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Estagnação produtiva brasileira: evidências de políticas de incentivo equivocadas

Imagem Estagnação produtiva brasileira: evidências de políticas de incentivo equivocadas
Bnews - Divulgação

Publicado em 25/09/2018, às 21h29   Ludmila Giuli Pedroso*


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Entre 1900 e 1980, o Brasil cresceu muito. Evidente que queda no analfabetismo, aumento na expectativa de vida, queda drástica da mortalidade infantil são ganhos sociais inegáveis da transformação estrutural e urbanização no país. Mas, a partir da década de 1980 o setor produtivo cai em estagnação, resultado de estratégias políticas equivocadas dos governos no poder. Como consequência disso, o Brasil neste início do século XXI caminha com transformações estruturais fragilizadas. 

A mudança estrutural foi experimentada entre as décadas de 1930 a 1970, que sem dúvida foi graças ao processo de substituição de importações. Segundo Reinaldo Gonçalves em seu livro “Desenvolvimento às avessas” (2013), a participação da indústria no Produto Interno Bruto (PIB), saltou de 12%, em 1929, para 26%, entre 1979-1980. 

Na realidade, se considerar o período de 1900 a 2011, a taxa de crescimento real do PIB per capita da indústria de transformação foi de 3,1%. Porém, somente nas décadas que compõe o período de 1930-1980, as taxas de crescimento superam 6%. Assim, se pode concluir que a mudança de estrutura produtiva, devido à queda da importância relativa da agropecuária, é que permitiu o avanço de outras indústrias – construção, extrativa mineral, serviços industriais públicos – e maior parte do setor de serviços. 

Entretanto, ao longo dos anos 1980 – principalmente no fim dessa década – os custos de um processo de instabilidade e a perda de um Estado comprometido com o avanço do país, interrompem os avanços até então conquistados. As crises econômicas foram profundas e amplas, ganhando dimensões cambial, financeira, real, monetária e fiscal. Além de que, os interesses de grupos dominantes no poder somados a pressões internacionais direcionaram para tomada de medidas liberalizantes em um momento que o mundo era abarcado pela globalização.

A exemplo disso, países que estavam em um patamar de desenvolvimento industrial e tecnológico inferior ao Brasil entre os anos 1940-1970, como China, investiram em suas capacidades produtivas, gerenciais e tecnológicas. Permitindo ganhar competitividade no mercado internacional ao final dos anos 1980 e avançaram tecnologicamente na era da globalização. Graças à uma participação consistente do Estado e sem depender do financiamento estrangeiro. O que permitiu estabelecer um padrão de competição, inicialmente, com baixo custo de mão de obra e economias de escala, para um nível de produtos intensivo em mão de obra qualificada e tecnologia.

Já o Brasil caminhou no sentido oposto. O processo de liberalização foi passivo e reversão de todo o processo de industrialização. O que colocou o país à mercê de transformações globais. Como resultado, Gonçalves (2013) descreve com sendo o aumento da vulnerabilidade externa estrutural. Ou seja, o país perde capacidade de resistência a pressões e choques externos. As mudanças políticas adotadas na década de 1980 foram totalmente erradas.

Contudo, a questão que fica é: por que o governo adotou políticas equivocadas? Uma possível resposta à realidade brasileira seria as diferentes ideologias no poder. Claro que, à medida que novas correntes de pensamento econômico são implementadas devido aos candidatos eleitos, novas estratégias são traçadas para a retomada do desenvolvimento econômico. Alguns propõem estratégias mais voltadas ao protecionismo econômico, enquanto outros são adeptos à liberalização, privatização de empresas públicas e redução da ação do Estado nas atividades econômicas, outros ainda preferem que o estado seja o propulsor econômico maior. Enfim, diferentes ideologias mostram-se em um cenário redemocratizado em um período eleitoral.

Mas, várias estratégias econômicas tomadas pelos governantes, após a redemocratização brasileira, pouco investiram em infraestrutura e qualificação de mão-de-obra, e ignoram os incentivos para a inovação. Mantendo a economia brasileira com o setor industrial estagnado, com melhoras efêmeras e pontuais, sem a capacidade de competir e com tecnologia manufatureira em um mercado internacional vivendo a 4ª revolução industrial. Sempre restando ao setor agropecuário, detentor de commodities, para recuperar quedas do PIB brasileiro.

Entretanto, as escolhas econômicas não acontecem de maneira frívola. Elas são fruto de decisões tomadas por agentes eleitos para governar, com necessidades de formar coalizões, trazer recursos para seus partidos e eleitores, se reeleger e muitas vezes enriquecer com a política. É impossível entender as decisões distorcidas tomadas por governantes no Brasil sem entender seus incentivos. Os partidos políticos transformaram-se em um negócio, com um aumento significativo de pessoas querendo entrar para a política. Tornando claramente que “estar no poder” se deve a interesses econômicos. Mas não que seja em prol de interesse econômicos para toda uma população, apenas por interesse de uma parcela da sociedade.

A forma que o financiamento de campanhas eleitorais no Brasil, após a redemocratização, é realizado com empresas que esperam levar algo a mais com contratos com o setor público, não é de surpreender que certos setores produtivos recebem cada vez menos incentivo em detrimento de outros. Já que o capital estrangeiro, que domina o capital financeiro na liberalização da economia para adequar-se ao “movimento” globalizado. Sem citar os diversos casos de corrupção cada vez mais exposto no âmbito político. Pois, ao afirmar que a desregulação nas atividades econômicas na agenda liberalista traz o desenvolvimento esperado, ignora que fragiliza o sistema de normatização e controle. Origem da expansão das atividades de lavagem de dinheiro no Brasil em anos recentes.

Assim, muitas firmas foram beneficiadas não por serem mais produtivas, mas por estarem conectadas politicamente dentro dos parâmetros da dominação do capital financeiro. Esta má alocação de recursos gera consequências significativas para a produtividade agregada do país.
Neste cenário, defender a menor participação do Estado na economia poderá não apenas acelerar o processo de desindustrialização, mas tornar ainda mais difícil a possibilidade de as indústrias brasileiras se adaptarem à revolução tecnológica que avança nos países desenvolvidos A indústria mundial está mudando seu perfil tecnológico diante de um processo de precarização do trabalho, o que implica que muitos empregos serão perdidos. 

O Estado tem um papel-chave na economia para fortalecer suas empresas, criar emprego e renda lá. A retomada da economia passa pela participação dos diferentes setores públicos e privados. Porém, principalmente, exige a recomposição do Estado, atingido por mudanças significativas executadas sem o devido cuidado e o necessário debate. Para assumir essa reconstrução, a sociedade não pode se limitar com o desafios do mercado, isto é, admitir que ele não é algo natural e imutável, mas uma construção política.

* Ludmila Giuli Pedroso – pesquisadora do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Ufba. Doutoranda em Economia pela Universidade Federal da Bahia. Mestre em Economia aplicada pela Universidade Federal de Alagoas

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