Geral

A Advocacia Criminal

Publicado em 10/10/2010, às 10h21   Rômulo Moreira




* Rômulo Moreira

Defender é uma arte ; acusar também o é, menos nobre, é verdade, pois o homem nasceu para ser livre, não para ser preso; logo, lutar para fazer valer a liberdade de alguém, indiscutivelmente, é mais longânime do que lutar para encarcerá-lo (o que, obviamente, não torna quem acusa menos digno ou magnânimo, muito pelo contrário).

Aliás, é possível que a acusação sobreviva, e seja necessária, porque alguns devam efetivamente ficar presos, infelizmente... (e ainda que provisoriamente).

A advocacia criminal no Brasil tem sido, desgraçadamente, desprestigiada a todo dia, pois estão confundindo, com uma facilidade perigosa, advogado e cliente , esquecendo-se que o cliente (acusado por um crime ou, às vezes, um mero indiciado) precisa de um defensor e o advogado está legitimado a defendê-lo.

Em um Estado Democrático de Direito a advocacia criminal é absolutamente indispensável, uma necessidade imperiosa e impostergável.

Quantos e quantos advogados criminais temos (ou tivemos), brilhantes, honestos, ciosos, comprometidos, não corruptores? Infelizmente, noticia-se sempre o mau exemplo, como se somente na advocacia houvesse maus exemplos!
"Admiro quem cultua os princípios da legalidade, da presunção de inocência, do devido processo legal, o caráter ressocializador das penas, a amplitude e a inviolabilidade do direito de defesa, acima de tudo a magnitude da profissão de advogado pela sua relevantíssima função humana e social. É ela uma confiança que se entrega a uma consciência. (...) Quando um advogado criminalista está em ação, sabe quem ele está defendendo? Você!” (Elias Mattar Assad – “A pessoa e o cárcere”, disponível em www.paranaonline.com.br - 06/04/2008).

Segundo Étienne Vergès, “le défenseur (le plus souvent un avocat), occupe une place primordiale dans l´exercice des droits de la défense, Ainsi, l´article 6§3-c Conv. EDH permet à l´accusé (au sens large) de se defender lui-même ou d´avoir l´assistance d´un défenseur de son choix.”

Nos últimos tempos estamos vivendo uma verdadeira pirotecnia policial : gente presa, algemada, filmada, exposta, etc., etc . Em regra, dias depois a Justiça solta, ou melhor, um Juiz de Direito liberta; para a opinião pública é mais uma demonstração de impunidade ou, ainda mais facilmente, uma prova que no Brasil somente alguns (os pobres) ficam presos. Há, evidentemente, uma verdade nesta segunda afirmação, pois é certo que o pobre, na maioria das vezes sem advogado criminal, fica preso, sem assistência que está, e aquele que tem recursos logra ser solto, não porque necessariamente reine a impunidade, mas porque o Estado foi incompetente para prendê-lo (ou mantê-lo preso, ou porque simplesmente não seria necessária a prisão antes de uma condenação definitiva – não é mesmo a Constituição que assim o diz?)

Aliás, sobre a atuação da Polícia Federal no Brasil, em entrevista coletiva concedida à imprensa no dia 1º. de Julho de 2008, o Ministro Gilmar Mendes afirmou que “quanto a essas investigações da Polícia Federal, eu acredito que nós teríamos que fazer um seminário sobre isso para abordar todo o tema, em todos os seus aspectos. Eu vou apenas pontuar algumas questões. Do que percebo de alguns episódios, muitos têm notório caráter de retaliação e até de controle ideológico contra os juízes. Não vou me referir especialmente ao caso de Carlos Velloso (ex-ministro do STF), recentemente divulgado, mas houve aqui, não faz muito, o caso do Sepúlveda Pertence (também ex-ministro do STF). Depois houve o meu próprio caso: o nome envolvido no caso de homonímia conhecido, mas que se sabia que era indevido. O caso do [ministro Sepúlveda] Pertence, os senhores sabem, inventou-se que ele proferira uma sentença para atender ao pedido de um dado lobista que falava ao telefone.Infelizmente, até agora – hoje eu cobrava isto do doutor Antonio Fernando [Souza, o procurador-geral] –, não temos resultado desse inquérito. No meu caso, se sabia que não era eu o personagem citado. No dia seguinte, a Polícia Federal emite uma nota para dizer que reconhecia apenas que era a opinião de ministro do Supremo.

Qual era a opinião? Que eu dizia que era canalhice divulgar fatos daquela forma, com aquele grau de irresponsabilidade. Depois, fiquei sabendo – a representação [contra esse fato] também hoje já está na Procuradoria – que, na verdade, a ação fora projetada a partir da própria assessoria de imprensa da Polícia Federal, que pedia aos órgãos de imprensa que divulgasse o fato.E por quê? Porque, numa quarta-feira, os senhores hão de se lembrar, o doutor Antonio Fernando fez umas declarações dizendo que a ministra Eliana Calmon conhecia mais os autos do que eu. E eu rebati aquilo dizendo: “eu não preciso conhecer os autos, basta que se tenha conhecimento dos fundamentos do despacho, da decisão que decreta a decisão”.Eu fiz essa declaração às 14h30. Às 18h30 as redações estavam recebendo, em retaliação, a notícia do envolvimento do meu nome nesta matéria, quando o escutado era Gilmar de Melo Mendes – o mesmo que aparece no caso de Pertence – um velho conhecido da polícia. A confusão, portanto, não foi acidental. Até agora esse fato não se esclareceu.

O ministro [Félix] Fischer, do STJ, se recusou a atender um pedido da polícia de decretar a prisão preventiva de juízes em São Paulo. [Ele] determinou a busca e apreensão. Na semana seguinte, uma revista semanal publicava que o filho de sua excelência estava envolvido em um caso determinado. Caso flagrante de retaliação. É preciso encerrar esse quadro de intimidação. É fundamental que o presidente da República, que o ministro da Justiça e que o diretor da Polícia Federal ponham cobro a esse tipo de situação. É abusivo o que se vem realizando. Não é possível instaurar, no Brasil, o modelo de Estado policial. Nós repudiamos com toda a veemência, e os senhores conhecem a minha posição sobre isso.

É chegada a hora de o Brasil reinstitucionalizar essas relações. Já falei isso, inclusive, com o Presidente da República. É necessário que nós promulguemos uma nova lei de abuso de autoridade – a lei é de 1965, do governo Castelo Branco, está totalmente defasada – para que nós possamos abranger esses novos tipos penais que se verificam a toda hora.”
Como afirmou Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, “nos difíceis dias da atualidade, a figura do advogado, especialmente o criminal, tem provocado a ira pública estimulada pela má imprensa. Esta faz questão de nos confundir com o cliente e se esforça  para passar a idéia de que somos defensores do crime e não portadores dos direitos constitucionais e processuais do acusado.”
E, então, surge a figura do advogado criminal: não os (raros) pilantras, mas o profissional sério e dedicado à causa, o técnico, o jurista, o ADVOGADO CRIMINAL (incluindo-se os nossos bravos e quase heróicos Defensores Públicos).

                    No parecer exarado em dos relatórios da Comissão de Sindicância da OAB/SP, os juristas Miguel Reale Júnior, Walter Ceneviva  e Antonio Ruiz Filho, deixaram assinalado as seguintes lições, bem a propósito do exercício da advocacia criminal:

                    “Por ato do Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção de São Paulo, foram baixadas as portarias nº.s 448/06/PR e 456/06/PR, criando a presente Comissão de Sindicância, composta pelos Advogados Miguel Reale Junior (presidente), Walter Ceneviva e Antonio Ruiz Filho (relator), com o objetivo de analisar eventuais indícios de infração ético-disciplinar dos advogados (...) Do quadro fático apresentado pelos sindicados, de interesse para a Comissão e dentro das suas atribuições, cabe examinar se, pela orientação que alegam ter dado à cliente, mereceriam eles a imputação de algumas falta ético-disciplinar. A resposta haverá de ser negativa. É preciso afirmar desde logo que o advogado está impedido de orientar seu cliente a desobedecer a lei. Ao assim proceder, certamente o profissional da advocacia estaria infringindo seu Código de Ética. Mas, de outra parte, infringe a ética profissional o advogado que não orienta o cliente suficientemente, valendo reproduzir a lição de Manoel Pedro Pimentel, segundo a qual o advogado criminalista, “respeitados os princípios da ética profissional, deve fazer tudo o que estiver ao seu alcance para que o seu constituinte seja defendido com a maior eficiência possível”. 5 Na obra “Tática e Técnica da Defesa Criminal”, Serrano Neves enfatiza: “(...) é preciso exercer, com altivez e espírito público, o direito de defesa – o mais sagrado de todos os direitos. E que nenhum advogado tenha receio de faze-lo,em qualquer circunstancia, atendendo pois, à recomendação que se lê no inciso II da Seção 3ª do Código de Ética Profissional6, expressis verbis: - ‘Nenhum receio de desagradar a juiz, ou de incorrer em impopularidade, deterá o advogado no cumprimento de seus deveres’ (...)”7. Zanardelli, sobre a defesa criminal, lançou célebre axioma: “Até o patrocínio de uma causa má é legítimo e obrigatório, porque a humanidade o ordena, a piedade o exige, o costume o admite e a lei o impõe”. Serrano Neves traz outras importantes considerações: “(...) É sabido que o assassínio, por exemplo, provoca uma desordenada agitação nas massas, seguidas de verdadeiras tempestades de paixões. Demais disso, a imprensa sensacionalista – interpretando, aliás, o sentimento médio da coletividade – não perde o grande prato, pois o jornal precisa circular mais e vender mais. Assim sendo, os ânimos se exacerbam, e a reação, nesse caso, toma feições, por vezes, até mais odiosas e odientas que o próprio crime (...)”8. E, ao tratar da preparação do acusado, orienta: “(...) O advogado tático deve ser também, um bom diretor de cena. Por isso, precisa saber preparar o acusado para a solenidade do julgamento. Erro palmar, assim, cometeria o advogado que admitisse, no banco dos réus vestida de branco e maquilada, a mulher que matou o marido....Deverá ela, se não lhe for permitido comparecer de luto fechado, ir para a audiência com o uniforme do estabelecimento penal em que se encontrar. E precisa chorar....naturalmente...(...)”9. Os autores, absolutamente, não contemplam e nem pregam a fraude, mas é verdade que a natureza da defesa criminal impõe uma variedade de cuidados e condutas, de modo a combater todo o estigma que se forma em favor da acusação, mais ainda, quanto mais grave for o crime e maior a sua divulgação pela mídia. (...) É o parecer. São Paulo, 30 de maio de 2006” (Notas: 5 - In Advocacia Criminal, São Paulo, RT, 1965, p. 42; 6 - Atualmente dever ético praticamente com os mesmos dizeres está previsto no art. 31, § 2º, do Estatuto da Advocacia; 7 - In Tática e Técnica de Defesa Criminal, Rio de Janeiro, Jozon ed., 1962, p. 36; 8 – Idem, p. 48; 9 – Idem, p. 111-3).

                    A propósito, a Lei nº. 11.767/2008, alterou o inciso II do art. 7º., do Estatuto da OAB, acrescentando-lhe, outrossim, os §§ 6º. e 7º.:

                    “II – a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia;”

                    “§ 6o  Presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado, a autoridade judiciária competente poderá decretar a quebra da inviolabilidade de que trata o inciso II do caput deste artigo, em decisão motivada, expedindo mandado de busca e apreensão, específico e pormenorizado, a ser cumprido na presença de representante da OAB, sendo, em qualquer hipótese, vedada a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes.

                    “§ 7o  A ressalva constante do § 6o deste artigo não se estende a clientes do advogado averiguado que estejam sendo formalmente investigados como seus partícipes ou co-autores pela prática do mesmo crime que deu causa à quebra da inviolabilidade.”

Eu, Promotor de Justiça criminal, respeito profundamente os advogados criminais, os bons e os verdadeiros advogados criminalistas. Poderia citar alguns, ao menos os baianos, mas, infelizmente, não o farei; estas menções a nomes são sempre e invariavelmente injustas, pois certamente haveria omissões imperdoáveis (no fundo, no fundo, muitos deles ao lerem este trabalho saberão que, ao escrevê-lo, fi-lo por eles inspirado). Cito, então (e por todos), o Dr. Edson O´dwyer, e por dois motivos: primeiro, pelo fato de ser um verdadeiro ADVOGADO CRIMINAL (na sua mais correta acepção), e segundo porque, de toda maneira, quem haveria de me contestar?

Esta é uma curtíssima e singela homenagem minha àqueles que labutam no foro criminal em busca da liberdade de outrem (ah! a liberdade). Uma lembrança simples de um Promotor de Justiça que, sem cabotinismo, sabe reconhecer com coragem o valor da arte de defender e, sobretudo, diferenciar os bons dos maus profissionais, atuem eles na Advocacia, na Magistratura, na Polícia ou no Ministério Público.

* Rômulo Moreira é procurador-geral adjunto e professor de Direito Processual da Unifacs

Classificação Indicativa: Livre

FacebookTwitterWhatsApp