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Na contramão do país, Ceará mantém casos de dengue abaixo da média

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Convivência com a doença, menor parcela da população suscetível e início tardio das chuvas são alguns dos motivos  |   Bnews - Divulgação Divulgação / Fiocruz

Publicado em 21/02/2024, às 07h27   Beatriz Jucá / Folhapress


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Com mais de 650 mil casos prováveis de dengue notificados pelo Ministério da Saúde, o Brasil está em alerta pelo surto da doença, impulsionado especialmente pelas notificações no Distrito Federal, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. O Ceará está na contramão desta realidade: segundo dados da Secretaria da Saúde do Estado, a notificação dos casos praticamente caiu pela metade neste ano em relação ao ano passado.

O estado registrou 2.047 casos prováveis de dengue neste ano, enquanto no ano passado foram 3.234 casos no mesmo período. Até o momento, 266 casos foram confirmados. No ano passado, haviam sido 575 em janeiro e fevereiro.

Segundo especialistas e gestores, a convivência histórica do estado com a doença, o fato de ter uma menor parcela da população suscetível aos sorotipos em circulação no país e o início tardio da quadra chuvosa são alguns motivos que explicam a baixa incidência da doença neste início de ano.

"O Ceará está na contramão porque ele já esteve muito tempo na mão", diz o secretário Executivo de Vigilância em Saúde da Secretaria da Saúde do Ceará, Antonio Lima Neto, conhecido como Tanta. O estado viveu ao menos sete epidemias de dengue nos últimos 40 anos e, segundo o gestor, conta com uma espécie de "barreira imunológica" contra alguns sorotipos da doença.

A infecção da dengue é causada por quatro sorotipos que circulam nas Américas: DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4. Os tipos em maior circulação no Brasil atualmente são o 1 e o 2, os mesmos que já circulavam nos municípios cearenses nos últimos anos. Como o Ceará e outros estados do Nordeste têm histórico de epidemias, Tanta acredita que a parcela da população suscetível para contrair a doença seria menor do que em estados do Sudeste e no Sul, que passaram a enfrentar a doença mais recentemente, com maior prevalência associada à emergência climática e às chuvas excessivas.

A situação do Ceará parece mais confortável que em outros locais do país, mas gestores especialistas concordam que não se pode baixar a guarda para o mosquito. Isso porque outro fator que pode explicar a baixa incidência no estado é o início mais tardio da quadra chuvosa, quando costuma haver mais acúmulo de água e, consequentemente, maior proliferação do Aedes Aegypti. O pico da dengue no Ceará costuma ser entre abril e maio.

"O período da quadra chuvosa começou mais tarde. Pode ser que a gente tenha, a partir de agora, um aumento das arboviroses, como dengue, chikungunya e zika", pondera Magda Almeida, professora do Departamento de Saúde Comunitária da Universidade Federal do Ceará, embora reconheça que a baixa incidência dos primeiros meses é animadora.

Tanta reconhece que não se pode descartar o risco de uma subida de casos, mas alega ser improvável. Ele explica que a secretaria faz um diagrama de controle, com dados da média móvel a partir da série histórica de casos de dengue. A partir daí, estatisticamente é calculado um limite superior. "Quando você está abaixo da média, significa que você está num período de baixa transmissão, que é o que está acontecendo agora", detalha.

Segundo ele, embora o pico da doença costume ser em abril, nos anos de surto os primeiros meses já indicavam uma subida. Seja como for, o próprio gestor admite que o quadro pode mudar se, por exemplo, o DENV-3 ou DENV-4 retornarem ao Ceará. Embora seja raro enfrentar duas epidemias em anos seguidos, o estado vivenciou isso em 2011 e 2012 com a substituição do DENV-1 pelo DENV-4. "Se você não tiver uma alternância de sorotipo, a população que é suscetível [no Ceará] é bem menor que em alguns estados", afirma.

As lições das epidemias

As lições aprendidas com as epidemias nas últimas décadas, segundo especialistas, também contribuem para o controle da incidência e, especialmente, para evitar os óbitos. Uma delas é o manejo clínico: informar a população para que saiba identificar os sinais de alerta para a gravidade da doença (como por exemplo náusea, tontura, vômito e dor abdominal) e organizar o sistema de saúde para atendê-la no tempo adequado é crucial.

"Se eu tratar essa pessoa nessa fase, com soro fisiológico, salvo 99 % dos casos", explica o médico infectologista e coordenador do Núcleo de Medicina Tropical da Universidade Federal do Ceará, Ivo Castelo Branco.

Outra lição, segundo o secretário Tanta, é aprender a não subestimar a capacidade que a doença tem de uma explosão epidêmica e agir para frear a transmissão quando se nota subida nos índices de infestação do mosquito (o LIRA, feito por amostragem a partir das visitas domiciliares), antes de os dados refletirem os casos da doença.

Ter uma equipe de vigilância ativa e atenta e uma população informada para eliminar os focos do mosquito dentro de casa é outra lição importante. "A gente já tem uma cultura de responsabilização individual há algum tempo", diz Magda Almeida. Os focos, aliás, mudam de região para região, e o mosquito pode estar se proliferando no lixo, na garrafa pet, mas também na caixa d'água aberta.

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