Educação

Projetos são cancelados sem aviso, e cientistas temem apagão

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Estudos paralisados incluem temas como fertilização in vitro e impactos de desastres ambientais  |   Bnews - Divulgação Divulgação

Publicado em 11/05/2019, às 09h03   Folhapress


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O cenário criado pelo contingenciamento de verbasnas universidades brasileiras só se compara ao que havia nos tempos de hiperinflação dos anos 1980 e 1990, dizem cientistas.

"São muitas histórias ruins. Voltaram problemas que só aconteciam na época da inflação, como cancelar projeto aprovado ou em andamento. No caso de um dos meus, deixaram de pagar um terço da verba vinda do CNPq", conta Fabrício Santos, um dos principais geneticistas do país e professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). 

Projetos sobre o impacto dos desastres de Mariana e Brumadinho na fauna do rio Doce, por exemplo, foram paralisados na universidade.

O CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, é uma das grandes fontes de financiamento federal à pesquisa no Brasil. A outra é a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), ligada ao Ministério da Educação.

Os órgãos, que já passavam por uma trajetória de perda de verbas desde o governo Dilma, sofreram novos reveses na gestão Bolsonaro. Mais de 40% do orçamento do Ministério da Ciência foi contingenciado, e quase 5.000 bolsas de mestrado e doutorado da Capes, consideradas "ociosas", foram congeladas sem aviso prévio nesta semana.

Segundo o coordenador do Programa de Pós-Graduação em Zoologia do Instituto de Biociências da USP, Daniel Lahr, essas bolsas não estavam ociosas: elas serviriam para os alunos ingressantes no edital de seleção vigente.

"Todo o nosso modelo de produção científica está construído sobre essa lógica dependente da pós-graduação. Caso a situação atual se mantenha, seremos asfixiados quanto à continuidade de todos os nossos projetos de pesquisa, que definitivamente dependem de um fluxo constante de alunos", diz Marcelo Lima, do departamento de fisiologia da UFPR (Universidade Federal do Paraná).

"No site da Capes, parece que vivemos na Dinamarca. Tudo plácido, tranquilo. Nenhuma informação. Como um gestor público não informa os milhares de coordenadores sobre o que está acontecendo?", questionou Maria Cátira Bortolini, geneticista da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

Lá, pesquisas sobre o impacto do uso de álcool na gestação e os fatores genéticos que explicam o sucesso da fertilização in vitro foram paralisadas. Depois do anúncio inicial do contingenciamento, o governo anunciou que 1.315 das bolsas inicialmente retiradas do sistema voltariam a ficar disponíveis. O governo diz que preservará as que integram programas de pós-graduação bem avaliados (notas 7 e 6).

Além das universidades, os institutos de pesquisa nacionais, vinculados ao ministério de Ciência e Tecnologia, também sofrem com os cortes. Segundo Alexandre Bonaldo, coordenador da pós-graduação do Museu Paraense Emilio Goeldi, a principal fonte de fomento à pesquisa no instituto é o PCI (Programa de Capacitação Institucional) do CNPq.

As bolsas de PCI garantem a um recém-doutor a oportunidade de se vincular a um laboratório de pesquisa, participar de um projeto e receber por até cinco anos o financiamento. Assim como as bolsas da Capes, as do PCI também "sumiram do sistema" em abril.

"Depois que as bolsas já haviam sido implementadas, o ministério resolveu fazer uma conferência da documentação e retirou as bolsas do sistema. Ele [o ministério] nos informou que os pagamentos serão retroativos, mas temos pesquisas já iniciadas sem pagamento, pessoas que estão sem como pagar o aluguel. Esse procedimento deveria ter sido feito antes", diz.

Em todas as regiões do país, o temor dos pesquisadores é que mesmo quem não perdeu bolsistas se veja incapacitado de trabalhar por falta de insumos básicos. Ocorre que o corte de 30% sobre os chamados gastos discricionários das universidades federais (ou seja, "não obrigatórios") tem potencial de afetar o cotidiano da pesquisa e do ensino.

Juan Carlos Cisneros, paleontólogo da Universidade Federal do Piauí, teme não conseguir comprar insumos para seu laboratório e ficar sem dinheiro para combustível e manutenção de veículos. "A paleontologia não pode funcionar sem trabalho de campo, pois eu não posso esperar de braços cruzados que os fósseis cheguem ao meu laboratório e, mesmo que chegassem, há custos no seu tratamento e estudo. A única perspectiva que tenho de manter as coisas funcionando é depender da parceria que mantenho com pesquisadores no exterior ou, em última instância, usar dinheiro do meu bolso". 

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