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Direitos da comunidade LGBTQI+ no Brasil: o que mudou e o que pode mudar

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No Dia do Orgulho LGBTQI+ o BNews faz uma série histórica das conquistas ligadas à causa  |   Bnews - Divulgação Reprodução

Publicado em 28/06/2020, às 07h00   Yasmin Garrido


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Em 28 de junho é celebrado o Dia do Orgulho LGBTQI+, sigla que faz referência à luta de lésbicas, gays, bissexuais (e pansexuais), transsexuais, queers, pessoas intersexo e de todas as identidades e orientações sexuais, pela garantia de direitos e da diversidade.

Apesar de a luta ser bem mais antiga, a celebração teve início em 1969, a partir da revolta de Stonewall, um protesto de combate a violência policial contra pessoas da comunidade LGBTQI+ em um bar de Nova Iorque, nos Estados Unidos.

Foi a partir daí que a comunidade gay de Nova Iorque foi às ruas protestar nos arredores do Stonewall Inn por seis dias, dando início a uma série de manifestações pelo país. Seis meses após a revolta de Stonewall, surgiram as primeiras organizações pela causa, como a Frente de Liberação Gay.

É importante mencionar que, que até 1962, em todos os estados americanos, relações entre pessoas do mesmo sexo eram consideradas crime. Em 1969, Illinois foi o primeiro estado a abolir a tipificação penal, enquanto em Nova Iorque, estado de origem do movimento, isso aconteceu apenas nos anos de 1980. Mas, somente em 2003 a lei foi abolida de vez, ou seja, 34 depois da revolta.

Já no Brasil, o movimento pelos direitos LGBTQI+ começou na década de 70, em meio à Ditadura Militar, com reuniões da comunidade em bares clandestinos e publicações alternativas, como “O Lampião da Esquina” e o “Somos”. Apesar disso, foi somente nos anos de 1980 que duas manifestações receberam destaque.

A primeira aconteceu em 1982, com a realização de uma passeata, em São Paulo, em protesto contra a violência que atingia gays, lésbicas e travestis. A outra foi em 19 de agosto de 1983, quando mulheres ativistas invadiram o Ferro’s Bar, também em São Paulo, para ler um manifesto em defesa dos direitos das lésbicas. A data é conhecida como Dia do Orgulho Lésbico no Brasil.

E, após cinco décadas, a comunidade LGBTQI+ travou muitas batalhas pelo reconhecimento de direitos e pelo combate ao preconceito. Algumas levaram a mudanças necessárias na sociedade e na legislação brasileira, a exemplo da garantia do uso do nome social, do reconhecimento de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito federal, da criminalização da discriminação contra pessoas LGBTQI+, enquanto outras ainda estão em curso e fervem.

Mudanças no Brasil
Em 2002, o processo de redesignação sexual foi autorizado pelo Conselho Federal de Medicina, mas somente em agosto de 2008 o Sistema Único de Saúde (SUS) passou a realizar o procedimento. A partir de 2013, o Ministério da Saúde, ampliou o processo transexualizador no SUS, e posteriormente, em 2019, autorizou cirurgias de redesignação sexual do gênero feminino para masculino. 

Outra conquista importante foi a extensão da Lei Maria da Penha, criada em 2006, que passou a incluir travestis e transexuais no rol das vítimas de violência doméstica. Não há data exata para a primeira aplicação da lei para o público trans. No entanto, foi somente no ano passado que a Câmara de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou a aplicabilidade da Lei Maria da Penha à comunidade LGBTQI+.

Na questão da adoção de crianças por casais homossexuais, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) aprovou, em 2010, por unanimidade a permissão, enquanto no Supremo Tribunal Federal (STF) a aprovação aconteceu apenas em 2015, quando a ministra Carmen Lúcia afirmou que “a Constituição Federal não faz diferenciação entre casais heterossexuais ou homoafetivos”.

Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou uma resolução que permitiu aos cartórios de todo o país oficializar o casamento civil ou a união estável entre casais homoafetivos. Três anos mais tarde, em 2016, o governo federal publicou decreto garantindo o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública.

Mas, foi apenas em agosto de 2018 que o nome social passou a ser autorizado para inclusão no registro civil sem a necessidade de cirurgia de redesignação sexual ou de decisão judicial. No entanto, se tiver a decisão, a alteração pode ser feita em qualquer cartório.

Apesar dos avanços na legislação, a discriminação contra pessoas LGBTQI+ foi enquadrada como crime apenas no ano passado, quando o STF incluiu no rol da Lei do Racismo, prevendo penas de até cinco anos de prisão. O avanço foi comemorado, mas ainda não há nenhuma norma específica que proteja diretamente a comunidade aprovada pelo Congresso Nacional.

A última conquista na legislação aconteceu em maio de 2020, quando o STF declarou inconstitucional e suspendeu as normas do Ministério da Saúde e Anvisa que exigiam aos homossexuais a abstinência sexual de um ano para doarem sangue.

Realidade
No entanto, apesar das alterações normativas, o público LGBTQI+ tem um longo caminho de batalhas pela frente, para ver os direitos serem reconhecidos. No Brasil, de acordo com dados do Grupo Gay da Bahia (GGB), a cada 20 horas ocorre uma morte por lgbtfobia no país. Ainda segundo a entidade, a maior parte das violências contra os LGBTs se encontra primeiramente entre travestis e transexuais mortas na pista ou em locais usuais de prestação de serviços sexuais. Isso acontece porque, conforme a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), 90% das pessoas trans recorrem à prostituição em algum momento da vida.

De acordo com Lucas de Alencar Oliveira, integrante da Comissão Especial da Diversidade Sexual do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o país carece de legislação federal para a defesa e promoção de direitos do público LGBTQI+.

“É possível identificar algumas iniciativas do poder legislativo em Estados e Municípios voltadas ao enfrentamento da violência contra essa população, mas a efetividade da proteção legal, em regra, ainda é bastante questionável e aquelas pessoas que sofrem diariamente com a homofobia, a lesbofobia e a transfobia, continuam invisíveis para parcela significativa dos políticos brasileiros”, afirmou.

Veja abaixo a linha do tempo das conquistas dos LGBTQI+ no Brasil:

  • 1985 – O Conselho Federal de Medicina retira a homossexualidade da lista de doenças.
  • 1990  – A Organização Mundial da Saúde (OMS) retira a homossexualidade da lista de transtornos mentais.
  • 1992 – No Piauí, Kátia Tapeti é eleita a primeira vereadora transsexual do Brasil.
  • 1995 - As primeiras Paradas do Orgulho LGBTQI+ são realizadas em Curitiba e no Rio.
  • 1997 – A cidade de São Paulo sediou a primeira Parada Gay. Em 2006, o evento entrou para o Guinness Book como o maior do gênero.
  • 2001 – Promulgada lei, no estado de São Paulo, lei 10.948 que penaliza práticas discriminatórias em razão da orientação sexual e identidade de gênero.
  • 2002 – O processo de redesignação sexual, a chamada cirurgia de “mudança de sexo”, é autorizado pelo Conselho Federal de Medicina. Em 2008, a cirurgia passa a ser oferecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
  • 2010 - STJ permite adoção de crianças por casais homoafetivos.
  • 2011 – O Supremo Tribunal Federal (STF) reconhece a união homoafetiva.
  • 2013 - O CNJ autoriza cartórios a realizarem a união civil e estável entre casais homoafetivos.
  • 2015 - STF reconhece a adoção de crianças por casais homoafetivos.
  • 2016 - Governo Federal expede decreto com a autorização para uso do nome social em órgãos da administração pública.
  • 2018 – O STF decide que transsexuais e transgêneros podem mudar seus nomes de registro civil sem necessidade de cirurgia.
  • 2018 - O nome social é liberado para ser incluído no registro civil da pessoa trans.
  • 2019 – O Supremo enquadra a homofobia e a transfobia na lei de crimes de racismo.
  • 2020 – O STF declara inconstitucionais as normas que proíbem gays de doar sangue.

Classificação Indicativa: Livre

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