Justiça

Audiências de Custódia: Observatório de Segurança Pública vê disfunções

Publicado em 30/07/2017, às 17h16   Tony Silva


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Em continuidade à série de matérias sobre Audiência de Custódia na Bahia, o BNews traz a análise do coordenador do Observatório de Segurança Pública da Bahia (OSPBa), especialista em segurança pública, o professor Doutor João Apolinário da Silva.

Apolinário destaca disfunções das Audiências de Custódia no Brasil. O especialista inicia com um comparativo da origem das audiências e aponta uma inversão de valores no trâmite.

“A Audiência de Custódia, concebida como modelo mimético do Sistema Americano, deveria funcionar para oferecer um julgamento rápido para as questões de menor complexidade. No Brasil o modelo admitido inverte o polo da prisão, fazendo com que a abordagem dos operadores do direito se prendam à legalidade do ato da prisão e, por vezes, o delinquente passa a ser a vítima e o policial que realiza a prisão como o algoz”, comenta o doutor.

O coordenador do observatório aponta um dos aspectos na disfunção das audiências. Sobre o quantitativo de liberdades provisórias na Bahia divulgadas no site do CNJ, o especialista mensura que o baixo índice de prisões preventivas pode estar na falta de provas e crimes de menor potencial ofensivo

“Uma das disfunções é apresentada pelo baixo número de conversão de prisões em flagrante em prisão preventiva, podendo representar uma ineficiência da atuação policial quando conduz presas algumas pessoas (falta de provas entre outros motivos), e/ou crime de menor potencial ofensivo que a lei favorece o relaxamento da prisão por meio de instrumentos legais para que responda pelo delito em liberdade”, avalia Apolinário.

Para o especialista, o modelo de Audiência de Custódia brasileiro infunde a sensação de impunidade. “O reflexo desse modelo é que os indivíduos que cometem crimes e não são contidos por meio da repressão legal se sentem fortalecidos para continuarem na carreira do crime. É importante ressaltar que essa maneira de controle social do crime tem servido como fator importante para que o delinquente atue racionalmente para praticar crimes”.

Os reflexos das Audiências de Custódia podem estar presentes na construção da personalidade da sociedade sobre a criminalidade e a interpretação do perfil criminoso. O doutor João Apolinário chega a classificar como "pedagogia do crime" como parte da lógica que orienta o raciocínio criminoso.

“A lógica é: criminoso motivado, alvo adequado, recompensa que excede a repressão e baixa reprovação social. Esta baixa reprovação social é fruto do discurso apaixonado de falsos intelectuais que difundem uma ‘pedagogia do crime’ como se este fosse decorrente das condições sociais e não fruto do livre arbítrio de práticas crimes contra a liberdade e a vida das pessoas na sociedade. Essa hipocrisia fomentada por esse grupo social alimenta a cadeia criminosa, culminando com práticas de não aplicação de pena sob o pretexto de que a prisão não é a maneira adequada de se estabelecer o equilíbrio das relações sociais esgarçada a partir do crime”, dispara.

Os paradoxos da ressocialização

Um grupo social que segundo Apolinário defende condições sociais como motivo principal para a atuação criminosa, não apresenta soluções e ainda confunde o conceito de ressocialização. “Este grupo não apresenta solução para resolver o problema. Quando lhes falta inteligência para resolver o problema, eles admitem a necessidade de ‘políticas públicas’ sem informar como fazer ou a ressocialização. Esta última não consegue enxergar que ressocializar é trazer o indivíduo de volta à sociedade que ele pertence”.

Para Apolinário, no ideário de ressocialização, “seus interlocutores pensam que ele deveria pertencer à sociedade que estes últimos pertencem e não a que o preso emergiu”. O coordenador do OSPBa afirma que este é um dos paradoxos da ressocialização, pois se o criminoso ascender socialmente em função do crime cometido, então o crime será uma das formas para ascensão social.

O criminoso é vítima da sociedade e o encarceramento é muito cruel

Apolinário aponta uma distorção nos valores que resultam na morte de indivíduos da sociedade, de policiais e a inserção de jovens no crime. “O criminoso, na linguagem protecionista é uma vítima da sociedade não possui qualquer responsabilidade. Nesse sentido, parte da sociedade ‘os intelectuais’ acreditam que o encarceramento é algo muito cruel para se aplicar o criminoso. O efeito deletério dessa compaixão é o aumento de prisões ‘e a soltura dos presos’, mortalidade da população, mortalidade de policiais, aumento de jovens em idade mais pueril no mundo do crime”.

O crime como produto da aprovação social

Ainda comentando as disfunções nas Audiências de Custódia que refletem na criminalidade, o professor doutor destacou o crime como cultura social e a grande inversão de valores no âmbito da liberdade de criminosos.

“O crime deixou de ser algo reprovado pela sociedade e passou a ser um traço na cultura da população. O crime passou se ser cometidos em todos os estamentos da sociedade. A liberdade de criminosos, independente do crime cometido, é uma característica da nova sociedade brasileira que está sendo construída. Nesse cenário, o crime compensa o criminoso é vítima e a vítima é uma estatística”, destaca.

Segundo dados publicados pelo site do CNJ, além das audiências, o projeto que engloba a “audiência de custódia” prevê a estruturação de centrais de alternativas penais, centrais de monitoramento eletrônico, centrais de serviços e assistência social e câmaras de mediação penal, responsáveis por representar ao Juiz opções ao encarceramento provisório. Porém, na Bahia ainda não existe este aparato. Em alguns casos, faltam tornozeleira, a exemplo do caso do ex-ministro Geddel Vieira Lima, que depois de retornar da prisão da Papuda em Brasília para Salvador, não está monitorado, pois não teve a tornozeleira disponibilizada.

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