Polícia

Adolescência e Criminalidade: o papel da família e da sociedade na construção da identidade

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Sociólogo e psicólogas falam como a presença da família pode evitar a cooptação dos menores para o crime  |   Bnews - Divulgação Reprodução / Google

Publicado em 13/09/2017, às 18h27   Tony Silva, Shizue Miyazono, Rafael Albuquerque, Yasmim Barreto


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“Por favor, observem e acompanhem seus filhos. Cuidado com o trabalho quando ele tomar muito seu tempo. Sempre deve arrumar um tempo para os filhos, para escutar e conversar bastante. Eu tinha cinco filhos e agora tenho quatro. Sempre falta um pedaço”. Esse é o desabafo de uma mãe que perdeu o filho adolescente, aos 14 anos, na orla de Camaçari, na região metropolitana de Salvador, morto após entrar no mundo do crime.

O menino, assim como tantos outros, era uma criança normal, que estudava e praticava capoeira, mas seu comportamento mudou após ver o pai ser morto durante um assalto. A mãe, Alice Santos*, contou ao BNews que após perder o pai, o menino foi morar com a avó paterna, pois a mãe precisava trabalhar muitas horas diariamente e não tinha como cuidar do filho.  O menino começou a usar drogas, por influência do tio que morava na mesma casa, e acabou entrando na criminalidade, sempre prometendo vingar a morte do pai.

Na segunda reportagem da série Adolescência e Criminalidade, o BNews vai buscar respostas para alguns questionamentos recorrentes: o que leva um adolescente a entrar no mundo do crime? Como a família e a sociedade influenciam na construção da identidade desses meninos e meninas?

A psicóloga, psicoterapeuta familiar e neuropsicóloga, Angela Amorim Chezzi, afirma que a família tem um papel fundamental na construção da identidade do adolescente e em sua subjetividade. Para ela, o "pertencimento" é a chave para evitar que o menor entre na criminalidade.

"Quando a família fecha a porta para este adolescente, o traficante diz: venha, você é o cara. Ele sai da família, que ele não tinha o pertencimento, mas acha um lugar no tráfico ou no grupo de jovens que comete delito, geralmente associado ao uso da droga", explica a psicóloga.

A psiquiatra forense, que atua há mais de 20 anos no sistema prisional da Bahia, Ivete Santos, concorda com Ângela sobre a importância do adolescente se sentir pertencente a um grupo, de reconhecimento dos pares. "Eu diria a figura do cuidado, quem cuida desses jovens? As mães tem que ir trabalhar, os pais não se responsabilizam, o Estado não os provê, pior, o estado fornece péssimos exemplos. O resultado dessa equação é que o grupo da rua e da aventura os acolhe e lhes dá um lugar, eles criam uma espécie de "família " que serve aos fins do crime, mas que os acolhe e provê e nesse grupo a violência é  estimulada, serve como uma forma de obter prestígio e reconhecimento".

Segundo Ângela, que trabalhou com meninos em situação de risco e vulnerabilidade durante nove anos na Fundação Cidade Mãe, apesar dos adolescentes infratores serem na sua maioria de famílias desestruturadas e pobres, o que os tornam invisíveis, para a psicóloga, a pobreza não é determinante para que os adolescentes entrem na criminalidade. "Veja a quantidade de jovens de classe média alta que se tornam delinquente, é a ausência total dos pais", pontuou. Mas, Ângela explica que, apesar da pobreza não ser determinante, é um agravante.

As duas profissionais lembram que a adolescência é a fase da rebeldia, do egocentrismo, da descoberta, da experimentação e da impulsividade. Para Ivete, os jovens de classe média alta se aventuram fazendo esportes, viajando, já os meninos de classe baixa acabam, muitas vezes, entrando em grupos de jovens transgressores para se aventurarem.

Ângela explica que na adolescência os valores morais perdem o limite e os jovens são facilmente influenciáveis e é preciso que tenha uma família para dar os ajustes, que ensine os caminhos corretos a seguir.


"Existe hoje a adultização dessas crianças, uma fala recorrente das mães é que a vida ensina, eles já sabem se virar. É uma independência sem ter uma estrutura. Hoje, as famílias estão dando aos filhos uma autonomia precoce, que eles não têm ainda a estrutura emocional e cognitiva para que possam ter tanta responsabilidade", afirma.

A psicóloga explica que existe no cérebro uma estrutura chamada pré-frontal que é o que nos norteia, o que dá o raciocínio, a tomada de decisão, o processo social, que estabelece a empatia, dá o comportamento moral e ele só se forma a partir dos 23 a 25 anos, por isso muitos criminalistas são contra a redução da maioridade penal.

Cooptação

Muitos adolescentes entram no crime através de “convites” feitos por adultos e a delegada Ana Virgínia, da Delegacia para o Adolescente Infrator (DAI), admitiu que existem casos de adolescentes cooptados por adultos para a prática de atos infracionais análogos a crimes e disse que não tem possibilidade de precisar a quantidade. "Apesar do pouco tempo na unidade, o que pude notar é que, em muitos casos, existe forte suspeita de participação ou influência de adultos, porém os adolescentes não costumam revelar. A motivação mais provável para o adolescente omitir ou mentir é o medo de eventuais represálias".

No final de agosto, uma mãe reconheceu o filho, um adolescente de 16 anos, após a imagem de câmera de segurança ser divulgada no BNews e na TV e mostrar o menor roubando um veículo no bairro de Armação, em Salvador. Em contato com a reportagem, a mulher afirmou que um homem da vizinhança mandou o adolescente praticar o crime e ainda orientou o garoto a usar o uniforme escolar para não levantar suspeitas. A mulher explicou que o homem já tem várias passagens pela polícia e, inclusive, tinha roubado um carro e que o crime tinha tido uma grande repercussão por se tratar de um veículo do governo.

O sociólogo Eduardo Alfano lembra que para falar sobre o fenômeno do aumento de crianças e adolescentes no cometimento de delitos, é necessário entender o processo da “cooptação”, e a ideia de poder e de respeito é fundamental para essa forma de sedução. Como a psicóloga Ângela explicou, quando o adolescente perde um referencial de família, ele vai procurar modelos em que possam se inserir.

"As crianças e adolescente presenciam em suas comunidades os chamados traficantes sempre tendo os melhores tênis, as melhores roupas, as melhores meninas, muito dinheiro, sem contar o respeito imposto por eles pelo medo do poderio bélico de suas armas de fogo, além de arregimentarem legião de seguidores por onde vão, sem esquecer que são uma espécie de patrões, não precisando cumprir carga horária, nem ir para escola para terem um futuro melhor. Seria ou não seria uma forma ideal de cooptação dessa juventude? Esses tais patrões atendem as demandas que por ventura apareçam na comunidade por necessidade de segurança, saúde ou alimentar, quando estes voluntariamente ajudam na compra de remédio, botijão de gás, traslados para postos de saúde e até mesmos resolvam conflitos domésticos como problemas de Maria da Penha e o não cometimento de pequenos furtos/roubos na comunidade onde moram", explica o sociólogo.

Alfano afirma que não existe nessas comunidades a visão maniqueísta de quem faz o mal não faz o bem, já que o poder público instituído quando entra na comunidade é para reprimir, muitas vezes subjugando e espancando essa mesma juventude, enquanto os líderes de quadrilhas, de facções acabam, muitas vezes, suprindo as necessidades dessas comunidades.

Então, sem um espelho dentro de casa, a referência que os adolescentes vão ter de sucesso, de poder, de respeito, é o do traficante, do chefe da quadrilha que vive em sua vizinhança, na comunidade e, muitos jovens acabam se enveredando para a criminalidade, mas como lembra a psiquiatra Ivete Santos os adolescentes infratores que estão nas instituições penais são sobreviventes. "Muitos morrem sem chegar nelas e muita gente no Brasil aprova isso. Bandido morto não é bom para nós. Bom mesmo é não termos bandidos".

A próxima matéria da série “Adolescência e Criminalidade” do BNews vai trazer a história de duas mães que perderam os filhos para a criminalidade e mostrar como a educação e projetos sociais podem ajudar jovens em situação de vulnerabilidade a não entrar no mundo do crime e a ter uma nova perspectiva de vida.

*Nome fictício para preservar a identidade dos entrevistados

Classificação Indicativa: Livre

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