativa para a manutenção da prisão, a juíza Rachel Assad escreveu: “Destaca-se o péssimo histórico criminal do custodiado, que já ostenta dez anotações em sua folha de antecedentes (...) sua reincidência específica não apenas autoriza como torna necessária a sua custódia cautelar para evitar a reiteração delitiva”.

O BNews não conseguiu contato com a juíza Rachel Assad da Cunha.

Classificação Indicativa: Livre

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