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Empresas de auditoria podem perder habilitação por 20 anos se comprovada participação na fraude da Americanas

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Em depoimento na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que investiga a fraude contábil da varejista, o CEO da Americanas, Leonardo Coelho Pereira, afirmou na terça-feira (13) haver indícios de participação da PwC e da KPMG no esquema  |   Bnews - Divulgação Divulgação

Publicado em 15/06/2023, às 09h04   LUCAS BOMBANA/FOLHAPRESS


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A suposta participação das empresas de auditoria PwC e KPMG para dificultar a descoberta da fraude no balanço da Americanas, se comprovada, poderá acarretar em punições severas aos envolvidos e alterar o modelo de atuação do setor no país. Em depoimento na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que investiga a fraude contábil da varejista, o CEO da Americanas, Leonardo Coelho Pereira, afirmou na terça-feira (13) haver indícios de participação da PwC e da KPMG no esquema.

Advogado tributário e empresarial do Martins Cardozo Advogados Associados, Hugo Nakashoji afirma que o objetivo da auditoria é não apenas avaliar as demonstrações financeiras das companhias, mas também informar a realidade econômico-financeira delas ao mercado com o maior grau de transparência possível, mesmo porque essa avaliação pode influenciar diretamente na decisão do investidor em comprar ou em vender ações da companhia auditada.

Nakashoji acrescenta que, em 2021, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) editou a resolução n.º 23, que regula atividade da auditoria independente no âmbito do mercado de valores mobiliários.

A regulação trata sobre os deveres e as responsabilidades dos auditores, bem como das penalidades que podem incorrer na hipótese de realizarem auditoria fraudulenta, que podem ir da aplicação de uma simples advertência a uma inabilitação das atividades por 20 anos a depender do caso concreto, diz o especialista.

"De qualquer forma, é necessário, antes de tudo, verificar se, e como, a empresa de auditoria contratada pela Americanas contribuiu para o esquema fraudulento", afirma o advogado.

Professor da FGV Ebape (Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas), Augusto Sales afirma que é natural esperar uma perda de clientes por parte das auditorias, uma vez que nenhuma empresa vai querer ter sua imagem associada a um escândalo da proporção que o episódio da Americanas tomou. "O maior ativo dessas empresas é a reputação. Se elas perdem a reputação por qualquer motivo, certamente perdem clientes e credibilidade", diz Sales.

"Muito provavelmente a desconfiança em relação às empresas de auditoria vai aumentar e também é provável que o preço do serviço de auditoria aumente, uma vez que o risco da atividade como um todo também aumentou", diz André Moura, professor de contabilidade e finanças da FGV EAESP (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas).

Moura afirma também que é provável que os acionistas que se sentiram lesados pela fraude envolvendo a Americanas acionem as auditorias na Justiça em busca de reparação dos prejuízos.

Ele lembra que a PwC já foi alvo de acionistas que buscam reparação pela atuação da auditoria junto à resseguradora IRB, que também se viu no meio de um escândalo em 2020 por maquiar os números do balanço. "Mais processos devem vir para a PwC dos acionistas da Americanas, confirmada as informações da participação da empresa."

Uma fonte que preferiu não se identificar diz que causou estranheza o fato de que, no mesmo dia em que a empresa divulgou comunicado ao mercado admitindo a fraude, o principal executivo à frente da companhia tenha levado à CPI informações que não constavam no documento, sobre a eventual participação das empresas de auditoria na fraude.

A informação adicional divulgada pelo executivo na CPI, sem que tivesse sido informada anteriormente ao mercado, pode se configurar como uma irregularidade, diz essa fonte, acrescentando que, se comprovada a participação das auditorias, o fato poderia causar um importante rearranjo do setor no mercado brasileiro, uma vez que elas estão entre as maiores da área, junto com a EY (Ernst & Young) e a Deloitte.

"Se tiver qualquer prova que a PwC e a KPMG tiveram alguma participação, mesmo que seja só para dificultar as informações, podemos estar vendo novamente uma Arthur Andersen", diz Marcello Marin, mestre em governança corporativa e diretor financeiro da Spot Finanças.

Ele cita a empresa de auditoria que estava entre as maiores do mercado em escala global e foi arrastada no início dos anos 2000 pelos problemas envolvendo a Enron, então uma das maiores empresas de energia dos Estados Unidos, que manipulou as informações sobre rentabilidade e lucratividade para esconder suas dívidas.

Na época, agências de classificação de crédito, bancos de investimento e a própria SEC (a Comissão de Valores Mobiliários americana) foram acusados de negligência. A Andersen foi acusada de destruir documentos e impedida de auditar.

"Se as acusações forem provadas, a PwC e a KPMG podem ir pelo mesmo caminho e terem muitas dificuldades de se manterem no mercado", diz Marin.

A PwC afirmou que não comenta temas de clientes por questões de confidencialidade e regras de sigilo profissional. Em nota enviada na terça à Folha de S.Paulo, a KPMG disse que "por motivos de cláusulas de sigilo e regras da profissão, está impedida de se manifestar sobre casos envolvendo clientes ou ex-clientes da firma".

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