Polícia

“Ele sempre vinha com a conversa de que ia mudar. Até que um dia, a coisa ficou muito grave”, conta vítima de tentativa de feminicídio

Marcos Santos/USP
A mulher disse que não tinha consciência do processo de violência que vivia   |   Bnews - Divulgação Marcos Santos/USP

Publicado em 17/04/2019, às 18h29   Márcia Guimarães


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A analista de projetos Kely Araújo, 43 anos, se relacionou com o ex-companheiro de 2008 a 2016. Os oito anos de história passaram longe de um conto de fadas. Mesmo sofrendo violências psicológica, material e física, Kely continuou o casamento por acreditar nas promessas do então marido, que garantia que as agressões não voltariam a acontecer.

A vítima disse que não tinha consciência do processo de violência que vivia e que acabava sempre acreditando que o problema de tudo aquilo acontecer era dela. O ex-companheiro fazia questão de dizer que ninguém teria paciência para se relacionar como uma pessoa como ela. Mas quem bebia, usava drogas e ficava agressivo era ele, não ela, mas o sentimento evolvido não a deixava enxergar. 

“Ele sempre vinha com a conversa de que ia mudar. Até que um dia, a coisa ficou muito grave, ele me deu chutes e socos e os vizinhos e a polícia foram chamados para me ajudar”, contou Kely. Isso foi em 2013 e o agressor ficou preso por 20 dias. A vítima foi para Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam) de Brotas e fez o exame de corpo de delito no IML, comprovando a violência.

“A família dele ficou me procurando para tirá-lo da cadeia porque advogado criminalista cobrava muito caro. Como eu estava em um processo de violência psicológica, achava que o problema era eu porque ele sempre me colocava na posição de algoz. Estava depressiva e até tentei suicídio. Eu não entendia esse processo de violência e aí paguei o advogado para liberá-lo”, revelou a analista de projetos. Depois disso, eles voltaram a se relacionar e, em 2015, quase a tragédia se concretiza.

Kely relata que o homem chegou bêbado e disse que iria matá-la naquele dia, que arremessaria a cabeça dela na parede. “Consegui sair correndo e pedir socorro. Foi aí que eu vi que eu que poderia morrer a qualquer momento. Além disso, a minha filha me contou o que ele fez com ela. Ela foi abusada. Ele se masturbava olhando ela no banho e ameaçava dizendo que ele iria me matar. Hoje ela tem 16 anos, na época ela tinha 13. Nessa hora, eu me senti fracassada porque mãe tem que proteger, e não permitir que certas coisas como essas aconteçam. A depressão piorou e foi aí que eu fui atrás da Justiça”, descreveu.

Foi nesse momento que Kely procurou a vereadora Aladilce Souza (PCdoB), membro da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara Municipal de Salvador. O grupo conta com oito membros e busca debater várias questões que atingem as mulheres, além de tentar ajudá-las em casos de violência.

“Uma das pautas principais da Comissão da Mulher é o enfrentamento à violência contra a mulher porque temos visto uma verdadeira epidemia de violência, não só de agressões físicas, mas agressões psicológicas, violência material e feminicídio, que tem crescido muito e é uma coisa muito grave na sociedade. Tivemos, nos últimos 12 meses, 1,6 milhão de mulheres espancadas no Brasil”, destacou Aladilce. 

A vereadora também lembrou que 37% de mulheres brasileiras sofreram assédio e 42% dos casos de violência aconteceram em casa, exatamente no lugar onde elas deveriam estar mais seguras, mas não têm sossego. Os dados são de um levantamento do Datafolha, encomendada em fevereiro deste ano pela ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

Ela lembra que a mulher é a vítima principal da violência hoje porque os próprios maridos e companheiros descarregam as suas angústias e insatisfações nelas, agredindo-as, violentando-as. “Essa desigualdade na relação de poder entre homem e mulher acaba levando a essa violência. Na comissão, recebemos denúncias, casos de mulheres agredidas, perseguidas, e, muitas vezes, as apoiamos, articulando ações com os órgãos de polícia e de justiça, como as Deams, o Ministério Público, a Defensoria Pública, o Tribunal de Justiça, e movimentos sociais. A gente tem buscado fazer um trabalho em rede”, assegurou a vereadora.

A comissão tem procurado, através de palestras nas escolas, nos sindicatos e nas sessões na Câmara, dialogar com a sociedade para desconstruir o machismo e a atitude violenta contra as mulheres. O objetivo também é mostrar que elas precisam ter uma relação mais solidária com os homens, serem tratadas de maneira igualitária.

Após o apoio da comissão, Kely conseguiu ter forças para seguir com o processo contra o ex-companheiro. No momento, a ação está em andamento, mas o advogado do agressor abandonou o caso, o que acabou atrasando o avanço do processo.

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