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A sombra do passado

Publicado em 06/02/2017, às 13h22   Guilherme Reis*


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O passado nos transforma de maneiras inimagináveis. Como diz Lya Luft em uma crônica, “quando menos esperamos ele chega, o sorrateiro pensamento que nos faz parar”. Fico me perguntando de onde brota o tal pensamento paralisante, e a resposta que que mais me ocorre é: “Do passado”. Das experiências, traumas ou até mesmo daqueles sentimentos reprimidos, guardados no fundo de baús que, pesados demais, largamos nos caminhos da existência. 
Enquanto tento encontrar as palavras corretas para expressar as ideias aqui expostas, me vem à cabeça a imagem de um boneco de lego, composto por pequenas peças de diferentes cores. Penso que nós, seres de carne e osso, obedecemos a um princípio semelhante: somos um encaixe de experiências distintas que tentamos harmonizar, mas que ora nos puxam para um lado, ora para outro. 
No último ano, a minha vida tomou rumos para os quais não tive a expertise de me preparar: terminei um relacionamento conturbado e me deparei com as fraturas emocionais acumuladas ao longo de dois anos; com o término da faculdade e as incertezas de uma vida adulta que parecia começar de fato. Nos meses seguintes, foi quase impossível enfrentar sem medo os obstáculos daquela nova fase que se iniciava.
Nunca lidei bem com mudanças bruscas, e durante semanas me senti pisando em solo movediço. Quase tudo o que havia me acostumado a considerar sólido tornara-se ruína; tentar juntar os pedaços seria uma tarefa árdua, e provavelmente resultaria em algo disforme e declaradamente instável. 
Nesse sentido, administrar as feridas deixadas por acontecimentos ruins é, sem dúvida, o maior desafio que a vida nos impõe. Podemos escolher deixá-las em carne viva, tornando sôfrega a nossa caminhada, ou optar por curá-las da melhor forma possível. As cicatrizes podem ser eternas, mas que sejam elas metáforas do nosso amadurecimento, e não sinais de alerta que nos impeçam de viver com plenitude. Devemos ter em mente que a realidade em volta é, antes de mais nada, aquilo que o nosso [trágico] mundo interior lhe atribui. 
É preciso se despir dos traumas como se eles fossem roupas tão sujas e velhas que só servem ao cesto de lixo. E que nos transformemos para a união, a coragem e a generosidade de sentimentos — fogueiras perenes que afugentam as feras portadoras do medo e da solidão.
*Guilherme Reis é repórter do Bocão News e escreve neste espaço às segundas-feiras.

Classificação Indicativa: Livre

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