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Rita Tourinho

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"Com as mudanças políticas ocorridas no país e na Bahia, as pessoas ficaram mais tolerantes com o governo".  |   Bnews - Divulgação

Publicado em 03/01/2011, às 00h00   Ivana Braga




  Fotos: Edson Ruiz/Bocão News


Professora de Direito Administrativo da Universidade Federal da Bahia (Ufba), há 19 anos a promotora Rita Tourinho está no Ministério Público, sendo considerada uma das mais combativas e atuantes promotoras baianas. Há 12 anos, ela vem se fazendo um trabalho de “formiguinha” no combate à corrupção e ao desvio de recursos públicos, no Grupo de Atuação Especial de Defesa do Patrimônio Público e Moralidade, do qual é a atual coordenadora.

Promotora, o Ministério Público, especialmente a Coordenadoria que a senhora integra, sempre teve grande visibilidade, mas atualmente tenho notado que houve uma retração. A que a senhora atribuiu isso?

O Ministério Público não costuma fazer a divulgação das ações propostas. Nós não escondemos o nosso trabalho, mas não cabe ao MP a iniciativa de anunciar as ações em andamento. Temos muitas ações propostas e estamos fazendo as investigações apropriadas. Posso lhe garantir, falando especificamente da Coordenadoria do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Patrimônio Público, que inclui aí as questões de improbidade administrativa e meio ambiente, que nós temos trabalhado muito e respondido à todas as denúncias que nos chegam.  Não paramos o nosso ritmo e a Coordenadoria cresceu, temos mais gente trabalhando na área. Agora é fato que tem havido mais cuidado por parte dos gestores e as denúncias são menores. Mas para você ter uma idéia, temos várias investigações em curso envolvendo a prefeitura de Salvador, inclusive estão sendo objeto de análise as irregularidades apontadas pelo Tribunal de Contas dos Municípios nas contas da gestão municipal.  Um fato que temos percebido é que muitas das irregularidades cometidas pior gestores públicos são mais por questões técnicas e não por mau uso do dinheiro público. Então, temos conseguido resolver muita coisa com acordos, o que tem gerado as correções necessárias sem que seja preciso recorrer à Justiça.

A senhora diria que o gestor público tem assumido outro tipo de prática, está ficando mais responsável no trato com o dinheiro público?

Avançamos muito nesse aspecto. A própria fiscalização por parte da sociedade levou os gestores a terem mais cuidado para não cometer desvio. Melhoramos, embora ainda não seja uma cultura totalmente generalizada. Por outro lado, temos que ter cautela com relação às denúncias que nos chegam para não cometermos erros, não expormos as pessoas acusando-as de improbidade sem os elementos que respalde isso. Por isso, às vezes, as ações demoram, se estendem por muitos meses. Temos preocupação com as ações temerárias, não instauramos esse tipo de ação, por isso a investigação apropriada.   


E a sociedade, tem participado de forma ativa na fiscalização, tem denunciado?

Infelizmente o cidadão não vê o patrimônio público como um bem comum. Falta ainda o espírito de cidadania e a maioria das pessoas só denuncia quando o fato a prejudica, quando ela está diretamente envolvida.  

A senhora acha que a própria imprensa perdeu o interesse no acompanhamento do trabalho do Ministério Público?

Olha, eu diria que com as mudanças políticas ocorridas no país e na Bahia levaram as pessoas a adotarem outro comportamento também em relação à fiscalização da coisa pública. As pessoas ficaram mais permissivas com o governo. Os próprios partidos políticos, os sindicatos e outros movimentos sociais que tinham posturas mais rígidas nos governos anteriores, passaram a ser mais tolerantes. Com a imprensa também tem sido assim. Você já não vê tantas denúncias. Claro que houve também uma mudança cultural no tratamento da coisa pública, mas ainda detectamos muitos problemas. Nosso trabalho é público, no entanto, não é papel do Ministério Público dar a publicidade aos fatos. Se a imprensa nos procura, tem a informação, mas não nos cabe procurar a imprensa para divulgar nossas ações.

Por falar em publicidade, as administrações estadual e municipal estarão fazendo em breve a escolha das agências que serão responsáveis pela propaganda. A licitação para a publicidade sempre gera desconfianças e  queixas, especialmente porque as agências ganhadoras sempre são as mesmas, o que deixa no ar uma suspeita de irregularidade. O Ministério Público tem uma ação preventiva para garantir a lisura das licitações?

Não cabe ao Ministério Público fazer esse trabalho de fiscalização antecipada. Nós trabalhamos com a lógica de que as leis estão sendo cumpridas. Repassamos para os gestores a necessidade de cumprir as determinações legais.  A licitação é obrigatória e deve ser transparente e séria. Não podemos imaginar que os gestores irão desrespeitar os dispositivos impostos pela legislação.  Se o Ministério Público receber denúncia de práticas irregulares, então investigar e, constatada as suspeitas, adotará as medidas previstas.


Mas, não seria mais fácil acompanhar todo o processo licitatório, garantindo a lisura e evitando os desvios e um longo trabalho de investigação, além do falta de recuperação do que foi perdido?

O acompanhamento de licitações não é recomendável porque se lá adiante houver registro de qualquer irregularidade, corremos o risco de chancelarmos o erro. Muitos gestores tem nos procurado para aconselhar sobre como proceder para evitar desvios. O Ministério Público não tem nenhum objetivo diverso do Estado, pode ter divergências pontuais, mas sempre esteve aberto ao diálogo. Veja bem, quando falo o Ministério Público, me refiro a coordenadoria a qual estou ligada, pois quem fala em nome da instituição é o chefe do MP. Mas o sentimento geral é o do manter o diálogo. Já solucionamos muitos problemas na base do diálogo e os Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) são o resultado desta preocupação de dialogar. Eu acredito muito que é possível conseguir resultados positivos com os TAC, sem desgaste e sem precisar recorrer à Justiça.

A sensação que tenho é que o trabalho do MP é inócuo a partir da dependência que tem da Justiça. Acho que é isso o que a maioria das pessoas pensa. Eu diria que o MP nada para morrer na praia, pois as ações chegam ao Judiciário e parece que morrem sem um resultado concreto.

O Judiciário realmente tem muitas dificuldades para tocar suas demandas, tem muitas deficiências e conta ainda com impasses sobre os quais não tem poder de interferir. Os ritos processuais são muito demorados, o que leva a sensação de impunidade, o que termina sendo ruim pois passa a imagem de inoperância. O Judiciário tem uma demanda enorme, pois tudo termina desaguando na Justiça. Sua estrutura, entretanto, não acompanha as necessidades da sociedade, até porque, com a crescente conscientização por parte do cidadão dos seus direitos, a demanda aumentou muito. A morosidade decorrente da falta de estrutura e pelos instrumentos da legislação que empurra os processos sempre para mais adiante, terminam gerando esse sentimento de impunidade, que por sua vez reflete na atuação do MP. As pessoas, ao não verem o resultado esperado, tendem a desacreditar no nosso trabalho.  

A senhora diria que essa é uma das razões que levam o cidadão a se omitir diante do papel de denunciar?

Claro que o sentimento de impunidade inibe a participação popular. As pessoas quando procuram o Ministério Público alimentam uma expectativa muito grande. É natural que, quando o resultado não é aquele esperado, elas se decepcionem, se sintam frustradas e até desestimuladas. No entanto, eu queria deixar claro aqui que nós temos feito tudo que nos cabe.  Nenhuma denúncia que nos chega fica sem apuração. Mas, pela natureza do nosso trabalho, que exige uma investigação minuciosa para não corrermos o risco de cometer injustiças, não podemos ter resultados imediatos, nosso trabalho termina sendo mais demorado. Realmente temos ações instauradas que o processo de investigação leva meses, mas isso não significa que ele foi esquecido, foi deixado de lado. Todas as denúncias são investigadas e, havendo procedência, são levadas à Justiça. Quando chega à Justiça acaba nossa esfera de competência. Acho que esses fatores realmente inibem o cidadão, mas também tem aquele aspecto ao qual me referi anteriormente, de as pessoas não terem um sentimento efetivo de cidadania no que se refere ao patrimônio público, área em que atuo especificamente.


Tenho uma informação dando conta que a construção da Arena Fonte Nova, que substituirá o antigo estádio que foi demolido por decisão do governador Jaques Wagner, é um escândalo em termos de desrespeito para com o dinheiro público e benesses à iniciativa privada. A obra vai custar três vezes mais do que a construção do estádio do Corinthians que é uma obra similar, embora o estado paulista tenha uma capacidade muito maior. Ambos serão construídos pela mesma empresa. A partir da atuação da senhora, já foram reduzidos R$ 150 milhões.  O MP tem essa denúncia e instaurou algum procedimento para investigar o contrato firmado pelo governo baiano?

A redução citada foi referente às taxas de juros.  O problema da Fonte Nova não é exatamente esse de que vai custar mais caro do que o do Corinthians. Não dá para trabalhar com essa lógica, pois os modelos são diferentes e você não pode ficar restrito à capacidade, ao tamanho. Os problemas detectados na Fonte Nova não envolvem só a obra. Nós não concluímos ainda o procedimento instaurado para investigar o contrato. É um trabalho que está sendo feito em parceria com o Ministério Público Federal, já que envolve verbas federais.   

O que a senhora espera para 2011?

Sinceramente, eu gostaria que os gestores tivessem mais atenção e cuidado no trato da coisa pública, do dinheiro do contribuinte, que houvesse menos denúncia. Não que eu não queira trabalhar. Menos denúncia, nesse caso, significa que está havendo mais cuidado e respeito para com os bens coletivos da sociedade, o dinheiro público. Esse é realmente meu objetivo, que as pessoas possam tratar a coisa pública como um bem da coletividade.

Classificação Indicativa: Livre

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