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A esperança está ao lado: Psicologia hospitalar ameniza o sofrimento de pacientes em UTIs Covid

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Sem as visitas, a saúde mental se deteriora e acaba refletindo no quadro geral dos pacientes, bem como causa aflição nos que ficam longe da família   |   Bnews - Divulgação Arquivo pessoal

Publicado em 15/05/2021, às 05h53   Márcia Guimarães


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O coronavírus é desesperador em diversos aspectos e um deles é a proibição das visitas quando há internamento hospitalar. Sem o contato com os familiares, a saúde mental dos pacientes tende a se deteriorar e acaba refletindo no quadro clínico, bem como causa aflição nos que ficam longe de seus amados. 

Para tentar abrandar tamanho sofrimento, a psicologia hospitalar tem tido um papel importante no acolhimento dos familiares e o uso da tecnologia virou instrumento fundamental. As videochamadas têm sido uma das ferramentas mais utilizadas pelos psicólogos nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) e Unidades de Terapia Semi-Intensiva durante esta pandemia.

“Foi muito importante a psicologia hospitalar, visto que na UTI a gente fica muito sozinho, sem muita atividade e longe dos familiares. Ter um psicólogo que nos ajude a enfrentar essa realidade é fundamental. Passei 63 dias dentro de uma UTI e era a psicóloga que fazia chamadas de vídeo para minha família para que eu pudesse vê-los. Era mais a psicóloga que fazia essa conexão. Mesmo quando estive intubada (por duas vezes), as ligações ocorriam”, relata a farmacêutica bioquímica Tâmara Nogueira.

Ela lembra que a psicóloga do leito de UTI Covid também a acompanhou após transferência para quarto da enfermaria e isso a ajudou no processo de recuperação. “Algumas vezes eu estava sozinha e a psicóloga, que já tinha me atendido na UTI covid e seguiu me acompanhando na UTI não covid, acabava sendo uma figura conhecida para quem eu podia me reportar e falar do processo difícil que estava passando. Daí ela me colocava para falar com minha família, ou simplesmente me orientava com conversa. Isso nos faz melhorar”, destaca Tâmara.

A irmã da bioquímica, Thamires Nogueira, que também é psicóloga, diz que a psicologia hospitalar fez toda a diferença nas experiências de internação prolongada que teve na família devido à Covid-19. O avô acabou não resistindo à doença, mas antes teve a oportunidade de se despedir dos familiares, inclusive presencialmente. Já a irmã, que todos os dias escutava áudios ou ligações afetuosas da família mesmo estando intubada, agora está em processo de reabilitação em casa. 

“A psicologia hospitalar, através de uma escuta diferenciada, permite que o paciente seja visto como único em sua singularidade e que as condutas, inclusive regras enrijecidas, possam ser flexibilizadas se entendido como importante para o paciente. Essa flexibilização eu vi acontecer na minha experiência como familiar. No contexto da pandemia e da restrição do ir e vir do familiar ao hospital, a psicologia na UTI se torna ainda mais fundamental por trazer elementos de resgate subjetivo do paciente que se encontra sozinho e em sofrimento, mas também por ofertar ao familiar uma escuta cuidadosa, acolhimento e possibilitar que se criem formas de se fazer presente ainda que não fisicamente”, acrescenta Thamires.

Trabalho de risco, mas feito por amor

A psicóloga Juliana Mattos, que atua na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para pacientes com diagnóstico de Covid-19 em um hospital da rede privada de Salvador, explica que a psicologia nesses casos aparece como um lugar de sustentação para o cuidado humanizado dos pacientes. Isso porque é comum que o indivíduo perca a sua identidade e autonomia, diante do seu contexto de adoecimento e hospitalização.

“A partir de uma escuta e cuidado ampliados, a psicologia pode aparecer como ferramenta para fazer valer a singularidade de cada paciente. Para tanto, o nosso fazer também passa por monitorar os pacientes com risco de delirium; na elaboração de uma comunicação alternativa para pacientes com limitação de comunicação verbal; atendendo aos familiares dos nossos pacientes, promovendo cuidado e acolhimento, entre outras formas”, elenca a psicóloga.

Com o objetivo de criar pontes entre os pacientes e familiares, Juliana Matos diz que, além das chamadas de áudio e vídeo, os psicólogos também leem as mensagens enviadas, buscam fazer uma escuta atenta e proporcionar um ambiente acolhedor. 

Para ajudar os internados a ter mais autonomia e estimulá-los cognitivamente e psiquicamente, a psicóloga conta que os profissionais podem utilizar ferramentas como: pranchas de comunicação para pacientes com dificuldade de verbalização; cartas e mensagens de familiares; livros ou algum passatempo para personalizar o ambiente; pertences que são importantes para eles (terço, por exemplo). 

“Com o cenário pandêmico e dentro de um espaço de cuidado intensivo, a entrada dessas ferramentas ficou restrita, pelos cuidados com a higiene e riscos de contaminação, diante disso, foi preciso reinventar e pensar em ferramentas que possam ser descartáveis após o uso e facilmente higienizáveis”, sinaliza Juliana.

Atuando na UTI do Hospital de Campanha de Feira de Santana, o psicólogo Alan Mesquita esclarece que está entre as funções dos profissionais prevenir agravos psíquicos que podem ocorrer no processo de hospitalização. Para isso, realizam anamneses para investigar histórico dos pacientes, a forma como essa pessoa manejou situações difíceis ao longo de sua vida e qual a sua rede de apoio. 

Segundo Mesquita, os impactos do atendimento humanizado têm sido muito positivos, ainda mais quando é preciso informar um óbito.

“Percebemos bem o sofrimento dessas pessoas antes do nosso atendimento e como os pacientes ficam após nossa intervenção e do contato com sua rede de apoio. Há melhora na saturação, o apetite do paciente se restabelece, são mudanças visíveis que se refletem na recuperação deles”, pontua Mesquita.

Ele completa que, com o avanço da pandemia, ocorreram diversas situações em que vários membros da mesma família ficavam internados na UTI. Então, se tornou comum promoverem espaço de encontros entre essas pessoas, em conjunto com a equipe de Fisioterapia e Enfermagem. O psicólogo ressalta que é um momento muito emocionante, não só para esses pacientes, mas para todos que presenciam a cena, e tudo isso “enche a equipe de esperança”.

Obrigada!

Sobrevivente à covid-19, a farmacêutica Tâmara Nogueira pede que os psicólogos hospitalares continuem trabalhando com o coração, pois eles são essenciais para os pacientes. “Essa fase difícil vai passar, será bom olhar para trás com gratidão e sensação de que contribuíram para a vida de muita gente”, completa Tâmara.

Classificação Indicativa: Livre

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