Cultura

Em entrevista a Mário Kertész, Marcelo Nova diz que Salvador piorou

Imagem Em entrevista a Mário Kertész, Marcelo Nova diz que Salvador piorou
“Acho que na época eu fui até muito parcimonioso”, disse roqueiro ao falar de suas críticas à cidade no passado   |   Bnews - Divulgação

Publicado em 24/10/2013, às 09h09   Lucas Esteves (Twitter: @lucasesteves)


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O retorno do projeto “MK Entrevista”, capitaneado pelo apresentador Mário Kertész, trouxe no fim da tarde desta quarta-feira (23) a Salvador o roqueiro Marcelo Nova. Fundador da banda Camisa de Vênus, Nova é uma das vozes culturais egressas da Bahia que mais criticou o etado e a imagem de alegria imortalizada no imaginário popular. Ele, entretanto, diz que suas críticas feitas no começo dos anos 80 são brandas se comparadas ao estado atual da capital baiana.
O libelo de Marcelo Nova está registrado na canção “Controle Total”, do início do grupo, em que cantava “Salvador, a cidade do Axé, a cidade do horror”. “Eu queria esculhambar com a cultura baiana”, disse a Kertész, mas acabou depois descobrindo que a decadência de Salvador foi tamanha que, hoje, considera a rejeição às suas palavras até mesmo exageradas.
Marcelo Nova se referiu a um passeio que fez pela região da Barra no ano passado quando da ocasião de um show. Criado no bairro, o cantor se pegou consternado com o estado de abandono e depredação do local, que antigamente não tinha tantos problemas quanto hoje. O último show de Marcelo Nova na cidade ocorreu no Groove Bar, localizado no mesmo bairro, o que inspirou o músico a dar seus pulinhos na vizinhança.
“Eu não moro em Salvador. Eu venho aqui, toco e vou embora. Então decidi ir dar um passeio naquela região em que eu fui criado. E qual foi a minha surpresa em ver o estado de degradação das calçadas. Um rio de urina que corria paralelo ao asfalto. Eu fiquei chocado com o nível de sujeira, de pobreza. Então eu pensei: 'velho, Salvador desceu tanto a este nível'? Então eu acho que, a partir do que eu vi neste passeio, eu acho que na época eu fui até muito parcimonioso”, narrou.
Juntamente dos amigos Miguel Cordeiro – artista plástico – e Osvaldo Júnior – economista - , Marcelo ressaltou que o caráter crítico da baianidade não o faz menos baiano. Prova disso é o sotaque que jamais perdeu, ainda que more em São Paulo há praticamente 30 anos e lá tenha centrado suas bases e formado sua família. Por conta disto, afirma, foi possível ter referências para conhecer a Bahia melhor e ter uma opinião crítica em relação a ela.
“O baiano é um povo muito autocentrado. Ele não quer saber do que acontece no mundo lá fora. Ele acha que tudo começa e termina na Bahia, só quer saber da música, da magia e dos atabaques que tocam em todo lugar. Então, para se ter uma melhor avaliação, é preciso ter um referencial externo”, analisou. Este referencial, segundo ele, é possível ser obtido em uma mudança de ares ou até mesmo em uma busca cultural a outras fontes, o que marcou a geração contracultural baiana do início da década de 80.
Momento de ousadia - O espírito crítico, a falta de talento para negociar com estruturas e burocracias levaram Marcelo Nova a um caminho artístico improvável e, exatamente por isto, bastante respeitável. Ao se recusar a fazer jogos de estruturas de mídias e outros “facilitadores”, o baiano seguiu por uma trilha “underground” mas, ainda assim, é capaz de manter uma carreira atual de muitos shows, 18 discos de estúdio e uma aura inquebrantável de reverência quando o assunto é rock brasileiro.
Para chegar até esta definição, um fato foi fundamental para sedimentar, em sua mente juvenil, o entendimento de que o caminho não seria fácil, mas certamente se desenhava único. Tratou-se do pedido que a gravadora Som Livre fez no início dos anos 80 para que o Camisa de Vênus, então recém-contratado, mudasse de nome em razão do caráter então ofensivo da alcunha.
Com perspectivas de fazer os melhores circuitos da Rede Globo para alcançar o dito sucesso comercial, a única exigência da gravadora era a mudança do nome do grupo “porque a mulher do doutor Roberto Marinho achava feio”, recordou. No momento, Marcelo Nova disse ter concordado com a determinação e, questionado sobre possibilidades para o novo nome, disparou um inaceitável “capa de pica”, em declaração hoje já clássica na antologia do B-Rock.
“Hoje eu entendo que quela declaração daquele menino metido, arrogante, chato, em um momento em que qualquer um diria 'sim' de todas as maneiras, não só solidificou em mim opiniões como também mostrou que não existe uma fórmula pronta para todo mundo. Eu poderia muito bem conseguir um caminho só meu. Então, naquela época, eu disse 'dane-se a Rede Globo', que poderia muito bem me afastar do circuito, me alijar. E foi exatamente o que aconteceu”, lembrou.
Apesar disto, Nova lembrou que ao longo do tempo conseguiu encontrar rádios e outros veículos de mídia que apostavam no alternativo, que ousavam com suas programações e que, longe de apenas procurar agradar o público, também buscavam ousar, em conceito que classifica de verdadeiramente artístico. Sobrou, neste momento, um elogio a Kertész. “É como a sua rádio. Você foge do padrão, da fórmula. Nego pode não gostar de você, mas ele te escuta”.

Publicada no dia 23 de outubro de 2013, às 18h51

Classificação Indicativa: Livre

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