Economia & Mercado

O futuro é agora: a “Indústria 4.0“ no Brasil e no mundo

Imagem O futuro é agora: a “Indústria 4.0“ no Brasil e no mundo
Bnews - Divulgação

Publicado em 02/10/2018, às 19h12   Lincoln Fonseca e Pedro Sampaio*



Imagino que, neste momento, você esteja usando um celular ou um computador para acessar este site e se informar sobre os acontecimentos que estão na ordem do dia. Com poucos toques ou cliques, você pode se atualizar e saber as novidades do seu time do coração que, infelizmente, não está muito bem no Brasileirão, como também, por exemplo, saber que a prefeitura fará uma mudança no trânsito que vai modificar sua rotina. As informações podem ser de qualquer natureza, é verdade, mas você já parou para pensar como o acesso aos conteúdos está mudando? Para ficarmos por dentro de tudo, estamos deixando os jornais impressos de lado e passamos menos tempo na frente da TV, mas, por outro lado, está cada vez mais difícil ficar longe do celular. 

As Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), especialmente a Internet e, recentemente, os “celulares inteligentes“ (smartphones), estão cada vez mais presentes na nossa vida e estão revolucionando e transformando o mundo em que vivemos de forma bastante acelerada. Muitas coisas que antes eram consideradas absurdas ou fantasiosas por remeterem aos filmes de ficção científica não apenas deixaram de ser aquela clássica  “cuiuda“, como já existem e estão sendo desenvolvidas e aprimoradas a pleno vapor pelas grandes potências econômicas. Trata-se da chamada “Indústria 4.0“, uma nova formatação industrial que está centrada na automação e eficiência da atividade produtiva através do uso intensivo de robótica avançada, inteligência artificial, internet das coisas, novas redes, armazenamento em nuvem e tecnologias de produção e análise de dados, entre outras tecnologias ultra modernas. Entretanto, para que a Indústria 4.0 seja uma realidade, grandes montantes de dinheiro precisam ser investidos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), o que implica na convergência de diversos e distintos interesses, esforços e tempo despendidos para atingir a modernização industrial. 

A experiência de diversos países que estão na frente da corrida pela inovação nos ensina que é necessário haver ações efetivas que envolvem o Estado, as grandes corporações empresariais e as universidades de ponta. Como uma das maiores controvérsias no debate econômico diz respeito ao papel do Estado capitalista na economia e em que medida ele deve, ou não, intervir no funcionamento da economia, a emergência de incorporar e desenvolver a Indústria 4.0 nos mostra o equívoco ao contrapor Estado e Mercado como duas instituições antagônicas e excludentes. Ao contrário, quando nos deparamos com o fato de que os países de maior destaque na implantação de alta tecnologia na indústria têm seguido estratégias nacionais e políticas industriais que pautam investimentos públicos massivos, atuando em consonância com o setor privado, as fantasias do livre mercado e do Estado mínimo não se sustentam ao encararmos a realidade que não se adequa às receitas neoliberais. 

Nesse sentido, alguns países já possuem projetos bem definidos de inovação e modernização fabril, servindo como referência para outras nações que objetivam seguir o mesmo caminho. A Alemanha já colhe os frutos do plano Plattform Industrie, lançado para o período 2011-2021, que garante, dentre outras medidas, um investimento da ordem de 2,5 bilhões de euros em Pesquisa e Desenvolvimento de inovações em sistemas cyber-físicos para uma indústria cada vez mais integrada. O plano governamental é conduzido em parceria com as principais indústrias do país e tem sido usado como base para outros países esboçarem políticas de mesma natureza. A Coreia do Sul, destaca-se pela ampliação da modernização às pequenas e médias indústrias, focando seus esforços na produção de bens de capital que atualizem a estrutura fabril através de investimentos em internet das coisas e inteligência artificial. O Japão se constituiu historicamente como referência na área de robótica e inteligência artificial, direcionando os grandes investimentos do plano Revolução Robótica para desenvolver essas áreas no âmbito da Indústria 4.0.

Há um segundo grupo de países, composto por economias tradicionais, que já realizam grandes investimentos em alta tecnologia industrial, mas seus governos ainda se encontram nos estágios iniciais da promoção de uma estratégia nacional para a modernização do setor. Países como Estados Unidos, Reino Unido e França enxergam na Indústria 4.0 a possibilidade de resolver entraves econômicos como a desindustrialização e perda de competitividade da indústria, além de problemas de mobilidade e bem-estar populacional. Os EUA lançaram o programa Manufacturing USA, ainda durante a gestão Obama, inspirado no modelo alemão de desenvolvimento industrial. No entanto, a atual política levada adiante pelo governo Trump, o plano Make America Great Again, não possui continuidade com o projeto desenvolvido anteriormente. Esse plano não possui objetivos claros de modernização e investimentos em modernização industrial; ao contrário, seu principal objetivo é promover o retorno das antigas indústrias que evadiram dos EUA e se estabeleceram em países onde foi possível reduzir consideravelmente os custos de produção, sobretudo em função dos baixíssimos salários praticados. A contradição reside no fato de que, por sua própria natureza, a Indústria 4.0 não é intensiva em trabalho como as indústrias que saíram dos EUA e que Trump tem a pretensão de trazê-las de volta. Sendo assim, caso as plantas industriais retornem ao país, imagina-se que elas terão que se adequar ao cenário exposto aqui: modernização industrial significa, entre outras coisas, baixíssima demanda por trabalho humano. 

Há ainda um terceiro grupo de países que identificam na Indústria 4.0 a possibilidade de superar sua condição de país pobre ou pouco desenvolvido. Nesta categoria se enquadram China e Índia, apesar de ambos possuírem políticas bem distintas. A China objetiva a redução de sua dependência externa, pautando a substituição gradual de produtos importados por mercadorias nacionais de altíssima qualidade, tanto no setor de bens de consumo, quanto no setor de bens de capital para a produção industrial. Para isso, o projeto Made In China 2025 realiza um aporte de 22 bilhões de euros para serem investidos na pesquisa de tecnologias para inovação da indústria. A Índia, por outro lado, busca atrair capitais estrangeiros e tenta se mostrar como um lugar próspero para o desenvolvimento de TIC’s, construindo núcleos de start-ups e aumentando os investimentos em P&D como proporção do PIB.

É provável que você esteja se perguntando em qual desses grupos de países o Brasil está inserido. A resposta é “nenhum“, infelizmente. Não existe uma estratégia nacional com foco em inovação e modernização do nosso parque industrial, e algumas das políticas adotadas nos últimos anos parecem atuar no sentido contrário. Falar em Indústria 4.0 pressupõe grandes investimentos em inovação, pesquisa e desenvolvimento, o que tem sido tratado por nossos governantes como uma grande despesa a ser eliminada das contas públicas. Medidas recessivas como a  “PEC dos Gastos“, por exemplo, agravaram o já preocupante quadro das universidades federais, responsáveis pela maior parte dos registros de patentes de inovação do país. 

Estamos vivendo dias que definirão o futuro próximo do nosso país através das Eleições e precisamos ter ciência da posição que os candidatos assumiram. Afinal, seu candidato tem alguma proposta que contemple o desenvolvimento industrial, sobretudo de modernização na perspectiva da Indústria 4.0?

Lincoln Fonseca – pesquisador do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Faculdade de Economia da UFBa. Economista e mestrando em ciências sociais pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBa.

Pedro Sampaio – pesquisador do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Faculdade de Economia da UFBa. Graduando em Economia pela Faculdade de Economia da UFBa.

Classificação Indicativa: Livre

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