Esporte

Arena Fonte Nova: 'Sua nota é um show'

Publicado em 08/05/2013, às 15h29   Leonardo Santana


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Que saudade eu estava da Fonte Nova! Saudade do tempo em que estacionava no Dique do Tororó e pagava R$ 2,00 ao guardador, que sempre estava no mesmo lugar, atrás do seu ‘ganha pão’. Saudade da concentração do lado de fora do estádio, onde as torcidas faziam questão de chegar mais cedo para ‘tomar uma’, rever os amigos, colocar os papos em dia. Saudade do churrasquinho de gato e da cerveja com álcool que eram vendidos aos empurrões nos bares lotados antes, durante e depois das partidas dentro da velha Fonte. Saudade do povão e de pessoas simples que viviam aquele momento, como se fosse um dos poucos lazeres que tinham para desfrutar.

Saudade até dos ambulantes que vendiam seu sorvete com ‘água do Dique’, sua cana-de-açúcar em roletes ou pipoca em saco de supermercado. Bateu-me até saudade da “Sua Nota é um Show” - programa de incentivo ao esporte do governo estadual - onde torcedores trocavam notas fiscais por ingresso e podiam ver seu time de coração, mesmo que estivessem cheios de dívidas e contas em casa pra pagar. Naquele momento podia esquecer-se de tudo e levar seus familiares a uma partida de futebol. A paz reinava dentro e fora do estádio, uma prova disso eram as torcidas mistas, a famosa geral.

Fiquei até com saudade de ver a piscina olímpica e o Balbininho que existiam no Complexo Esportivo anexo ao estádio, os dois eram visíveis lá de cima das arquibancadas. Saudade ficou também de caminhar por toda a Fonte Nova, sem ser barrado, caminhar livremente pelo estádio. Ficava na direção do meio do campo, no fundo do gol, em cima do placar, onde eu quisesse. Quem viveu a antiga Fonte Nova sabe do que estou falando.

Engraçado é que, mesmo após a inauguração da nova Arena Fonte Nova, fiquei com a sensação de saudosismo ainda. A nova Arena é muito linda, moderna, exuberante, imponente, setorizada. Mas a sua essência não lembra a antiga Fonte Nova. Agora o torcedor tem que se reeducar, é assim que eles falam. Não pode isso, não pode aquilo, não pode andar, não pode fumar, não pode beber... O que é que pode? Não pode nem caminhar dentro do estádio na direção em que quiser. Agora resolveram separar de vez as torcidas. De um lado os mais favorecidos, do outros os menos favorecidos,  e assim por diante... Ingressos a preços exorbitantes, estacionamento a R$ 25,00, pipoca a R$ 9,00. A elitização ficou estampada a quatro cantos no estádio. É camarote vip, lounge premium, cadeira acolchoada, porta-copos, tudo no modelo Fifa, mas me pergunte se o torcedor comum vai ter acesso a isso?

Certa vez me disseram que para frequentar a Arena, o indivíduo terá que ter um emprego exclusivo para sustentar seus gastos. E está correto. Vejamos e façamos um simples cálculo. Um torcedor leva um filho ou a esposa ao estádio. Somando os dois ingressos, gastará R$ 70,00 (valor mais barato para ir ver seu time, sendo que, neste caso, terá que enfrentar fila e sentar-se no fundo do gol, pior localização dentro da arena). Paga o estacionamento, gasta mais R$ 25,00. Compra uma pipoca, toma um refrigerante, no mínimo, por baixo, já gastou mais de R$ 100,00. Se for ver 2 a 3 jogos por mês, gastará em média R$ 400,00. Pois é, ir ao estádio virou programa de rico em Salvador. Agora o sistema “Sua Nota é um Show” mudou completamente. Agora é sua nota em reais, dinheiro, ‘bufunfa’! E o pior é que não tem show. Aliás tem, afinal de contas Bahia e Vitória estão apresentando futebol digno de show, mas de horrores.

Ambulantes? Coitados, devem estar procurando novas profissões já que no entorno do estádio e dentro dele também não são permitidos. Churrasquinho de gato e cerveja com álcool só em sonho. Lá dentro da nova Arena só alimentos industrializados, sanduíches e a ‘bendita’ sem álcool. Complexo esportivo fora do estádio? Nem sinal.  Devem ter se esquecido dos esportes amadores e das pessoas que viviam da existência da piscina olímpica e do Balbininho.

Enquanto é novidade o equipamento vai se mantendo. Mas pago pra ver até quando. Porque torcedor não é burro e nem nada em rios de dinheiro. Se já tínhamos a violência afastando os torcedores do estádio, agora temos os próprios administradores os afastando também. Afinal de contas, vai chegar uma hora em que o torcedor irá preferir ficar no sofá de casa ou na mesa de um bar, com conforto e segurança, tomando sua cerveja com seu tira-gosto, com amigos e familiares assistindo aos jogos pela televisão, já que pelo visto estão mais preocupados com as cifras, do que com a presença do povão dentro da Fonte Nova.

*Leonardo Santana é repórter do Bocão News e torcedor baiano apaixonado por futebol.


Publicada no dia 16 de abril de 2013, às 03h20

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