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Vítimas detalham como Samuel Klein escapou de prestar contas à Justiça em denúncias de crimes sexuais

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Klein é fundador das Casas Bahia   |   Bnews - Divulgação Divulgação

Publicado em 12/05/2021, às 17h25   Redação BNews


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Uma mulher identificada como Vanessa Neves Meyer diz ter começado a se relacionar com Samuel Klein (1923-2014), o fundador das Casas Bahia, aos 12. À época ela fazia parte das "samuquetes". Imagens de uma festa em que o empresário estava acompanhado de diversas menores vieram à tona em reportagem da Agência Pública em 15 de abril, quase três décadas depois da celebração ao “tio das Casas Bahia”. 

A biografia de Klein, morto aos 91 anos em 2014, sofre abalo com o testemunho de Vanessa e dezenas de outras mulheres que alegam ter sido exploradas sexualmente na infância e adolescência pelo empresário. Um esquema de aliciamento que, segundo a Folha, foi confirmado por ex-funcionários, seguranças, taxistas, vizinhos e advogados. 

Existem, ao menos, sete processos cíveis e três criminais contra o fundador das Casas Bahia por exploração e abusos sexuais. Um inquérito e duas queixas crimes foram arquivados, sem que o acusado nem sequer prestasse esclarecimento sobre denúncias de estupros contra meninas na faixa de 12 anos. 

“Uma parente me levou nas Casas Bahia. Ela disse que Samuel ia apalpar meu peito e eu ganharia um dinheirinho. Uma semana depois, fomos para o quartinho do lado do escritório no quarto andar e o ato aconteceu. Era virgem. Saí chorando. Ele me deu uns R$ 3.000”, reafirma Vanessa, sobre denúncias feitas em ação cível arquivada após acordo. Vanessa, 46, recebeu a Folha na casa convertida em pousada em Monguaguá, na Baixada Santista, que diz ter comprado com os R$ 160 mil recebidos pelo último dos quatro acordos extrajudiciais feitos com o patriarca da família Klein em troca de silêncio. 

O mesmo valor foi pago às duas irmãs — a do meio, hoje com 43 anos, não quis dar entrevista, e Karina Lopes Carvalhal, 40. A primogênita apresentou a mais nova para Klein, à medida que perdia o posto de preferida. “Eu tinha 15 anos quando levei a Pri, que estava com 12. Quando ela fez 15, também levou a Karina, então com nove anos”. Segundo as irmãs, a pirâmide era financiada pelo dono das Casas Bahia em troca de favores sexuais, remunerados em dinheiro, recebido na boca do caixa, ou por vales de cestas básicas, brinquedos, eletrodomésticos e até carros.

Com aparato de bons advogados, Klein nunca prestou contas à Justiça. Um exemplo de como se valeu de brechas legais para nem sequer depor está em um inquérito que tramitou na 1ª Vara Criminal do Guarujá, aberto em 2006 para apurar denúncia de que T.A.C, filha de uma caseira, teria sido abusada em 2000, aos 12 anos. “Embora a conduta criminosa do réu tenha ficado demonstrada, em razão de suas manobras protelatórias e uma manifesta lentidão na apuração dos fatos, a Justiça rendeu-se à declaração de prescrição”, conclui a promotoria em março de 2011. 

A denúncia ao Conselho Tutelar do Guarujá foi feita em maio. Em agosto, Klein seria chamado a depor pela primeira vez. Seu advogado, João da Costa Faria, declarou que o cliente estava enfermo, conforme atestado de um geriatra. O mesmo aconteceu em 25 de março de 2008. Procurado pela Folha, declarou que “o escritório Faria Advogados não comenta processos de seus clientes”. 

A dependência financeira aumentava e cresciam as humilhações, dizem as irmãs, assim como o assédio para receber dinheiro do “velho”. “Nós três ganhamos um Gol cada uma. Aí começou a ficar uma coisa mais financeira mesmo. A gente achava que ele devia isso pra gente”, resume Karina. Ela exibe o documento do veículo ano 1999, transferido para o nome dela em 14 de janeiro de 2002 pela Casa Bahia Comercial Ltda.

Um final de semana em Angra dos Reis podia render R$ 5.000 para cada uma das escolhidas, ainda segundo a Folha. “Ele dava R$ 1.000 quando subíamos no helicóptero e R$ 2.000 no final. Lá, ficava cantando no videoquê e jogava dinheiro pra cima e a gente pegava no chão”, recorda-se Vanessa. O trio resolveu coletar fotos, vídeos e documentos para provar que faziam parte do “harém do Samuca”.

Se na infância e na adolescência as irmãs afirmam terem vendido seus corpos, adultas confessam ter negociado o silêncio. São explícitas sobre as tratativas. “A gente arrumava advogado, Samuel chamava a gente nas Casas Bahia e fechava acordo ali mesmo”, afirma Vanessa. Na primeira negociação em 1996, as três saíram da reunião com um cheque de R$ 10 mil cada uma. “Os advogados ficaram com parte de nossas provas, entre elas uma fita cassete que entregaram para o Samuel na nossa frente”, recorda-se Karina. A estratégica jurídica era evitar processo criminal até a prescrição.

Segundo elas, em 2010 foi firmado o último acordo, que teria chegado a R$ 1 milhão e levou ao arquivamento do processo por danos morais na 1ª Vara Cível de São Caetano — um valor ainda longe, segundo elas, de reparar o dano de carregar o carimbo de “Samuquetes” pela vida. “Sem estudo e emprego não tive muita saída na vida”, diz Karina. Faltam perspectivas e sobram julgamentos em uma sociedade machista que critica a conduta das mulheres e não a do abusador, emenda Vanessa. 

Classificação Indicativa: Livre

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